sexta-feira, dezembro 09, 2011

CAPA DA REVISTA VEJA


Mar à vista - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 09/12/11


O Rio vai ganhar um presente de Natal. Cabral decidiu derrubar os postos de gasolina que ficam nos canteiros centrais da Avenida Atlântica  e da Lagoa Rodrigo de Freitas.

O governador mandou ontem ofício à Petrobras Distribuidora, informando que o estado não tem interesse em renovar por mais 20 anos a concessão daqueles postos.

E mais...
Deu 90 dias para a estatal deixar os postos.

Mascote da Copa
Numa reunião no Planalto, o ministro Aldo Rebelo sugeriu o Saci como mascote da Copa.

A ministra Gleisi Hoffmann discordou. Argumentou que a prática de futebol se faz com... duas pernas. Faz sentido.

Bola da Copa
Parreira, numa reunião na Adidas, sugeriu que a bola de 2014 seja batizada de Samba.

A marca alemã será a fabricante da bola da Copa.

Rei Zeca
Eduardo Guinle, estilista que faz a roupa de Zeca Pagodinho para suas bodas de prata com a mulher, Mônica, usa o tecido metido à besta Holland Cherry.

É o mesmo usado pela realeza inglesa. Segundo Guinle, Zeca, “um nobre do samba, merece”.

Bebeu porque quis
A 3ª Turma do STJ negou pedido inédito de indenização por danos morais e materiais de um homem viciado em cachaça.

Ele queria receber da caninha 51 (Companhia Muller de Bebidas) por ter tido cirrose em consequência da malvada.

O NATAL NO COMPLEXO do Alemão terá boas novas mais uma vez. Ano passado, a prefeitura carioca inaugurou na comunidade Nova Brasília o Cine Carioca, primeiro cinema 3D numa favela brasileira, lembra? Agora, no dia 24, Eduardo Paes entregará à população a Praça do Conhecimento, ao lado do cinema. Vai funcionar num prédio de dois andares (veja nas fotos), onde serão oferecidos cursos de capacitação na área de informática. Vai abrigar ainda uma videoteca e uma biblioteca digital com filmes, livros e jogos. Os moradores também terão acesso gratuito à internet. Eu apoio

Didi contra a TAM
A TAM cancelou em cima da hora o voo JJ 3262, que deveria ter deixado o Galeão às 15h08m de ontem rumo a Fortaleza. Um novo voo só saiu às 18h15m.

Um dos passageiros era Renato Aragão, o nosso Didi, que ia para a festa de 50 anos de formatura de sua turma na Faculdade de Direito do Ceará.

Segue...
O humorista chegou no fim da festa. Mas não deixou barato:

— Acionei judicialmente a TAM. Não podemos aceitar isso passivamente.
Barra do Piraí
Sérgio Cabral anuncia hoje em Barra do Piraí, RJ, uma indústria da BRFoods de leite e derivados na cidade.

Coisa de uns R$170 milhões.

Outra da Ticketronic
Os produtores da peça “Chopin & Sand: romance sem palavras”, com Françoise Forton, não receberam um centavo da Ticketronic, até hoje, pelos ingressos vendidos pela empresa na temporada que fizeram de fevereiro a março no Centro Cultural dos Correios, no Rio.

Só dá Tiago
Tiago Abravanel, o ator que brilha nos palcos do Rio, fará um show tributo a Tim Maia no réveillon do Porcão Rio’s.

Por falar...
Os ingressos para o musical sobre Tim Maia, com Tiago, no Teatro João Caetano, no Rio, já estão esgotados para todo o mês de janeiro.

Fora da noite
Edmundo Animal, o ex-jogador, desistiu de ser empresário.

Vendeu a sua parte na casa de show Barra Music, no Rio.

Calma, gente
Ontem, por volta de 11h, uma senhorinha de 74 anos foi acusada de furtar um sutiã na filial das Lojas Americanas da Praça Saens Peña, no Rio.

Ao guardar a peça em sua bolsa, já fora da loja, foi abordada por dois seguranças. Passou por enorme constrangimento. Mas Hercília Oliveira de Brito era inocente. Havia levado o sutiã da filha para trocar. Meu Deus...

Adeus aos quintais e à memória urbana - MILTON HATOUM


O Estado de S.Paulo - 09/12/11


No Recife e em Manaus - metrópoles do Nordeste e Norte -, o quintal das casas está sendo substituído por um piso de cimento ou lajotas. Em Boa Viagem, bairro recifense, uma muralha de edifícios projeta uma extensa área de sombra na praia, de modo que os banhistas têm que se contentar com estreitas línguas de sol. No país tropical, luz e sombra projetam-se em lugares trocados.

