terça-feira, maio 11, 2010

BRASIL S/A

Gorilas na sala
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 11/05/10

Europa multiplica o socorro aos países do euro, mas há duvidas se a crise será enjaulada


A Europa está com um gorila na sala vestido para combinar com as cortinas noutra tentativa de torná-lo invisível para quem quiser ser enganado, mas ele está lá, e poderá tornar-se mais ameaçador.

A bancarrota da Grécia foi um de seus urros. Depois de meses sem solução para sua agonia, explicitada quando o novo governo grego anunciou em outubro do ano passado que o deficit público, em vez de 5% do PIB, como até então divulgava, era de quase 13%, a Alemanha, a França e outros condutores da União Europeia (UE) juntaram-se ao Fundo Monetário Internacional para garantir os pagamentos das dívidas da Grécia até 2012.

O pacote começou com 20 bilhões de euros. Passou para 45 bilhões de euros e, na semana passada, foi fechado em 110 bilhões de euros, com o FMI assumindo 30 bilhões de euros do total. Os detalhes foram ultimados na sexta-feira.

Mas o tamanho da necessidade de funding fiscal e externo da Grécia continua incerto, razão pela qual os líderes da UE que se opunham à entrada do Fundo em problemas da Europa engoliram o orgulho. Duvidoso é que estejam de olhos abertos.

No fim de semana, a UE reconheceu que desdenhava a gravidade da situação e contrariou também a negativa do Banco Central Europeu (BCE) em recomprar papéis de dívida privada tornados ilíquidos em razão da virtual insolvência seriada dos países sócios do euro. É uma lista que começa pela Grécia e continua com Portugal, Espanha, Irlanda e até a Itália, uma das locomotivas da comunidade.

A crise da Grécia transbordou para outros países da Zona do Euro, e a rede de defesa da moeda, condição para os mercados financiarem os deficits e dívidas soberanas da região, teria de ser bem maior.

Os mercados financeiros abriram a semana com a notícia de que vão dispor de mais 750 bilhões de euros, equivalentes a quase US$ 1 trilhão, adicionais aos 110 bilhões de euros anunciados para a Grécia. É muito, e sem garantia de que, dessa vez, o gorila sai da sala direto para uma jaula no jardim zoológico onde já se exibiam os animais do mercado desregrado. Falta enjaular os espécimes do Estado irresponsável.

Se, a cada urro dos mercados com o tamanho do deficit fiscal e da dívida soberana dos países, os governos respondem com mais dívida, contratada até pelos rotos, como Portugal, forçados pela UE a dar sua contribuição à operação de resgate da esfarrapada Grécia, não há solução à vista, conforme análise precisa do blog Sudden Debt.

O euro copia o dólar
De onde virá o dinheiro do novo pacote europeu? Do mesmo lugar de onde vieram os 110 bilhões de euros para a Grécia: da emissão de papelote de dívida pelos 16 países associados ao euro e do sofisma lançado pelo Federal Reserve após a debacle de Wall Street e copiado pelo BCE. Trata-se da tal “flexibilização quantitativa”, o neologismo técnico para a emissão de dinheiro sem lastro. Isto é, inflação.

Mas quem hoje se importa? As bolsas mundo afora dispararam com a “boa nova” dos europeus. Até o preço da dívida da Grécia melhorou.

Mais dívida resolve?
A banca e os fundos que investem em moeda e em papéis de dívida soberana tiveram o que queriam: a garantia de que os ativos podres dos países-problemas não vão virar pó. Foi o que já haviam obtido na primeira rodada da crise aberta pela quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008: a encampação dos ativos podres que carregavam em carteira. Os Estados nacionais, boa parte com orçamento fiscal em frangalhos, se endividaram ainda mais para salvar o seu sistema financeiro — o fizeram emitindo dívida, essa mesma que a Europa vai ampliar para tentar impedir a bancarrota da região. O problema é a overdose de dívida. E eles a tratam com mais dívida. Vai dar caca.

O problema vai piorar
O economista David Rosenberg, da Gluskin Sheff, do Canadá, faz um comentário pertinente em sua análise diária, ao questionar como as agências de risco reagirão ao novo pacote europeu. As três grandes do ramo, Standard & Poor’s, Moodys e Fitch, rebaixaram as notas de crédito de Grécia, Portugal e Espanha ao nível de “junk bonds”, de alto risco. “Se a UE empresta dinheiro para a Grécia ou a qualquer outro país-problema da região, as relações de dívida, incluindo os passivos contingentes, só vão aumentar”, diz ele. Ou seja, piorar. O gorila pode até parecer inofensivo, mas continuará na sala.

As forças indomáveis
Nos momentos de pânico, ninguém ousa as perguntas inconvenientes. A mais ostensiva é a que trata da viabilidade dos cortes de gastos e do aumento de impostos exigidos pela UE e FMI aos países da Zona do Euro como condição para serem socorridos. Como a Espanha, com taxa de desemprego de 20%, atenderá tais condições? E a Grécia, onde mais da metade da renda é paga pelo Estado? Tais planos atendem a falta de liquidez e omitem o problema fiscal e as sequelas sociais.

Não há outra solução nos termos do socorro ensaiado pela UE tanto quanto é certo que, sem crescimento econômico, os países mais fracos da Europa tendem à estagnação perene. É difícil, em tal cenário, que a recessão possa resolver os problemas fiscais. E é mais difícil supor que a opulência da Alemanha ou da França possa conviver com tal panorama sem implicar instabilidade política e abalos ao euro.

A conclusão é que só se ganhou tempo para o desfecho inevitável: uma ampla renegociação de dívidas soberanas, com perda partilhada com os credores. O gorila parece domado, mas continua na sala. E é sabido que gorilas, tal qual o mercado, não se deixam domesticar.

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