quinta-feira, janeiro 07, 2010

ROBERTO MACEDO

O Estado hipopótamo

O ESTADO DE SÃO PAULO - 07/01/10


Falando no dia 21 de dezembro numa reunião com empresários, o presidente Lula voltou a argumentar em defesa da alta carga tributária brasileira, que ele e outros membros de seu governo entendem como necessária à manutenção de um Estado forte. Insistiu em deixar claro que não se deve imaginar o País com uma carga tributária fraca.

Referindo-se a essa manifestação, um editorial deste jornal, do dia 25 do mesmo mês, ponderou que nosso presidente confunde Estado forte com a condição de gordo e pesado. Lembrando um ditado popular, tamanho não é documento, e isso vale também para avaliar a natureza do Estado. Esta envolve, entre outros aspectos, os serviços que presta e o uso que faz dos recursos de que dispõe.

Quanto a isso, o Estado brasileiro sai-se mal, pois de um modo geral está longe de ser eficaz na prestação de serviços. Tampouco é eficiente no uso dos muitos recursos que mobiliza com sua enorme carga tributária. Essa ineficiência é mais forte na esfera federal, já que conta com mais recursos tributários e não está sujeita às mesmas restrições de endividamento nem a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal que limitam a margem para gastança nas unidades da Federação e nos municípios.

Nessa linha, particularmente nessa dimensão federal, o Estado brasileiro costuma ser comparado a um elefante, dadas as suas proporções paquidérmicas. Essa comparação, contudo, não é adequada. O elefante é um animal dos mais nobres, podendo ser domesticado para prestar serviços como o transporte de pessoas e de mercadorias. E é obediente ao seu dono ou guia, o que não acontece com o Estado brasileiro, que muitas vezes não se põe a serviço do povo, mas o vê a seu serviço. Assim, a comparação é uma ofensa ao elefante.

Mais adequado é comparar o nosso Estado a um hipopótamo, um animal que esbanja gordura por todos os lados, além de não domesticável. Tipicamente, passa a maior parte do dia na água ou num lamaçal, saindo para pastar à noite. Aliás, esse lamaçal em torno dos hipopótamos também lembra características do Estado brasileiro, tais como as que vieram à tona em 2009 em Brasília, no Senado e no governo do Distrito Federal.

E mais: com sua enorme boca, que escancara a ponto de tapar-lhe a visão, o hipopótamo está em sintonia com o apetite voraz que o Estado brasileiro tem por tributos, o que levou à enorme carga tributária brasileira, ímpar se comparada à de países em estágio de desenvolvimento equivalente e mesmo à de outros já desenvolvidos.

Acrescente-se que, como selvagem e não administrável, o hipopótamo não é marcado pela responsabilidade ao transformar seus recursos em energia, e tampouco ao dispor dos resíduos de seu processo alimentar. Segundo a Wikipédia, executa esta última atividade girando a cauda para espalhá-los na maior área possível, com o objetivo de marcar território.

A dificuldade de os donos - em tese, o povo, no caso do Estado - lidarem com hipopótamos ficou evidente num episódio do qual soube pela mesma fonte. No final dos anos 1980, Pablo Escobar, o mais famoso traficante de drogas colombiano, morto em 1993, resolveu colocar quatro hipopótamos numa fazenda sua após comprá-los nos EUA. Depois que Escobar se foi, esses animais foram deixados nessa propriedade, dada a dificuldade de agarrá-los e movê-los. Acabaram se multiplicando por quatro e passaram a se banhar num rio próximo. No ano passado, três deles escaparam, atacaram pessoas e mataram gado. Um foi morto por caçadores autorizados pelas autoridades locais e parece que o grupo desses animais permanece como um inconveniente problema a resolver.

Assim, como o Estado brasileiro, os hipopótamos são difíceis de lidar e, deixados por conta própria, causam problemas complicados. Em particular, nosso Estado já evidencia estar tomado por maus instintos, em particular os da sua burocracia e os dos políticos, que colocam seus interesses acima dos interesses do povo a que deveriam servir.

A burocracia tem o seu próprio poder. Combinada com a irresponsabilidade dos políticos, e novamente com destaque na área federal, conseguiu impor à sociedade condições privilegiadas de previdência social e de remuneração, neste último caso contando com a complacência da gestão federal atual. A ineficiência revela-se claramente em setores como saúde, segurança e educação, e na baixa taxa de poupança e de investimento, em que pese a enorme carga tributária. Mesmo após o governo Lula acordar, ainda que sonolento, para a necessidade de ampliar investimentos, seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), enfrenta enormes dificuldades para avançar e cumprir seus objetivos e metas.

Voltando à comparação com animais, em lugar de mirar-se cada vez mais no hipopótamo, o governo Lula deveria inspirar-se em características de outro bicho, realmente mais adequadas e usadas até mesmo em modelos de gestão. Trata-se do cheetah ou guepardo, que lembra uma mistura de gato com leopardo. Pertence ao grupo dos grandes felinos. Saradão, é conhecido pela sua agilidade e rapidez, sendo considerado o animal terrestre que alcança maior velocidade. Em arrancadas de curta duração pode alcançar 110 km/h e acelerar de zero a 100 km/h em 3,5 segundos. Por isso mesmo inspirou uma metodologia administrativa conhecida como Cheetah Learning, desenvolvida por um instituto dos EUA e que leva a uma certificação em gestão de projetos.

Faço essa sugestão, mas sem ignorar seu risco, o de levar a uma inspiração limitada apenas ao lado gato do guepardo, mantidas as gorduras do hipopótamo e o projeto estatal de grandeza, moldando assim uma gorda gataria.

Roberto Macedo, economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo

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