Bomba de nêutrons
Alon Feuerwerker |
Correio Braziliense - 25/02/2010 |
Mas não. A imagem espelhada da desgraça de uns não aparece como a ambição de outros, vem como prudência. Excessiva até. Ao menos para consumo externo. O governador está preso, o vice renunciou, o noticiário anda impregnado da palavra “intervenção”. Diante do quadro, os políticos restantes de Brasília dividem-se em duas categorias: os espectadores e os comentaristas. No frigir dos ovos, ninguém está dando a cara a tapa. Apertem os cintos, porque os candidatos a líder sumiram. Além do caos produzido pelo situacionismo, esse é outro vetor que alimenta as especulações em torno da intervenção federal. A parte do sistema político brasiliense que ainda não necrosou está paralisada. Dá a impressão de temer algo. O quê exatamente? Desde o início da crise, ainda no ano passado, estava claro que as revelações tinham potencial para levar à morte boa parte do tecido político do “quadradinho”. Houve em seguida a época da calmaria, quando o jogo de perde-perde entre o Buriti e a Câmara Legislativa desenhava-se para ser um esperto ganha-ganha. Como estavam todos enrolados, todos sobreviveriam. Tratar-se-ia apenas de aproveitar as chicanas jurídicas para vencer a corrida contra o relógio neste último ano dos quatro regulamentares. Era um equilíbrio em si instável, pois ninguém parecia ter boas ideias para atacar a questão-chave: a legitimidade. Nas sociedades democráticas, toda vez que se faz um cálculo político é preciso saber também o que pensa sua excelência, o eleitor. Até por haver entre nós mecanismos independentes de defesa da coletividade. Por exemplo, o Ministério Público. As revelações mais recentes, que levaram à prisão do governador, vieram desequilibrar novamente o jogo, reabrindo as possibilidades políticas dos que ao longo dos anos costumavam perfilar-se como alternativa a tudo. Mas a montanha está a parir o rato. Parece que uma bomba de nêutrons, a que extermina os seres vivos e preserva os edifícios, estourou sobre a política da capital federal. Esquerdos humanos Quando governos se metem a patrocinadores de cruzadas morais, o risco de desmoralização é latente. A administração Luiz Inácio Lula da Silva vem de criar um bafafá com o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que pretende ditar regras sobre tudo e para todos, transformando os atuais ocupantes do Executivo em juízes da moralidade. Mas Lula, sempre tão sortudo, desta vez deu azar. Poucas semanas depois da polêmica aberta com o PNDH, eis que nosso presidente visita Cuba nos dias da morte, por greve de fome, de um assim chamado “preso de consciência” cubano. O termo designa o sujeito que está detido só pelo que pensa — e por tentar colocar em prática suas ideias sem recorrer à violência. Claro que Lula não vai se meter nos negócios internos da ilha caribenha, afinal o Brasil respeita a soberania das demais nações e não tem a vocação de ditar regras. A não ser quando interessa. Como em Honduras, alvo de diretrizes imperiais emanadas do governo brasileiro sobre como, por que, em que ritmo e rumo a que objetivos os hondurenhos devem tocar seu processo político. Talvez estejamos diante de uma releitura do célebre bordão malufista: direitos humanos sim, mas para os humanos direitos. No caso específico, para os humanos esquerdos. Categoria generosa que, em último caso, pode abrigar todos os amigos e companheiros de viagem. Terá gás? Era mesmo um exagero convocar Dilma Rousseff para falar do PNDH no Senado. Sobre o assunto e seus detalhes, qualquer jornalista pode fazer as perguntas necessárias, se julgar conveniente. Mas é bom e democrático que o ministro da área explique a coisa toda na Câmara Alta. Resta saber se desta vez a oposição vai se preparar adequadamente para duelar no mérito. Um terreno em que ela costuma perder gás rapidinho |
Nenhum comentário:
Postar um comentário