'Equipe' econômica em jogo de embaixadas
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo - 20/05/10
Essas embaixadas são as dos campos de futebol e outros locais onde praticadas, com os jogadores às vezes disputando entre si quem melhor as faz. Presumo que têm esse nome porque os "embaixadores" - que incluem uma famosa praticante, a Milene Domingues - tocam a bola embaixo dela. Aqui elas serão metáfora para a forma de atuar da "equipe" econômica do atual governo federal, cujos membros costumam agir individualmente, a mostrar sua habilidade. Pode ser também o caso de uma equipe desses "embaixadores". A metáfora será estendida a outros jogadores.
Certa vez, assisti a uma disputa de embaixadas. Ganhou alguém que, além do tempo em que manteve a bola sem cair no chão, fazia-a chegar a alturas maiores do que as alcançadas pelos demais.
No semelhante torneio governamental, as bolas são os gastos e a taxa de juros - a Selic -, com que lidam os membros da "equipe". As de gastos chegam das várias áreas do governo. Nos jogos mais solenes, vêm do cartola-mor e vieram também da cartola maior. Ao recebê-las, os ministros da área econômica demonstram grande disposição de atender a quem pede o jogo ou manda nele, sempre em busca de aplausos fáceis da plateia.
É sabido que o atual governo federal vem gastando adoidado. Uma das bolas que mais vão para o alto, e por mais tempo, é a de gastos com pessoal, que na segunda-feira levou a esta manchete deste jornal: Governo Lula deu reajustes de até 576%. Nessa área, pode-se conjecturar, com boa dose de segurança, que nunca antes neste país houve tantas contratações e salários tão elevados relativamente ao mercado de trabalho em geral. Isso em benefício de servidores que também já têm aposentadoria privilegiadíssima relativamente aos coitados que só chegam aos parcos benefícios do INSS, num jogo incentivado e até aplaudido mesmo por "líderes" sindicais dos trabalhadores ligados a esse instituto. Tais "líderes" fazem seu próprio espetáculo jogando bolinhas de gude ou de reajustes adicionais até menores que um ponto de porcentagem para aposentados desse grupo, que com seus colegas da ativa acabam pagando a conta dos funcionários beneficiados pelas embaixadas vencedoras nos critérios de tempo e altura.
Há também outro jogo de bola para o alto na forma de um orçamento paralelo em que o governo emite títulos da sua dívida e os entrega ao BNDES, em valores que já estão perto de R$ 200 bilhões, para levantar recursos e emprestá-los conforme a sua conveniência, sem maiores satisfações ao Congresso Nacional. Com a agravante de que é um jogo subsidiado pelo Tesouro Nacional, que patrocina a diferença entre os juros pagos pelos financiados e o que custa a dívida pública assim criada. Juntamente com o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa também entraram na disputa, chutando o crédito para cima e atraindo bancos privados como rivais.
Para espanto dos economistas preocupados com essas e outras embaixadas, o governo veio pomposamente com a notícia de que vai cortar R$ 10 bilhões de gastos, essa "enormidade" num orçamento que deve passar de R$ 600 bilhões este ano. Como de hábito, deve estar cortando despesas orçadas, usualmente superestimadas, depois de ter elevado por vários anos, e até para o próximo, despesas não passíveis de compressão em termos nominais.
Creio que, se está cortando alguma coisa, o governo o faça não para abandonar as embaixadas, mas, talvez, porque sua imoderação ao gastar é um dos motivos que levaram o Banco Central (BC), da mesma "equipe", a chutar a bola dos juros para cima, agravando o custo da dívida pública para o Tesouro. Também à moda das embaixadas, o BC promete repetir o movimento até que o dragão da inflação, agora despertado, pare de jogar preços para o alto.
A propósito, o BC, nas atas de seus jogos com a taxa Selic, não deixa de mandar recados diplomaticamente preocupantes a seus colegas de "equipe" que jogam com os gastos. Fala também do crédito, mas pouco pretende fazer nessa área, a não ser encarecê-lo. A última ata, por exemplo, diz que nos próximos trimestres a trajetória do comércio será estimulada por transferências governamentais e pela recuperação das condições de acesso ao crédito, entre outros fatores, incluindo incentivos setoriais temporários concedidos pelo governo. Mais adiante, depois de concluir que a economia se encontra em forte expansão e pressiona a inflação, também diz que "a continuidade e a própria intensificação desse quadro dependem de forma importante dos efeitos das medidas de estímulo fiscal e (...) das transferências governamentais (...) nos meses à frente..."
No final da ata, o BC promete agir de forma "incisiva" para acalmar a inflação assim estimulada também pelos colegas de "equipe". Começou "embaixando" a Selic de 8,75% para 9,5% ao ano e promete continuar o jogo. Com tantos gastos públicos e tanto crédito, deve ir longe.
Num lugarejo vizinho a uma cidade onde morei, os torcedores, por falta de talentos futebolísticos locais, aplaudiam jogadores que se excediam em chutões, como em tiros de meta ou mesmo para o alto. No caso, esse vizinho da "equipe" econômica é o Congresso Nacional. Vendo a atitude concessiva do Poder Executivo e a perspectiva de um torneio eleitoral, atua também como "embaixador" com sua agenda de votações que ameaçam elevar a bola dos gastos governamentais em mais algumas dezenas de bilhões de reais.
A imprensa registra bem todas essas embaixadas. Contudo, apesar de manchetes gritantes como a citada, o assunto não causa maior comoção, nem reação em contrário da sociedade, que não percebe que nesse jogo também está o futuro do País.
Se não interrompido, terminará, à moda grega, com dois grandes perdedores, os cidadãos em geral e quem estiver no governo quando o desastre chegar.
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO
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