Ainda mais grave é o caso de Manaus, onde o apagamento da memória urbana parece irreversível. Na década de 1970, um coronel do Exército, nomeado prefeito, mandou derrubar mangueiras centenárias que sombreavam ruas e calçadas. Como se isso não bastasse, esse prefeito, talvez possuído pelo espírito demolidor do barão Haussmann, destruiu praças da cidade para abrir avenidas.

O mais irônico, tristemente irônico, é que a imensa maioria dos prefeitos e vereadores da era democrática não pensa na relação da natureza com a cidade. Hoje, em certas horas do dia, é quase impossível caminhar em Manaus. Não há árvores, e as calçadas são estreitas e esburacadas. Até mesmo os feios oitizeiros, essas árvores que Mario de Andrade detestava, têm seus dias contados. Em 1927, quando o autor de Macunaíma passou por Belém, hospedou-se no Grande Hotel, em cuja varanda chupitou, extasiado, um sorvete de bacuri. Esse imponente edifício neoclássico da capital paraense - uma joia arquitetônica do Brasil - também foi demolido durante o governo militar. Um prédio feio de doer os olhos substituiu o Grande Hotel no coração de Belém, essa bela cidade evocada em poemas de Manuel Bandeira e Max Martins.

Quase toda a arquitetura histórica das nossas cidades foi devastada. O centro de São Luís, pobre e abandonado, é uma promessa de ruínas. Vários casarões e edifícios de Santos, erguidos durante o fausto da economia cafeeira, foram demolidos. Até a belíssima paisagem em relevo do Rio está sendo barrada por edifícios altíssimos. Na cidade de São Paulo, não restou muita coisa da história urbana. E em vários bairros paulistanos de classe média há inúmeros edifícios e calçadas sem uma única árvore.

O desprezo à natureza e à memória das nossas cidades se acentuou a partir da década de 1960, quando a industrialização e o adensamento urbano adquiriram um ritmo acelerado e caótico. Essa urbanização selvagem destruiu edifícios históricos de quase todas as cidades brasileiras. Penso que isso alterou para sempre nossa relação com a natureza e com a própria história das cidades. Paradoxalmente, proliferam bairros pobres e favelas com nomes de Jardim, como se essa palavra atenuasse a feiura da paisagem e a vergonhosa arquitetura dos conjuntos de habitação popular.

Poucos monumentos e áreas históricos sobreviveram à voracidade dos construtores de caixotes verticais com fachadas de vidro fumê: uma arquitetura de fisionomia funérea, tão medonha que é melhor olhar para as nuvens, ou fechar os olhos e sonhar com Buenos Aires.

Talvez alguns políticos e donos de empreiteiras sintam ódio ao nosso passado: ódio inconsciente, mesmo assim verdadeiro; ou talvez não sintam nada, e toda essa barbárie seja apenas uma mistura de ganância, ignorância e desfaçatez.

Outro dia uma amiga me contou que havia sonhado com o futuro das nossas metrópoles e florestas. "Foi um pesadelo", ela disse. "As cidades e florestas inexistiam ou eram invisíveis. A visão do futuro era um monstro bicéfalo: eclipse solar e deserto."

Rest in peace? - SONIA RACY

O ESTADÃO - 09/12/11

A Operação Satiagraha, que tanto alarde e discussão causou, está morta e enterrada. A 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo deu o caso por encerrado. E o mandou para o arquivo.
Cumprindo determinação do Supremo Tribunal Federal.

Tempo fechado
Dilma mandou avisar: dia 14, quando completa 64 anos, não quer bolo nem vela.
Com agenda ainda em aberto, os mais próximos imaginam que a presidente optará por despachar no gabinete do Alvorada, na quarta-feira. Para evitar compromissos públicos em que poderia ser pega de surpresa por homenagens.

Barulho
Protesto anteontem na Assembleia paulista contra projeto de lei de Campos Machado – que transfere a gestão da Assistência Judiciária da Defensoria Pública para a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania. Advogado s da Defensoria reclamam que o PL enfraquece o órgão criado em 2006. Na galeria, a favor da mudança, Luiz Flavio D’Urso.

