quinta-feira, maio 20, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Escape externo 
Miriam Leitão 

O Globo - 20/05/2010

O Brasil precisará de pelo menos US$ 50 bilhões de poupança externa. Esse é o tamanho do déficit em transações correntes projetado para este ano.

Para 2011, a estimativa é de que será preciso US$ 60 bilhões. Com o excesso de liquidez no mundo, esse dinheiro vem para o país e a conta fecha. Mas o que acontecerá se a crise europeia provocar uma redução dessa liquidez?

O economista José Lamy, da Cenário Investimentos, acha que é preciso atenção nas nossas contas com o exterior. Ele explica que o momento atual é o mais favorável possível para o financiamento do déficit porque os juros nas principais economias estão muito baixos.

Além disso, há excesso de liquidez por causa dos pacotes de incentivo no combate à crise financeira internacional. Isso significa que há muito dinheiro em circulação e o seu custo nas principais economias está barato. O quadro favorece a entrada de dólares no Brasil.

O problema é que não vai demorar muito para que o Banco Central americano comece a subir os juros, invertendo a tendência.

— Estamos ao sabor dos rumores do mercado externo para financiar nosso déficit.

Há excessiva liquidez global, juros zerados por causa da crise internacional nas principais economias.

Isso gera um aumento na propensão ao risco e favorece os investimentos no Brasil. É um momento único, mas que não vai valer para o futuro — explicou.

Lamy acredita que há vários “monstros” adormecidos na economia internacional, mas que eles estão prontos para despertar: a regulação bancária no sistema financeiro americano; o superaquecimento da economia chinesa; e, por último, a crise europeia, que só se agrava. São três fatores que diminuiriam o fluxo de entrada de dólares no Brasil.

— O mundo nos próximos cinco anos não será de crescimento expressivo, ou seja, teremos um cenário bastante diferente do que foi visto entre 2003 e 2008. Os juros subindo vão segurar a economia mundial. Não teremos mais a mesma exuberância. A aversão ao risco vai subir. As condições ficarão mais adversas e haverá menos investimentos no países periféricos — explicou.

A China não para de divulgar indicadores que sugerem crescimento acelerado da economia. A inflação do setor de construção civil chegou a 12%. O temor de um superaquecimento, forçando o pé no freio por parte do governo, está explícito no índice da bolsa de Xangai, que está com o pior desempenho entre as bolsas mundiais: -21% no ano. Uma desaceleração chinesa levaria a uma queda nos preços das commodities, com impacto direto na balança comercial e no crescimento do Brasil.

Uma desaceleração na China, somada à crise na Europa e ao fortalecimento do dólar, levou a RC Consultores a revisar sua previsão para o preço das commodities este ano, que deve chegar em dezembro com 5% de queda em relação ao mesmo mês de 2009. A RC também reduziu a previsão de saldo na nossa balança comercial, de US$ 12 bilhões para US$ 8 bi.

A história recente do Brasil é salpicada de episódios de crises cambiais. A situação agora é bem diferente. Em outros momentos, o país tinha baixo volume de reservas e câmbio controlado.

Agora, tem câmbio flutuante e US$ 250 bilhões de reservas.

Portanto, não se pode usar a experiência passada como indicação do risco de uma crise.

Mas uma coisa não mudou: o Brasil tem baixa taxa de poupança e isso é um limitador ao crescimento.

Se não há dinheiro aqui dentro para financiar o crescimento, é preciso recorrer ao exterior.

— O déficit em conta corrente é resultado de um desequilíbrio no país entre investimento e poupança. E ele se agravou principalmente com a falta de poupança do setor público dos últimos anos. O Brasil quer crescer mais, mas não encontra correspondência na poupança nacional, por isso, precisa ir ao exterior — afirmou José Júlio Senna, da MCM consultores.

O economista Ilan Goldfajn, do Itaú Unibanco, que está prevendo um déficit de 3,7% do PIB para o ano que vem, acha que o crescimento do Brasil este ano, que ele prevê em 7,5%, vai piorar os números da balança comercial. Mas há fatores compensadores: — O minério de ferro teve um aumento de 110% e isso será importante para elevar o valor das exportações brasileiras da commodity.

O que chama a atenção nas nossas contas externas é que o déficit apareceu repentinamente.

De 2003 a 2007, conseguimos ter sempre saldo positivo, mas em 2008, a conta ficou no vermelho em US$ 28 bilhões.

No primeiro trimestre deste ano, o Banco Central informou que houve o pior déficit para o período na história: US$ 12,14 bilhões. A maior parte do déficit de 2010 será financiado pelo Investimento Estrangeiro Direto (IED), que está projetado para US$ 38 bilhões, segundo o Boletim Focus.

Quem já viu muitas crises cambiais no passado se assusta porque sabe como o dinheiro estrangeiro some de repente. Nossa situação hoje é outra. Mas o mundo é tão volátil quanto sempre foi.

Nenhum comentário: