terça-feira, maio 11, 2010

MÍRIAM LEITÃO

O superpacote 
Miriam Leitão 

O Globo - 11/05/2010

O superpacote europeu tem vários significados.

A Europa assumiu que não era uma crise grega, mas europeia; criou um mecanismo novo, o fundo de estabilização monetária, que será decisivo na solução do problema; admitiu que vários países como Espanha, Portugal, Irlanda e até Itália poderiam sofrer as mesmas turbulências. Pela primeira vez, a Europa viu o tamanho da crise.

O valor que chega a quase US$ 1 trilhão pode acabar tendo que ser ampliado. E mais: outros desdobramentos podem ser inevitáveis, como, por exemplo uma reestruturação da dívida grega.

Os gregos precisam se comprometer publicamente com o ajuste nas contas, mas agora terão reforços.

Como nos piores momentos da crise que começou no final de 2008, a agenda econômica da semana começou no domingo. Líderes europeus passaram 14 horas reunidos para dar uma resposta rápida e forte antes da abertura das bolsas asiáticas. A entrevista de explicação oficial do pacote acabou acontecendo de madrugada, em Bruxelas. Diante de respostas meio vagas, um jornalista se aborreceu e lembrou aos representantes europeus que já eram quase três da manhã.

Esse volume todo de dinheiro não será transferido para os governos. O fundo de estabilização será uma espécie de fiador. Os países continuarão indo a mercado para rolar suas dívidas, mas o fundo de estabilização vai garantir que eles tenham uma segunda opção de captação.

A ideia é que isso reduza a taxa de risco e eles possam captar a juros menores.

Essa pode ser uma fórmula também para contornar limitações de se financiar países que estão com déficits acima do limite do Tratado de Maastricht. A Alemanha, por exemplo, tem essa limitação.

Pôr dinheiro num fundo de estabilização é bem mais palatável politicamente do que emprestar para um país com risco de default. Da mesma forma, receber de um fundo é bem mais palatável politicamente do que de um país, ou um conjunto de países. Mesmo assim, os parlamentos dos países terão que ser ouvidos.

Se o prometido no fim de semana demorar a se tornar realidade, certamente os mercados passarão por outros momentos de volatilidade.

Ontem foi dia de festa, mas a tendência pode se inverter.

Há um longo caminho até que se encontre soluções definitivas para a grave crise fiscal da Europa. Depois que o cabo da tormenta for contornado, ainda será necessário um longo tempo para os países digerirem os déficits.

Isso significa que a Europa pode passar anos crescendo pouco ou não crescendo.

O economista Armando Castelar, do Gávea investimentos, acha que o pacote está bem dimensionado, mas que a solução não será trivial: — Existe espaço para ruído por conta dos detalhes e da aprovação do crédito nos 16 parlamentos. Não será trivial. A própria concessão dos créditos virá ligada a condicionalidades impostas pelo FMI.

Há vários dilemas no caminho.

O Banco Central Europeu antes estava se recusando a comprar títulos de países com problemas, mas isso acabava sendo o mesmo que condená-los, o que afetaria todo o sistema.

Agora, decidiu-se que ele vai comprar esses títulos, mas aí cai em outra contradição, como diz o economista Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio (CNC): — O BCE será obrigado a cobrar a mesma taxa de juros de todos os países da Zona do Euro, o que vai significar subsidiar os países que hoje estão mal. Vai usar a via monetária para resolver um problema essencialmente fiscal.

O professor José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, e da PUC-Rio, acha que a dúvida é de novo se o excesso de ajuda não acabará retardando os ajustes necessários nas economias encrencadas: — O mercado já não comprava os títulos de alguns países, e o que a Europa fez foi dizer que está disposta a financiá-los por dois a três anos. Mas no médio prazo a dúvida que fica é se eles terão vontade política para fazer os ajustes. Prometer é uma coisa, fazer é outra. E isso será colocado em prática num momento de crescimento baixo.

De qualquer maneira, vários economistas acham que não está afastado o risco de reestruturação da dívida grega. Eles preferem falar essa palavra do que a outra, temida: “calote”. A escolha não é apenas semântica.

Acham que há uma chance de uma negociação com os credores, processo mais bem representado pela palavra “reestruturação” do que por “calote”. De qualquer maneira, só há a chance dessa solução menos traumática depois do último fim de semana.

— Caiu a ficha de que existe uma falha fenomenal na Zona do Euro. A criação desse fundo de estabilização pode ser o embrião de um fundo monetário europeu, que funcionará nos moldes do FMI. A reestruturação da dívida grega continua inevitável, mas ela poderá ser feita agora ao longo do tempo e não de forma abrupta — diz Monica de Bolle, da consultoria Galanto.

O pacote afasta o maior medo do mercado que é o de começar tudo de novo, com mais uma rodada da mesma crise. Mesmo assim, as dúvidas continuam. Os países que já estão com déficit terão que aumentar seus gastos para socorrer os outros governos. A conta dos países mais encrencados pode não ser paga à vista, mas será paga a prazo, através do baixo crescimento.

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