quarta-feira, agosto 19, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Lina & Lula


O Globo - 19/08/2009

Sem agenda e sem data na memória, a ex-secretária Lina Vieira foi inabalável no Senado. Não provou o que disse, não retirou o que disse, não piscou. A base aliada usou métodos de interrogatório; a oposição quis tirar dela mais munição contra a ministra Dilma.

E ela, impassível. Deu uma lição quando explicou o que é carreira de Estado: “Os governos passam e nós ficamos e servimos ao país.”

Assim deveria ser sempre; nem sempre é assim. Mas por um minuto, enquanto a exsecretária explicava, com voz calma e segura, por que achara incabível o pedido da ministra Dilma — ou suposto pedido —, deu uma lição valiosa e já esquecida: — Incabível porque a Receita usa critérios objetivos e impessoais.

Era um caso pequeno e virou um grande caso pelas paixões eleitorais que floresceram precocemente. O México, quando o PRI era o único partido com chances de ganhar a Presidência, tinha o grotesco hábito do “dedaço”.

Com seu dedo poderoso, o presidente em exercício apontava quem seria o candidato do partido à Presidência.

Ninguém discutia. A escolha da ministra Dilma como candidata foi assim: um dedo apontado e bastou.

Talvez por esta aposta pessoal, o presidente Lula tenha dito o que disse na segundafeira.

Presidentes não desafiam ex-chefes de órgão de terceiro escalão. Porque quem está investido do cargo de presidente encarna o poder da Presidência. E esse poder não pode ser usado para constranger ou desafiar quem quer que seja. Fica um duelo desequilibrado, intimida.

O presidente Lula, no caso Lina Vieira & Dilma Rousseff, teve um comportamento institucional inadequado.

A ministra Dilma Rousseff disse que nada disso aconteceu.

A ex-secretária Lina Vieira disse que tudo isso aconteceu. Lina disse que a secretária-executiva da ministra, Erenice Guerra, foi ao seu gabinete e agendou um encontro no palácio com Dilma. Ela foi, encontrou a ministra enrolada num xale, falaram alguns minutos de amenidades, e Dilma teria dito para Lina “agilizar a investigação do filho do Sarney”. Pontos fracos de Lina: na sua agenda não consta esse encontro, nem ela se lembra o dia.

Fortalece a sua versão o fato de não ter nada a ganhar se chateando com uma sessão repetitiva, como a de ontem no Senado, em que foi alvo de um agressivo interrogatório e ficou no meio de um terreno minado por uma campanha eleitoral extemporânea.

Já a ministra Dilma tem muito a perder. Ela é candidata ao cargo mais importante da República. Ela garante que nunca pediu à chefe da Receita coisa alguma, nunca houve a tal reunião.

Mas se houve, a situação se complica. Dilma nunca tratou de questões específicas com Lina, nunca pediu por nenhum outro contribuinte, teria pedido apenas pelo processo do “filho do Sarney”.

Se isso aconteceu, a ministra estaria dando tratamento diferenciado a um específico contribuinte. Ponto forte de Dilma, a ser verdade a versão de Lina: ela pediu para “agilizar”, nada mais. Aliás, a Justiça tinha determinado a mesma coisa. Depois da conversa, segundo a própria Lina, Dilma nunca cobrou, nunca ligou para a secretária para saber o cumprimento do pedido.

É um caso simples e complexo.

Do lado da Dilma, porque se houve a reunião, é “uma tentativa de uso do poder para quebrar o principio da impessoalidade”, como disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Do lado de Lina, porque se ela achou que o pedido era uma tentativa de resolver o problema antes da eleição do Senado, como foi sua ilação à “Folha de S.Paulo”, ela deveria ter “representado contra a ministra Dilma e comunicado aos superiores, do contrário seria prevaricação”, como disse o senador Mercadante (PT-SP).

Na guerra entre o rochedo e o mar, na luta eleitoral antecipada, a ex-secretária da Receita poderia ter escapado por uma das várias portas que se abriram. O senador Romero Jucá (PMDB-RR) concluiu que era tudo então um grande mal entendido.

Ela poderia dizer que sim, e recolher-se. Mas ela pediu a palavra para responder: — Não foi um mal entendido.

O encontro houve e o pedido aconteceu.

A oposição quis usá-la, mas ela não caminhou um passo além. Os governistas atacaram furiosos, como Ideli Salvatti (PT-SC), que a acusou de mentir, e Aloizio Mercadante, de prevaricar. Mercadante perguntou quantas vezes ela tinha se encontrado com a ministra Dilma.

Duas ou três, ela disse. Ele então apresentou várias datas em que ela teria ido ao Planalto. Era uma forma de dizer que sua memória não era confiável. Ela, firme, separou o joio do trigo: naquelas datas ela fora para eventos públicos, com o presidente, junto com seu chefe.

O senador implicou com o fato de que ela se lembrava apenas do xale. “Achei o xale diferente.” Quis insinuar que ela sai dos governos criticando e disse que ela saiu do governo Garibaldi Alves criticando os incentivos fiscais.

“Eu sempre critiquei os incentivos fiscais.” Enfim, o que restou mesmo depois de tantas cascas de banana é a dúvida inicial: como ela não se lembra do dia, nem registrou na agenda um encontro que havia sido pedido dessa forma tão especial? A favor, fica o fato de ela repetir tão serenamente a sua história, mesmo diante do nervosismo do governo e do desafio do presidente da República.

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