sexta-feira, fevereiro 19, 2010

BARBARA GANCIA

Kassab que horas são?

FOLHA DE SÃO PAULO - 19/02/10

Para que renovar os relógios digitais da cidade de uma vez só, se eles poderão morrer afogados no próximo verão?

A CHUVARADA da tarde da Quarta-Feira de Cinzas levou o Carnaval na enxurrada e mundificou o que todo mundo já percebeu: São Paulo está arriada e não aguenta mais o castigo imposto pelas tempestades de verão.
Os sacos de lixo nadando no meio de avenidas que nunca antes transbordaram, as garrafas PET navegando por calçadas com mais de um metro de água e a montanha de papel esgarçado que sobra depois do estrago feito fazem parte de um espetáculo inaceitável.
Como é possível tratar como ocorrência normal a inundação do túnel da av. Dr. Arnaldo, que está localizado no cocuruto da cidade? Essa desordem demanda uma ação conjunta entre a prefeitura e o governo do Estado. Não dá mais para esperar passivamente o verão passar ou contar com a falta de memória do eleitor porque eleições ocorrem em época de tempo seco.
É preciso urgentemente que se crie uma empresa de gestão de drenagem que passe a agir prevenindo as calamidades que estamos vivendo neste verão. Um órgão que cuide o ano todo de desentupir bueiros, limpar córregos e piscinões e até orientar reassentamentos.
Mas, em vez de estabelecer metas de longo prazo para problemas reais e graves como esse, a atual administração municipal de São Paulo, que já está aí desde outros Carnavais, se preocupa neste momento com a concorrência milionária de relógios digitais de rua.
Veja só: a empresa que vencer a tal licitação vai explorar comercialmente a propaganda em mil relógios e em até 9.600 abrigos de pontos de ônibus. A concorrência irá envolver, diz a Folha, negócios de quase R$ 2,5 bilhões.
A prefeitura pode vir com a conversa mole que quiser, alegando que a licitação já estava prevista na Lei Cidade Limpa. Mas eu gostaria de saber o seguinte: precisamos mesmo trocar os atuais relógios, avaliados em R$ 10 mil cada, por modelos novos que irão custar R$ 50 mil por unidade? E quem são as empresas que estão concorrendo na megalicitação? O nobre leitor, por acaso, sabia que a prefeitura tinha a intenção de trocar de uma vez só essa Suíça inteira de relógios?
Alô, prefeito Kassab! No que me diz respeito, o senhor não precisa ficar aflito. Tenho celular e nunca dependi dos relógios espalhados pela cidade para saber as horas.
Outra coisa que eu gostaria de saber é por que raios uma só empresa sairá vencedora dessa concorrência e só ela poderá explorar comercialmente todos os pontos de ônibus e os relógios digitais da cidade. Isso não se chama monopólio?
Ninguém aqui está querendo inferir que todas as obras da cidade devam ser paralisadas para dar prioridade às enchentes. Não é isso. Se a gente fosse se preocupar apenas com coisas ditas importantes, estamos cansadas de saber, não se faria nada neste país, nem mesmo priorizar o básico.
Mas parece, no mínimo, planejamento de quinta categoria realizar uma superlicitação para renovar de uma vez só todos relógios da cidade -que poderão, diga-se, morrer afogados no próximo verão. Ou péssimo timing. Ou a esperteza de sempre ao apostar na nossa eterna paciência.

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