Antes da hora
A Associação Comercial de São Paulo informa: dia 15 o “impostômetro” bate a marca de R$ 1,4 trilhão, mais do que foi arrecadado em todo o ano de 2010.

Para sempre
Em meio a discussões sobre o destino de Congonhas, foi decidido, esta semana, que ele fica onde está. O Departamento de Patrimônio Histórico aprovou tombamento do terminal de passageiros do aeroporto paulistano.

Boa notícia para os murais de Clóvis Graciano, Conrado Sorgenicht e Di Cavalcanti. E também para o arquiteto Hernani do Val Penteado, que, nos anos 50, misturou linhas modernistas e art déco no projeto.

Magrão
Há seis anos tentando fazer um documentário sobre Sócrates, Reinaldo Volpato está em vias de conseguir recursos.
A família do jogador entrou em contato com o diretor esta semana, afirmando que há empresas interessadas no filme.

Magrão 2
Além de uma partida de futebol com Sócrates e Lula, filmada na Granjado Torto, Volpato gravou outros momentos importantes da vida do “doutor”. Como sua festa de 50 anos e o nascimento do filho Fidel Brasileiro.

Magrão 3
Com o penta, corintianos correram para garantir um dos 1.500 exemplares do Collector’s Book Nação, sobre o centenário do Timão. Edição mais procurada? A que leva a assinatura de Sócrates. Em três dias, 30% da tiragem foi vendida.

Na frente

Menos de um ano depois de ser aberto, o primeiro fun-do de investimento em arte no Brasil presta contas. Das 278 obras compradas neste tempo, vai expor 52 delas, quarta-feira, na Galeria Estação. À frente da coleção Brazilian Golden Art estão 

Heitor Reis, Raphael Robalinho, Rodolfo Riechert e André Schwarz.

Em visita a Timbuktu, Ana Tinelli vivenciou lugares e costumes exóticos. Ajoalheira mostra o resultado quartafeira, nos Jardins.

Dilma entrega o prêmio Direitos Humanos, na categoria Memória e Verdade, para o Instituto Vladimir Herzog. Hoje, no Palácio do Planalto.

Será lançado hoje, no MAM, o livro Cinema e Filosofia - a Metafísica do Cinema de Robert Bresson.

Rogério Fasano é o entrevistado do Roda Viva de segunda-feira. Na TV Cultura.

É hoje o lançamento do livro Instituto Olga Kos, Uma Visão Inclusiva –Arte, Cultura e Esporte. Na Oficina Cultural Oswald de Andrade.

Aloizio Mercadante passou o dia, ontem, no Incor. Fazendo check-up. Está tudo ok.

JAPA GOSTOSA


GLP: o gás de botijão - RODOLFO LANDIM

FOLHA DE SP - 09/12/11


O que se observa é um novo crescimento do consumo de GLP no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste e em Minas


Existem inúmeros indicadores indiretos que servem para avaliar a melhoria da qualidade de vida da população de menor poder aquisitivo no Brasil e um deles pode ser considerado o consumo de gás de cozinha para o preparo de alimentos.

Até a título de curiosidade, vale explicar que essa designação geral na verdade engloba dois produtos distintos, ambos geralmente obtidos do óleo e do gás natural produzidos nos poços de petróleo.
O primeiro é o GLP (gás liquefeito de petróleo), mais conhecido como gás de botijão, fruto da retirada das frações mais pesadas (propano e butano) do gás natural, e que consegue ser liquefeito a pressões relativamente baixas e assim colocado em botijões e vendido ao consumidor final.

O segundo é o gás canalizado, popularmente chamado de gás de rua, que é a parcela do gás natural que sobra (metano e etano) após a retirada do GLP. Esse é o gás que chega aos lares, indústrias e postos de gasolina através de rede de dutos.

O consumo de GLP esteve por muitos anos estagnado e até mesmo em queda no país.
Com a chegada de grandes volumes de gás da Bolívia no final dos anos 90 e o aumento das redes de transporte e distribuição de gás canalizado em diversos Estados, chegando a cidades importantes, uma parcela significativa do consumo de GLP foi sendo substituída pelo gás canalizado, o que perdurou até meados da década passada.

Além disso, o peso no bolso do consumidor de baixa renda contribuía para que o fogão a lenha continuasse a manter uma presença forte no consumo residencial.
Hoje o que se observa é um novo crescimento do consumo de GLP, principalmente no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste e em Minas Gerais, associado em boa parte ao aumento do poder aquisitivo das classes D e E.

