terça-feira, julho 21, 2009

JANIO DE FREITAS

Negócio nas alturas


Folha de S. Paulo - 21/07/2009

Só quando a bilionária compra de aviões for fechada se saberá se os olhos estão postos em boa transação para o Brasil

O TURISMO parisiense pago pela fábrica de aviões Dassault para um grupo relevante de deputados, encabeçado pelo próprio presidente da Câmara, Michel Temer, já indica o que se esperar dos congressistas quanto ao seu dever de examinar a compra bilionária de aviões e submarinos pelo governo Lula. Tanto mais que crescem os indícios de negócio com cartas duplamente marcadas, nesta história em que tudo vem errado, na área civil, desde o início.
Ao sustar o fechamento da compra de 12 caças para a FAB, em 2002, Fernando Henrique invocou a inconveniência de um negócio tão alto em último ano de mandato, transferindo a decisão ao sucessor. O motivo era outro. O caça da americana Lockheed Martin, o F-16, estava mal na competição com fabricantes de outros países. E Fernando Henrique, possível aspirante a um cargo internacional de relevo como a secretaria da ONU ou similar, não quis contrariar as pressões de Bill Clinton. Ao qual já cedera na malabarista entrega do sistema de vigilância amazônica à americana Raytheon.
Na campanha sucessória daquele ano, Lula acompanhara Ciro Gomes na afirmação de que não haveria compra no exterior. A Embraer, embora não seja a única empresa capaz de consórcio internacional para produzir caças jato, seria a contratada como representante do "made in Brazil". De fato, já na primeira reunião ministerial, em 2003, Lula deu por encerrada a concorrência internacional. Lembrou a escassez de recursos herdada e a determinação de prioridade a programas sociais. Com o estilo transformista que logo começou a revelar, porém, em outubro as formalidades da concorrência foram autorizadas, e confirmaram-se em reunião entre pretendentes à venda e a FAB.
O problema anterior ressurgiu, no entanto. Não com o caça dos Estados Unidos, que nem admitiam vender suas últimas modernidades. A FAB não aderiu ao pretexto de indústria brasileira. Já por haver na Embraer participação estrangeira, na proporção de 20%, sendo a francesa Dassault sua sócia. E, mais importante, porque o Mirage 2000, da Dassault, não foi o que respondeu melhor às exigências militares, técnicas, geográficas e comerciais. Assim como não foram o Gripen sueco (consórcio Saab/BAE/Volvo) e o MIG-29, da russa Mikoyan. Outro russo, o Sukhoi, que a FAB foi submeter a testes e informações com a Força Aérea da Índia, estava na frente.
Nos sete anos de lá para cá, a Dassault retirou-se da composição da Embraer, o que facilitaria, mas parece não o ter feito o bastante, as simpatias da FAB. A Gripen cometeu o lobismo antiético de levar à Suécia um grupo de jornalistas brasileiros, na óbvia esperança de obter apoios na imprensa & cia. Os russos ou sumiram ou trabalharam em silêncio impenetrável, talvez confiantes em um pacote cujo resultado não depende dos méritos e atrativos. A mesma Dassault substituiu em sua oferta o Mirage 2000, que ainda equipa a Força Aérea Francesa, pelo novo e caríssimo Rafale. Com a introdução de Nelson Jobim e Mangabeira Unger como pontas de lança, o governo alterou os propósitos da "concorrência", multiplicou a dimensão do pacote e os bilhões e, com isso, enfim encaminha o negócio para a Dassault, já com os Rafales. A qual promove o tour de Michel Temer e sua trupe e, com isso, leva a outro indício de carta marcada.
No Congresso, só o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) voltou-se para o assunto e prometeu convocar audiências para vê-lo explicado por alguns dos envolvidos. O que já sugere certa utilidade dos turistas Michel Temer e sua turma. Há mais. A concordância final para o negócio deve ser, ainda que por formalidade, em reunião do Conselho de Defesa Nacional, integrado pelo presidente, ministros do Gabinete Civil, das Relações Exteriores e da Fazenda, presidentes do Senado e da Câmara, e comandantes da Aeronáutica, da Marinha e do Exército. Para um negócio tão extraordinário, nada mais recomendável, contra os contrariados e críticos, do que a unanimidade na "aprovação".
Nem por isso pode ser um bom negócio. Qual é a utilidade de apenas 12 aviões, a preço tão absurdo que nem está revelado (depende de muitas possíveis variações do equipamento), para um país com as dimensões do Brasil? A solução racional e sensata me foi dita há dois dias. A França executa o plano de substituir Mirages 2000, ainda modernos, pelos novos Rafales, até pelo compromisso de governo que justificou o investimento da Dassault. Para a França, portanto, será bom negócio vender os Mirages 2000 por preço decente e, para o Brasil, aí está a possibilidade de comprar várias esquadrilhas a mais sem gastar tanto com uma só e mínima. E, como reza a regra brasileira de primeiro escolher o fornecedor depois fazer a concorrência, são aviões também da Dassault e de sua representante Embraer.
Mas só quando o negócio for afinal fechado se saberá se os olhos estão postos em boa transação para o Brasil (supondo que o Brasil necessite de modernos jatos de caça) ou no máximo montante da transação - adivinhe por quê.

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