quarta-feira, agosto 19, 2009

FERNANDO CALAZANS

De carne e osso

O GLOBO - 19/08/09

O garotinho alemão, lourinho, lourinho, estava no Estádio Olímpico de Berlim desde as provas eliminatórias dos 100m, com o rosto pintado com as cores da Jamaica. Não é qualquer equipe de qualquer modalidade esportiva, não é qualquer atleta, não é qualquer jogador, não é mesmo qualquer campeão e qualquer ídolo estrangeiro que consegue cativar um garotinho alemão.
Ou muitos e muitos garotinhos alemães. Ainda mais a ponto de levá-los ao estádio pintados com as cores de um país que não é o deles. Por sinal que nem os garotinhos alemães nem os garotinhos de qualquer país. O autor da proeza, o homem que encarnava as cores da Jamaica na pista, só podia mesmo ser Usain Bolt.
Essa manifestação de admiração começou muito antes da prova final. Agora vocês imaginem depois que Bolt deixou pra trás dois ilustres campeões como o americano Tyson Gay e o outro craque jamaicano, Asafa Powell.

Usain Bolt é um ser especial. Dizem os mais próximos que ele é marrento e que ele ao mesmo tempo é simpático. Assim de longe, não posso calcular a que ponto vai a marra do campeão, mas posso constatar ao menos que sua simpatia é contagiante. Contagia não só milhares de pessoas no estádio, como a garotada alemã, mas milhões de telespectadores ao redor do mundo. Não há quem se mantenha indiferente. Ele é especial fazendo (fingindo) cara séria, é especial sorrindo, dançando, gesticulando para a platéia. Além de grandíssimo atleta, é grande artista.
Seus gestos também falam. Nos últimos metros da prova, nas derradeiras passadas para estabelecer o recorde mundial, Usain Bolt deu uma rapidíssima olhadinha de esguelha para a direita, para ver a que distância andava Tyson Gay. Ciente de que a prova estava ganha — como ele sempre previu e jamais escondeu — Bolt deu outra olhadela, esta mais tranquila e demorada, para a esquerda, onde estava o placar eletrônico que cronometrava a prova. E assim cruzou a fita: olhando e saboreando o próprio recorde.
Mais tarde, nas entrevistas, Tyson Gay, com fisionomia bastante fechada, antipática até, disse que Bolt não é imbatível. E Tyson Gay está mais do que certo. Não existem seres humanos imbatíveis. Nenhum, nem Bolt. Seres humanos imbatíveis, só no plano da ficção, como... por exemplo... Bond, James Bond.
Bolt, Usain Bolt, não parece mas é real. É de carne e osso. Tão real, tão humano que, numa de suas inúmeras entrevistas depois de mais uma glória conquistada para ele e para a Jamaica, tentando esconder a emoção, mas não conseguindo, ele disse: — Estou orgulhoso de mim mesmo.
O garotinho de cara pintada e o mundo todo também estão orgulhosos de Usain Bolt.

Domingo, depois da derrota para o Coritiba, o técnico Renato Gaúcho usou mais de 10 vezes a palavra “atitude”. Na segunda-feira, nas Laranjeiras, o coordenador de futebol, Branco, e outros dirigentes usaram mil vezes a palavra “atitude”. Como se “atitude” é que estivesse faltando ao Fluminense e, por que não?, ao Flamengo, ao Botafogo...
Dá a entender que dirigentes, coordenadores e técnicos nada entendem de futebol. O que está faltando ao Fluminense (como a Flamengo, Botafogo...) não é atitude, o que está faltando é exatamente futebol.
E futebol não se pede ao jogador. Ele tem ou não tem. A vergonha do futebol do Rio não está nos jogadores, que são ruins. Está em quem os escolhe, quem os treina, quem os emprega.

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