De espertos e tolos
ANTONIO MACHADO |
Correio Braziliense - 20/05/2010 |
Queda livre da Bovespa e do real é só especulação, sem nexo com a saúde da economia nacional Quem se fiar no que a bolsa de valores e o mercado cambial andam dizendo sobre a economia brasileira não deixa margem para dúvidas: ou se acha muito esperto ou é tão ingênuo que está mais para tolo que para inocente. Os problemas que acometem a economia não são os refletidos pelo mercado de capitais e pelo preço do dólar. A queda livre da Bovespa, com o índice de preço das ações abaixo de 60 mil pontos, flertando com 55 mil, e isso depois de roçar 72 mil no início de abril — uma retração de 17% —, e do real, cotado a R$ 1,85, vindo de R$ 1,75, são movimentos, por assim dizer, “avulsos”, desconectados da situação efetiva da economia. Um país cujo maior problema imediato é esfriar a taxa de expansão do consumo para evitar uma pressão inflacionária em formação, mas não já enraizada, não se identifica com ataque de nervos na bolsa. Se o preço das ações captado pelo índice da Bovespa está caro ou barato, isso é problema de expectativas quanto aos resultados das empresas, mas nada tem a ver com o receio de frustração devido ao aumento de juros pelo Banco Central. A economia vai desacelerar-se — não sofrer uma freada brusca. Nem se pode dizer que o país sofra a contaminação dos problemas europeus. É achar que somos parvos. Um país com reserva de divisas de US$ 250 bilhões, mais do que o estoque da dívida externa, nenhum sinal de fuga de capitais e mais um caminhão de dólares retidos no exterior pelos exportadores, que há tempos estão autorizados a interná-los quando quiserem, também não está refletido pela desvalorização do real de 5% em um só mês.. Se o real deveria estar mais para R$ 1,90, conforme o exportador, que para R$ 1,75, o patamar que ajuda o BC a conter os impulsos da inflação, essa é outra discussão. Ela se fará adiante, não agora. O que há a considerar é que essa volatilidade cambial nada tem a ver com uma fraqueza estrutural das contas externas. O superávit comercial vem definhando, mas está mais sujeito ao aquecimento do mercado interno, que demanda importações, que à economia global em marcha lenta. Adicione-se que o processo de correção já começou. PIB não vai capotar Se o BC já empinou a Selic, podendo levá-la a 12% em prazo curto, conforme as previsões, a expansão do PIB (Produto Interno Bruto) deverá perder força. De aumento de 7% ou mais este ano, e cerca de 10% no primeiro trimestre, segundo um índice antecedente do BC, o crescimento do PIB será levado pela taxa de juros, maior controle fiscal e, se preciso, por ações pontuais sobre o crédito para uma velocidade ao redor de 4,5% em 2011. Mais ou menos, é o que virá. Sobre isso os candidatos à sucessão de Lula não divergem. O que questionam é a ênfase do instrumento: se mais com o BC, e à margem do debate se a taxa de juros deve ou não manter a centralidade que ocupa no governo Lula, ou com maior rigor sobre o gasto fiscal. Euro distante do real Mas o ponto a reter é que nada disso indica que o país esteja com problemas de gravidade sideral ou que sofra o contágio da crise da Europa. Está claro, como diz o analista Sidnei Nehme, da corretora NGO, que há uma crise séria do euro. Mas há distinções. O real é afluente do dólar, não do euro, os bancos brasileiros estão livres dos problemas europeus e o país é credor líquido em moeda externa. O pesadelo da zona do euro parece que vai longe. A Alemanha acaba de proibir a venda a descoberto de ativos (em que o vendedor vende para entrega futura um título que não possui) e a Itália suspendeu o conceito de marcação a preço de mercado dos papéis que compõem a carteira dos fundos registrados no país. Tais ações são movimentos de defesa contra a especulação sobre o euro, mas com interferência reduzida sobre as condições e cenários da economia brasileira. Onda de especulação “Não somos uma ilha, mas as reações internas dos mercados não são compatíveis com a situação do país”, diz Nehme. O dado crucial é o que contam os fluxos externos: há mais entrada de dólar que saída. Nehme diz que há um “efeito onda, articulado pelos bancos”, com o sentido de sugerir uma contaminação artificial do real pelo euro. Então, fica assim: a Europa em crise, o real se deprecia, o dólar dispara, a Bovespa despenca, e os assustadiços tomam cano. Quando a poeira assentar, tudo muda. Nem a banca acredita no pior, já que as suas posições cambiais apontam para a apreciação do real. O que pode ser feito? Primeiro, manter a calma. E segundo, sugere Nehme, o governo “blindar” um pouco mais o país contra a extravagância de especuladores no mercado de derivativos e na Bovespa. O que deve preocupar Os problemas de fundo da economia nacional, a bolsa e o dólar nem de longe tangenciam. O fiscal é o mais sério, mas não de solvência e sim de qualidade do gasto. Para o aplicador em papéis do Tesouro, tanto faz se a dívida pública estiver controlada, os juros forem atraentes, e a inflação, dominada. Por tal critério, o Brasil está melhor que os EUA e a Europa. Não há riscos. O risco que há é contra nós, brasileiros, caso o dinheiro público continue a fluir para gastos ociosos, como tem ocorrido nesta reta final do governo Lula. O crescimento movido à demanda é um beco sem saída, o que já levou o governo a falar em controle fiscal. E, sem poupança interna, a outra face do problema, o ciclo de investimento se esgota em 2011. ] |
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