Esse é um fator que traz benefícios colaterais importantes já que o GLP está nesse caso deslocando exatamente a lenha. Além de reduzir impactos ambientais associados a desmatamento, a prática elimina um enorme problema de saúde pública associado à inalação de gases tóxicos dentro das residências, responsável por várias doenças respiratórias como enfisema pulmonar, pneumonia aguda, asma e outras.

A rápida mudança de lenha por GLP é possível por dois motivos. Primeiro, pelo fato de a distribuição do GLP chegar à quase totalidade dos municípios e, depois, por termos uma situação muito interessante em uma grande quantidade de lares brasileiros que é a cozinha flex. Nelas, o fogão funciona tanto a lenha como a GLP.

Algumas iniciativas de marketing também estão sendo responsáveis pelo aumento do consumo.
Novos botijões, menores do que o principal padrão adotado desde a década 50, que armazena 13 kg de produto, passaram a ser ofertados e têm feito sucesso por levar o consumidor a um desembolso menor na hora da compra e de serem mais fáceis de transportar.

Apesar de não deixar de ser um competidor, o GLP pode ser considerado um combustível complementar ao gás canalizado por poder alcançar mercados ainda não atendidos por redes de dutos.

Seu uso, quase que totalmente voltado para o consumo residencial, poderia ser significativamente maior não fossem as restrições impostas a diversos usos do GLP, principalmente em motores e caldeiras.
Tais impedimentos existem desde 1991, época em que quase 80% do produto consumido no país era importado, situação que foi bastante alterada até os dias de hoje, quando a dependência externa foi reduzida para algo em torno de 20%.

Com o crescimento previsto para a produção de petróleo e gás natural no Brasil, em boa parte proveniente dos campos do pré-sal, certamente teremos também o crescimento da produção de GLP.
Isso poderá levar a ANP e a Petrobras, em médio prazo, a revisitarem as decisões do passado, buscando novos mercados para o GLP.

Apesar de contribuir com apenas 3,5% da matriz energética nacional, o GLP é um combustível de enorme importância para o Brasil. Ampliar a utilização residencial é uma questão estratégica e de justiça social.

O consolo - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 09/12/11


Massacrada durante o ano, a oposição conseguiu uma vitória no Senado, ao retirar do texto da emenda 29 o artigo que criava a Contribuição Social da Saúde. O líder do DEM, Demóstenes Torres (GO), costurou o apoio do presidente do PP, Francisco Dornelles (RJ), e do reticente líder do PMDB, Renan Calheiros (AL). A votação não foi um embate governo x oposição. "Pelo menos marcamos um gol. Perdemos de dez a um, e nem podemos dizer que o juiz roubou", resume Demóstenes.

Gleisi e o Pateta na operação de guerra
O senador Sérgio Souza (PMDB-PR), suplente da ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), estava na Disney e não queria voltar para votar a prorrogação da DRU. Ela ficou indignada e disparou: "Então você fica aí com o Pateta que eu vou reassumir. O ofício já está pronto". Souza voltou. No caso do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), recuperando-se de cirurgia cardíaca, o governo praticamente obrigou sua suplente, Ivonete Dantas (PMDB-RN), a assumir. "Estou em Caicó. Vai demorar para eu chegar aí", disse Ivonete. O governo insistiu e cobrou seus documentos para a posse. "Está encaixotado. Estou de mudança", argumentou a suplente. Não teve jeito. Viajou, assumiu e votou.

Sob nova direção
Em nome dos velhos tempos, o presidente do DEM, senador José Agripino (RN), até tentou, mas a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), sua ex-correligionária, não topou assinar a emenda que atrasaria a votação da prorrogação da DRU.

Barganha
O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) retirou sua assinatura da emenda da oposição à DRU depois que o governo concordou em cancelar a urgência da proposta 72/2010, que pretende acabar com a guerra fiscal entre os estados.

Ruralistas pedem apoio do ministro
Os ruralistas da Câmara abandonaram o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). Ontem, um grupo deles foi ao ministro Mendes Ribeiro (Agricultura) pedir ajuda para convencer o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), para colocar em votação na próxima semana o texto do Código Florestal aprovado no Senado. Para que ele seja aprovado, será preciso que o DEM não adote manobras protelatórias e aceite acelerar o processo.

Propaganda
No programa de TV que vai ao ar no dia 15, o DEM vai explorar os escândalos de corrupção do governo. O mote será que não se faz um Estado competitivo com corrupção, sem o capital privado e sem uma carga de impostos civilizada.

