Jogada de efeito
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 16/05/10
Bolsa-Bola proposta por Lula à véspera da Copa e das eleições é como gol feito com a mão
O trabalhador que acorda às 4 da manhã e toma três conduções para entrar no trabalho às 8, o plantonista que faz turnos de 24 horas, porque há pouco médico para muito paciente, e os campeões do mundo das Copas de 1958, 1962 e 1970 têm algo em comum: eles são heróis.
Uns receberam medalhas pelas suas conquistas, fama e respeito da multidão de heróis anônimos da suada maratona pela sobrevivência diária e nem por isso são premiados pelo Estado com transportes de qualidade, segurança eficiente e saúde e educação superiores.
O presidente Lula agora propôs premiar com R$ 100 mil os craques das Copas de um tempo, ele deve achar, em que o futebol não criava milionários. Além disso, propõe uma pensão de até R$ 3,4 mil para eles ou seus descendentes. O projeto foi enviado ao Congresso.
Em ano de eleições, tem toda chance de ser aprovado, além de não implicar um grande desembolso. A questão não é monetária. Ela é de princípios. A lógica que move o projeto parece utilitária: por que agora, véspera de outra Copa e de campanha eleitoral, e não antes?
Lula adora futebol, como os brasileiros em geral, e este escriba não foge à regra. Mas daí à premiação seletiva há “considerandos” adicionais além da bola em jogo. Todos os campeões ou familiares devem receber a pensão universal do INSS. Futebol é uma profissão.
Medalha no peito, além disso, não confere a ninguém privilégios na relação com o Estado. Da fila de atendimento em hospital do SUS à obediência aos sinais de trânsito não se abre exceção.
Mas vá lá que se queira honrar quem defendeu as cores nacionais e saiu vencedor. Os pracinhas que lutaram na 2ª Guerra mereceram uma pensão especial, ainda que depois de muita luta — esta inglória —, para serem lembrados. Os jogadores das Seleções derrotadas também não merecem a vergonha do esquecimento. Frustraram-nos muito com a perda, mas suaram a camisa. Infelizmente, outros jogaram melhor.
Vencer é uma circunstância até mesmo casuística. Competir é que é a grande arte, o que já faz vencedor os que ousam só participar.
Essa é a grande lição, e o simbolismo que o projeto do presidente deveria passar à sociedade, conforme o ideal do fundador do Comitê Olímpico, o barão Pierre de Coubertin, segundo o qual o essencial não é vencer, mas competir, assim como na vida não é o triunfo que importa, mas a luta para viver. O Bolsa-Bola é bola fora para a ética maior dos esportes, tanto faz se profissional ou amador.
Decisão de chuteiras
Parece pieguice falar de ideais quando se expõe Dunga à execração por não ter chamado os meninos do Santos — por sinal, minha paixão desde antes de Pelé —, mas torcida e exemplo público não combinam.
Quem propõe premiar nossos antigos craques é o presidente, não o torcedor. Este decide calçando chuteiras. O outro, com a faixa do poder trançada no peito, o que o põe acima até de seu partido.
Se atentasse para a diferença, seria poupado da crítica da campeã olímpica de salto em distância, Maurren Maggi, que estranhou o tal Bolsa-Bola não se aplicar a atletas olímpicos. “Outros atletas que ganharam medalhas, os mais antigos mesmo, passam por necessidade”, disse ela. “Seria legal ver um reconhecimento.” Faz todo sentido.
JK deu emprego público
Se o reconhecimento vale para uns, que valha para todos. E que se distinga, como fez o jornalista Carlos Brickmann, cada caso. “Há jogadores, como Moacir, reserva de Didi em 1958, que estão doentes e ficaram pobres”, diz. “E há Pelé, Zagallo, Tostão, Leão, Gerson, Rivelino, Dino, Zito, Carlos Alberto e tantos outros que não estão propriamente mal de vida.” Tostão e Pelé recusaram.
“Todos os astros da Seleção eram profissionais: recebiam salários e prêmios para jogar”, ele lembra. E mais: o presidente Juscelino Kubitschek, em 1958, lhes ofereceu um emprego público. “Também era um absurdo”, diz. Só Zagalo se apresentou (hoje está aposentado).
Princípio que importa
Se a Seleção de Dunga voltar com a taça, os políticos vão arrumar um jeito de a usarem a seu favor. Em 1970, o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, presenteou com um Fusca os campeões. A Justiça o condenou anos depois a ressarcir a cidade. A política não pode, conforme o espírito da sentença, usufruir o que não lhe pertence.
Esse é o princípio. Parece antipático. Mas é o que permite gerir o Estado com impessoalidade e equilíbrio, valores muitas vezes não considerados neste outro tipo de competição, a eleitoral. É quando o vale tudo prevalece à falta de quem aplique cartão vermelho. Não é a mixaria aos craques que inquieta, é o processo que ele oculta.
Zapatero é muito vivo
A súbita disposição da União Europeia em reabrir negociações pelo acordo de livre comércio com o Mercosul envolve interesses que vão além da necessidade de a Europa aumentar as exportações para sair de sua maior crise desde a criação do euro. O primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, é seu maior entusiasta. A Espanha tem grandes investimentos na América Latina, mas é aqui que empresas e bancos do país tiram boa parte do lucro hoje escasso na Europa.
Zapatero recebe o presidente Lula nesta terça-feira, na abertura da cúpula da Europa com América Latina. Empresários que também vão a Madri acham que ele vai falar sobre a oferta da Telefónica pela fatia na Vivo da Portugal Telecom, que a rejeitou. Lula nada tem a ver com isso, um negócio privado, salvo alguma linha cruzada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário