Pensaram que a crise já era?
CARLOS ALBERTO SARDENBERG |
O Globo - 20/05/2010 |
Já se sabia que a União Europeia estava atrasada no processo de recuperação da economia mundial. Entre os desenvolvidos, enquanto os Estados Unidos mostravam uma forte retomada expansão pouco acima de 3% neste ano e algo parecido no próximo e mesmo o Japão exibia taxas de crescimento de 2% para o mesmo período, a Europa se arrastava na casa do 1%. Alguns países importantes, como a Espanha, nem conseguiam escapar da recessão, deixada para trás pela maioria das nações no segundo semestre de 2009. Mas não era um caso desesperador. Economia travada, excessivamente regulamentada, com carga tributária muito elevada e gastos públicos idem, a União Europeia, mesmo em condições normais, cresce pouco. Assim, crescendo qualquer coisa já estava razoável. Parecia tudo normal, portanto. Depois de seguidas revisões para cima, o FMI cravou, em seu último relatório, que a economia mundial deveria crescer 4,3% neste e no próximo ano, ritmo muito bom, com os emergentes bastante acelerados. Aí vem a crise das finanças públicas europeias, que colocou no cenário dois espectros. Um, a possível volta de uma crise bancária internacional. Outro, paradeira e conflitos políticos em diversos países da região. Como os bancos estariam de novo envolvidos? Simples, são os bancos, principalmente, que financiam os governos. Estes, além de cobrarem impostos, emitem, para arrumar mais dinheiro, os chamados bônus soberanos, títulos que são comprados por bancos e investidores que procuram a segurança de juros pagos rigorosamente no prazo. Logo, quando os governos não pagam, o prejuízo se espalha pelo sistema financeiro global. Lá pelas tantas, há semanas, o governo grego disse que não teria como pagar os quase 9 bilhões de euros que venceriam ontem. Acabou pagando, com dinheiro emprestado pela União Europeia e pelo FMI. Não serviu para acalmar a situação, porém, porque o caso grego havia chamado a atenção para o problema mais amplo as dívidas públicas elevadas de muitos governos que, ainda por cima, continuavam trabalhando no vermelho, ou seja, gastando mais do que arrecadam. A possibilidade de calote foi afastada pelo pacote específico de ajuda à Grécia e, depois, pela formação de um fundo de estabilização, com a impressionante soma de US$ 1 trilhão, posto à disposição de países em dificuldades na rolagem de seus títulos. Essas duas providências foram recebidas com alívio e aplauso, mas a paz durou pouco. O problema de fundo não estava resolvido. A Zona do Euro, da moeda comum, inclui 16 países, com enormes diferenças de renda, competitividade e na situação das contas públicas. Há gastadores e poupadores, exportadores e importadores, mas todos com o mesmo Banco Central, a mesma moeda, a mesma política de juros. Assim, reparem na situação: nos atuais pacotes de ajuda aos elos mais fracos, países poupadores e prudentes estão pagando a conta dos gastadores. Isso provoca reação negativa nos fornecedores de recursos (Alemanha, por exemplo) e ressentimentos nos recebedores, pois a ajuda é condicionada a dolorosos programas de ajuste, naquele velho estilo: cortes de salários e de pensões, reduções de gastos, aumento de impostos. Questões: até quando pode ir esse arranjo, pelo qual os gastadores acabam tendo um perdão? Como se fará para colocar na linha os gastadores? E como os países em dificuldades farão para ajustar suas contas, sem cair numa profunda recessão que sempre leva a crises políticas? Programas de ajuste sempre funcionam e criam as condições para a retomada do crescimento, desde que implementados seriamente e ao longo do tempo. Para isso, precisam de suporte político. Ontem, por exemplo, lideranças do governo e da oposição de Portugal colocaram-se de acordo em relação a esse ajuste, um passo decisivo. Mas a Grécia, onde o problema é maior, está longe dessa coesão. Finalmente, existe a questão de longo prazo da sobrevivência da moeda comum em um ambiente tão diversificado. E não se trata de coisa pouca. O Produto Interno Bruto da União Europeia, incluindo os países que não usam o euro, passa dos US$ 16 trilhões, maior do que o americano. A corrente de comércio, exportações mais importações, chega aos US$ 4 trilhões/ano. O que acontece lá afeta o mudo todo, pela via financeira e da economia real. Eis o ponto em que estamos: mal saídos de uma crise, topamos com uma outra. Daí o susto e a instabilidade dos mercados. Pode-se dizer que as lideranças europeias se atrasaram nos primeiros momentos, mas finalmente agiram e ganharam tempo. Passou a emergência, mas há muito por fazer. Eta mundo complicado! Mal saímos de uma, já topamos com outra. Daí o susto |
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