Tem razão o ministro Guido Mantega, da Fazenda. Ele teria dito, sobre a nossa economia, no Fórum Econômico Mundial de Davos, na semana passada, que "a preocupação, no Brasil, é se vamos crescer demais, ou não".
Mas isso nem deveria ser uma preocupação. Por que, então, qualificar de preocupação uma dúvida tão positiva, entre o bom e o melhor?
A questão já tem sido explicada por inúmeros economistas aos mortais comuns, como nós, e consiste no seguinte, em resumo: existe uma taxa de crescimento econômico que seria a ideal, situada na fronteira onde começa a pressão inflacionária. Ou seja, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre desenvolvimento econômico saudável - com bom nível de atividade industrial, agrícola, de serviços, de criação de empregos, de melhoria da renda, de geração continuada de perspectivas favoráveis - e crescimento econômico descontrolado. O motivo é que esse último granjeia aplausos, suscita entusiasmo, mas é de curta duração. Logo a inflação se encarrega de entrar no palco e estragar o show, derrubando as expectativas dos empresários/investidores e, pior que isso, destruindo a confiança da população num futuro melhor.
O Brasil já passou por algumas fases de crescimento econômico pujante, seguidas de tormentos financeiros e esperanças frustradas.
Na segunda metade dos anos 50 tivemos anos de vacas gordas, principalmente no governo Juscelino Kubitschek, com efusivas demonstrações de confiança no futuro do Brasil, os "anos dourados", que desaguaram em grandes percalços econômico-financeiros ao longo dos governos Jânio Quadros e João Goulart. E quem pode afirmar que aqueles percalços não tiveram papel importante - talvez decisivo - no fracasso administrativo daqueles dois governos e na subsequente eclosão do autoritarismo militar que duraria mais de 20 anos? Foi apenas a alegada "ameaça comunista" que deu aos militares o suporte popular para apearem Jango do poder? O descalabro das contas fiscais, da inflação interna e da dívida externa não puseram o povo a favor deles?
Também no regime militar teríamos o famoso período do "milagre econômico", que, depois, em razão de sacolejos imprevistos da economia mundial, nos lançou na chamada década perdida dos anos 80, ao longo dos quais proliferou uma inflação feroz e planos de controlá-la ainda mais ferozes e perturbadores.
Mas, agora, deixando de lado paixões políticas e preferências eleitorais, que sempre turvam qualquer olhar crítico e qualquer análise, reconheçamos, todos - lulistas, petistas, fernandistas, tucanos, comunistas, socialistas, direitistas e que outros espécimes se nomeiem da variada fauna política nacional -, o fato indiscutível é que o Brasil navega, há mais ou menos 15 anos, em águas muito menos revoltas do que as do passado, no que diz respeito ao andamento da sua economia e, principalmente, da maneira de administrar a sua economia. Desde 1994, quando o presidente Itamar Franco, inspiradamente, aceitou aprovar e apoiar uma ideia aparentemente tresloucada, de pôr em andamento um plano em que o primeiro passo era uma moeda virtual - imaginem, que ninguém iria receber (!) - chamada URV, gestadora do real.
De lá para cá, a economia brasileira não cresceu só internamente, de maneira razoavelmente regular, sem trancos e barrancos, como o respeito por ela também cresceu no plano internacional, uma vez que - assim pensam nossos parceiros internacionais - a administração brasileira se tornou bastante responsável. Essa combinação providencial e já mais ou menos duradoura de sucesso no terreno do crescimento econômico saudável, com exemplos visíveis de responsabilidade governamental proativa e crescente (coisa que o governo da Argentina, por exemplo, não tem condições de exibir, nem o de Hugo Chávez), está dando ao Brasil aquela longamente almejada carteirinha de país confiável, necessária para sentar à mesa dos "players" decisivos.
Mas não exageremos na avaliação. A carteirinha de país "ponta-firme" é muito recente e pode ser provisória. Tudo depende da continuidade dos bons procedimentos e da perseverança na cartilha da boa governança. "Continuidade, para nós, é avançar" - teria dito este poço de sabedoria que se chama Dilma Rousseff. Depende. Avançar para onde? E com que objetivo? Poder-se-ia cobrar dela uma definição precisa - que ela não daria porque arriscaria perder votos.
O avanço que o Brasil tem de dar é na direção de consolidar sua imagem ponta-firme. Não tem sentido o mundo ocidental estar apostando na China - um país com um governo ditatorial, atrabiliário e nada confiável, com tradições culturais milenares, mas estranhas para nós, e uma língua impenetrável - e muito menos no Brasil. Por que isso acontece? É preciso pensar um pouco e tentar avaliar a raiz desse fato. Temos tantos politólogos, sociólogos e culturólogos palpitando na imprensa que bem poderiam investigar esse mistério.
Para mim, a explicação é simples: o governo da China não inventa nada, funciona by the book e fornece aos investidores ocidentais o que eles mais apreciam: segurança de regras. O do Brasil vive inventando regras. Mudando até as dele mesmo.
Então, voltando ao início, a preocupação não é se "vamos crescer demais, ou não", como dizia Mantega. A preocupação é saber o que este governo fará se a economia crescer perigosamente, a ponto de gerar inflação. A regra do manual é clara: aumentam-se os juros, restringe-se o crédito, reduzem-se os gastos públicos, elevam-se os impostos. Em suma, mete-se o pé no freio do consumo e da economia.
Portanto, a verdadeira dúvida é: esse governo demagógico, num ano eleitoral decisivo para o futuro do seu partido, vai fazer isso?
*Marco Antonio Rocha é jornalista |
Nenhum comentário:
Postar um comentário