EUA, Grécia e China têm sido os temas frequentes no noticiário econômico. Nos três casos, a questão de fundo é a mesma: as dificuldades da recuperação. Tirante isso, o resto é tudo diferente.
Nos EUA, na Grécia e na União Europeia (UE) em geral, o problema é a fragilidade do crescimento pós-crise. Já na China, é o contrário: o excesso de crescimento. Barack Obama anunciou na semana passada planos para estimular a criação de empregos. O governo chinês tomou medidas concretas - como alta de juros e cortes na concessão de crédito - para desacelerar produção, vendas no varejo e, sobretudo, compras de casas. Logo, vai gerar menos empregos do que cria no momento.
Aí o pessoal diz: se a China vai crescer menos, vai importar menos, e isso prejudica empresas que exportam para lá, entre as quais se incluem a Vale e a Petrobrás. Assim, caem as bolsas.
Entretanto, vai-se ver o tamanho do estrago chinês - e não é para isso tudo. Antes da crise, a China estava crescendo até 12% ao ano, ritmo já considerado excessivo. Veio o tsunami e fez o serviço sujo de desacelerar a máquina de Beijing.
Passou da conta e a economia chinesa caiu para um ritmo de expansão abaixo dos 8% ao ano - que é, segundo o governo local, o nível mínimo necessário para criar os empregos para os milhões de pessoas que se apresentam anualmente no mercado de trabalho urbano e industrializado. Em resposta, o governo lançou um programa de gastos em obras e determinou aos bancos estatais que abrissem os cofres para empréstimos a pessoas e empresas. Funcionou tanto, que, no final de 2009, a China voltara a crescer acima dos 10%, perto do superaquecimento, com ameaça de inflação e de bolhas financeiras.
Daí o programa de desaceleração anunciado neste início de ano e que assustou as bolsas pelo mundo afora, especialmente nos países emergentes, como o Brasil, que exportam muito para a China.
Mas convém reparar: vai desacelerar de 10,5% para 9% ao ano. E isso se eles conseguirem, o que não é fácil numa sociedade ávida por emprego, renda e consumo.
Exemplo: no ano passado, os chineses compraram 13,4 milhões de carros, uma expansão extraordinária, em boa parte por causa dos estímulos pós-crise - subsídios, crédito e redução de impostos. (Aliás, reparem, redução de imposto sobre venda de 10% para 5%, isso para carros com motor 1.6 ou menos. Agora, o imposto subiu para 7,5%. Mas mesmo o teto anterior, os 10%, seria uma mixaria aqui no Brasil.)
Para este ano, espera-se um mercado de 15 milhões de automóveis, com uma expansão entre 10% e 15%, que eles lá estão chamando de "mais moderada". Em resumo: a China, se for um problema, é um bom problema.
Já a Grécia é encrenca ruim. O déficit nas contas públicas ultrapassou os 12% do Produto Interno Bruto (PIB). Para comparar: as regras da União Europeia estabelecem que esse déficit não pode ser superior a 3%.
A receita é aumento de impostos e corte de gastos, mas como fazer isso numa recessão, quando as pessoas estão mais pobres, as empresas faturando menos e boa parte da população demandando mais serviço público?
O governo já anunciou planos de austeridade, mas a credibilidade é baixa por causa de um passado de calotes e populismos.
Por outro lado, a Grécia está na União Europeia e, nesta, faz parte dos países que usam a moeda comum, o euro. Não seria do interesse da UE e do Banco Central Europeu deixar que um de seus membros caísse num colapso fiscal. Mas por que os demais governos, que já não navegam num mar de rosas, gastariam dinheiro de seus contribuintes para auxiliar uma administração desastrada?
O leitor e a leitora podem argumentar: não deve ser tão feio o estrago eventualmente causado pelo colapso de um país de menos de 11 milhões de habitantes, com um PIB em torno dos US$ 340 bilhões, menos de um quarto do PIB brasileiro.
Faz sentido. Mas, se a Europa não salva a Grécia, salvaria Irlanda, Espanha, Portugal e outros que sofrem problemas semelhantes, embora, ainda, menores? Ou seja, a questão é como a União Europeia vai lidar com déficits e dívidas públicas, sem atrapalhar a frágil recuperação econômica.
De todo modo, a Grécia já está pagando mais caro para se financiar. Títulos do governo grego estão pagando quase 7% de juros.
Já os títulos semelhantes do Tesouro americano pagam pouco mais de 2%. E o déficit público nos EUA chegou ao impressionante número de US$ 1,4 trilhão no ano passado. Impressiona pelo volume - reparem, o rombo é igual ao tamanho do PIB brasileiro - e pela proporção, equivalente a 10% do PIB americano. Mais ainda: para este ano, a previsão nos EUA é de um déficit nos mesmos níveis.
Pelos números, os EUA estão tão quebrados quanto a Grécia. E muito mais quebrados do que a Alemanha, por exemplo, com um déficit de 3,2% do PIB, e do que o Brasil - isso mesmo -, cujo déficit é inferior aos 3%.
E, entretanto, o governo brasileiro, quando coloca papéis lá fora, tem de pagar mais juros do que o Tesouro americano (estamos pagando algo como 4,5% em títulos de dez anos). O governo alemão paga um pouquinho mais que Washington, mesmo tendo situação fiscal muito superior.
O que explica isso?
Credibilidade. A estabilidade das regras nos EUA se conta por século. Mais de cem anos sem calote, sem ruptura dos contratos.
É por isso que, a todo momento de estresse no mercado financeiro, mesmo com a crise tendo seu epicentro nos EUA, o pessoal compra dólares para adquirir títulos do governo americano.
Ou seja, todo o mundo acredita quando Obama diz que vai cuidar do déficit mais à frente, quando a crise tiver passado.
O Brasil tem apenas uns 15 anos de estabilidade sem calotes. Mas já desfruta de vantagens da credibilidade. Eis uma lição a ser notada.
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