Com ou sem abismo
O GLOBO - 07/01/10
Antes de Nabokov, não muitos tinham tentado a proeza. Graham Greene dividiu sua obra em duas categorias, os romances sérios, marcados pelos tormentos sobre pecado e remissão de um católico relapso e pelas suas preocupações políticas, e os que ele chamava de “divertimentos” e eram apenas isto, livros divertidos. Foi uma maneira de Greene escapar da rotulagem da crítica, e também de escapar do abismo. A verdadeira divisão da sua literatura é um pouco como a que divide as águas minerais, no caso “com abismo” ou “sem abismo”.
Woody Allen, em alguns dos seus filmes, tentou misturar humor e seriedade sem que uma coisa “corresse” nas outras como tintas numa aquarela. Mas – fora o fato de que o personagem Woody Allen é sempre um angustiado com a condição humana e portanto já caiu no abismo – ele prefere manter a separação. Comédia é comédia, mesmo que a maior piada de
todas seja que no fim a gente morre.
Já na literatura atual (ouço dizer, não tenho lido nada) tem muita gente seguindo a trilha nabokoviana, ou fazendo humor sem dispensar o abismo. Um pouco, imagino, porque, como tudo já foi feito em literatura, uma certa dose de paródia, mesmo não-intencional, é inevitável. E um pouco porque até os “divertimentos” mais descomprometidos agora precisem de um centro de gravidade (estão usando muito a palavra “gravitas”) para serem pelo menos, mais respeitáveis. O fato é que hoje quase todos que escrevem são equilibristas.
***
NOVIDADE
(Da série “Poesia numa hora destas?!”)
Queremos truques novos,
nada com cartas ou lenços
ou focas jogando bola.
Rápido:
um coelho
tire um mágico
da cartola!
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