terça-feira, agosto 18, 2009

ARNALDO JABOR

O universo é muito chato

O GLOBO - 18/08/09

Vamos combinar: o universo é chato pra cacete. Telescópios não param de olhar e só veem a mesma coisa: energia virando matéria e vice-versa, buracos negros, galáxias aos bilhões, explosões sem fim e nem uma colherzinha de chá de "sentido", nada. Quanto mais se procura, menos se acha. Isso acontece porque, por trás de "achar", há a ideia de que "algo" ele será. Ou seja, o universo não é o que é, mas sim outra coisa que não sabemos. Não dá nem para dizer "é", pois o que significa essa palavrinha? O universo não é redutível a um sentido. Ao pensar, com tempo e espaço, já estamos "criando" sentido, fazendo o mistério caber em nosso parco entendimento. Que significam nossas palavras e conceitos? São gemidos diante de algo inatingível, pois não há o que atingir. Kant é imbatível.

Hoje, estou "filosófico" porque fico olhando as galáxias de um livro que ganhei para esquecer os horrores da política dos micróbios que nos assolam. De um lado, a galáxia de 13 bilhões de anos-luz; do outro, os três porquinhos senadores. E, se Sarney é escritor, por que não posso ser filósofo? Pois li também (adoro) textos como o "universo elegante", sobre a teoria das cordas; não entendi nada, mas li também sobre Big Bang e Big Crunch e ouso dizer que acredito no Big Crunch. Agora, provou-se que o universo tem massa, mesmo no vácuo, pois ele é preenchido por "neutrinos", mínima partícula elementar que tem massa e pode atravessar "milhões de milhas de chumbo sem ser notado; ele deve ser a matéria escura que enche o universo todo", gemem os cientistas, cegos de tanta evidência misteriosa.

E foi então, senhores, que eu tive a iluminação: Big Crunch não é nome de sanduíche do McDonald’s. É o destino do universo.

Por segundos, entendi o infinito, como o personagem de Borges no "Aleph"!

Pois aqui vai, então, o sentido da vida. O neutrino é um dos tijolos do universo. O neutrino foi descoberto quando alguns cientistas viram perplexos que as partículas que emanavam de um material radiativo não voavam em todas as direções, sem rumo, mas seguiam uma trilha clara, numa direção dada, como se fossem desviados por algo. Esse algo só podia ser uma cama de partículas misteriosíssimas, a que se deu o nome de "neutrino". Se existe uma partícula com massa criando a matéria escura do universo, desfaz-se uma antiquíssima noção, que é a de "sim" e a de "não". Melhor dizendo, se os espaços siderais estão preenchidos, é sinal de que não há o "nada". Nada não há. A ideia de "nada" e de "tudo" é uma ideia de viventes. Como você vai morrer, o seu cérebro se programa para imaginar que "há" uma coisa e "não há" outra. De que há o "cheio" e o "vazio", de que há o vivo e o morto. Ideia de viventes. Muito bem, se a matéria escura está em tudo, há um aterrorizante "continuum" que nos liga a todos, os seres "em si" e os seres "para si" - coisas e homens. Pelo pouco que sei, acho que a pessoa que andou mais perto da verdade foi Spinoza com sua ideia de "substância" e depois Nietzsche, com a recusa a dar aos pensantes qualquer superioridade em relação a um rato ou uma pedra.
Se, com o neutrino, tudo está preenchido, deduz-se que o universo não está se expandindo na direção de um outro lugar. Não há "outro lugar". O universo está se expandindo em relação a si mesmo, para um dia chegar a si mesmo, se bem que não houve "ponto de partida", pois não houve "partida". O tal Big Bang faz parte simultaneamente do Big Crunch, o colapso do universo sobre si mesmo, recomeçando eternamente.

A filosofia moderna celebrou o fim do sujeito, mas agora estamos perto do fim do "objeto". Portanto, não há objeto porque só pode haver sujeito e objeto se houver intervalo, vazios, diferença. Não há.

Quando Descartes falou: "Penso, logo existo", estava dizendo: "Penso, logo penso que existo." Descartes estava apenas inventando o "sujeito", ou melhor, inventando o francês, aquele sujeito em dúvida com uma "baguete" de pão debaixo do braço.

Estamos todos mergulhados num caldo de cultura infinito, onde parece que boiamos; apenas "parece", pois somos também o caldo onde boiamos. A mosca e a sopa são a mesma coisa.
Mas a ciência acha que chegaremos a um fim, a uma espécie de "revelação", como se, seguindo a "estrada de tijolo amarelo" chegássemos a Deus ou, pelo menos, ao Mágico de Oz. A ciência vai colapsar sobre si mesma, como o universo. E não só não encontraremos ninguém, como tampouco o nada, porque o "nada" não há, nem "ninguém" não há.

Nada se definirá, nem energia nem matéria, pois são a mesma coisa, uma se bombeando para dentro da outra, numa trepada eterna de desmanches e recomposições. Assim, a física moderna tira-nos qualquer esperança de encontrarmos uma resposta, o que pode ser até o início de uma nova arte de ser.

Se não vamos chegar a nada, não temos de descobrir resposta para nada. Não porque Deus não "exista". Deus existe, sim; ou melhor, Deus existe, não como coisa a ser "atingida". Deus, senhores, é esse eterno oscilar (arghhh!) entre matéria e energia, entre os quarks mais remotos e as grandes galáxias. Há uma correspondência "ôntica" (perdão...) entre as estrelas e nosso sistema de vida e morte, de "sim" e "não". Nada "ex-iste", no sentido de estar fora de algo - ("ex-sistere" - estar em pé, do lado de fora) Fora de quê, saiu "de dentro" de onde?

Em verdade vos digo, ó raríssimos leitores, que Deus existe, mas não é pai. É tão órfão quanto nós, um Deus-matéria, órfão de si mesmo. A única coisa que nos resta é a grande paz da ausência de esperança. A razão humana devia parar de querer atingir um "futuro".

A razão tinha de ser um Big Crunch, mordendo o próprio rabo, voltada para dentro, para nós, os homens, para nosso prazer e saúde. Portanto, já que o Brasil político não anda, já que o PMDB teve o Big Crunch, que Lula se acha Deus, eu fundo aqui, ó incréus, um novo panteísmo pós-moderno, um panteísmo materialista, com um Deus que não "ex-iste". O Brasil é a prova do Big Crunch!

Somos todos iguais - parte de Deus. Esse é o sentido da vida.

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