Porta fechada
A direção nacional do PV fez sondagem nos diretórios regionais sobre o retorno de Marina Silva ao partido. Mais de 60% deles se colocaram contra o retorno de Marina ao partido. Eles também querem fora os chamados marineros.

O VICE Michel Temer colocou o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para conversar com a presidente Dilma sobre o episódio da Emenda 29. O governo entendeu o recado: "os acordos de votação só valem se Sarney participar da negociação".

O DEPUTADO Silvio Costa (PTB-PE) está tentando reunir apoio para derrubar o líder da bancada, Jovair Arantes (PTB-GO). A eleição será terça-feira.

A MINISTRA Ideli Salvatti (Relações Institucionais) ficou tão aliviada com a aprovação da DRU, em primeiro turno, que entrou no plenário do Senado e saiu beijando todo mundo, inclusive da oposição.

Dramas e comédias do poder - NELSON MOTTA

O GLOBO - 09/12/11

Vai ao ar em janeiro na TV Globo "O brado retumbante", minissérie de Euclydes Marinho em oito capítulos, sobre um presidente da República fictício vivendo seus dramas e comédias políticos e existenciais no Brasil real, que não é pré nem pós Dilma, mas um universo paralelo. O cotidiano e a intimidade de um presidente acidental, seus conflitos com a mulher e os filhos, a mãe tirânica e o velho tio picareta, as forças politicas em luta pelo poder, a imprensa e o Congresso, corruptos e faxineiros, arapongas e conspiradores, sua equipe de governo e a opinião pública. Tudo invenção, diversão, entretenimento. Mas, como dizia o escritor Julio Cortazar, a ficção é a história secreta das sociedades.
Nos Estados Unidos já foram feitos inúmeros filmes e séries sobre presidentes fictícios. Martin Sheen, Morgan Freeman, Harrison Ford e até Glenn Close viveram presidentes no universo da ficção, às voltas com conflitos internacionais, domésticos e pessoais. Sim, "é tudo mentira", mas serve para o público penetrar no mundo fechado do poder, como voyeur do luxo e do lixo, das tramoias e ambições, dos ódios e paixões que movem personagens que decidem como nós viveremos, e até se viveremos.
No Brasil da ditadura nunca se ousou, por motivos óbvios. Imaginem uma minissérie com um general presidente? Mas a história de Collor daria uma boa ficção, com reviravoltas emocionantes, a CPI, o dia das camisas pretas, o impeachment e até um assassinato misterioso no final: quem matou PC Farias? Já a história que começa nas Diretas Já e vai à eleição de Tancredo, sua agonia e morte, e termina com a posse de Sarney, seria tão absurda que dificilmente um espectador estrangeiro acreditaria nela, seria inverossímil. O governo Sarney só poderia ser ficcionalizado em forma de chanchada.
Com Guilherme Fiuza e Denise Bandeira, integrei a equipe que escreveu o "Brado" com Euclydes. Nos divertimos, mas foi muito dificil. Por mais fantasias e tramoias que se inventasse, todo dia éramos superados pelos jornais. E como criar nomes melhores que Valdebran e Gedimar? É dura a vida de ficcionista no Brasil.

Por um novo pacto federativo: o Brasil em 2012 - ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA



VALOR ECONÔMICO - 09/12/11


Talvez atualmente não haja tema mais importante para o futuro de nosso país do que a renovação do pacto federativo, que estabelece as relações entre o governo federal e os governos estaduais e municipais, definindo direitos e obrigações recíprocos entre tais entes federativos, com influência direta na vida de todos os cidadãos brasileiros. 
Assim como a gestão FHC ficará marcada na história pelo Plano Real, pela adoção do câmbio flutuante e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os três pilares da estabilidade econômica conquistada na última década, o governo Dilma Rousseff poderá ser lembrado pela histórica tarefa a ser realizada no âmbito federativo, criando a partir daí condições sustentáveis de governabilidade e desenvolvimento econômico e social. 
Não se trata na verdade de opção política voluntária, mas de imposição da história, já que despontam espontaneamente, neste momento, inúmeras negociações de caráter federativo que envolvem a União e os Estados em temas diversos tais como: 
Impasses tributários desestimulam novos investimentos no Brasil e geram um clima de intranquilidade social 
1) Guerra fiscal e uma nova alíquota de ICMS interestadual (em pauta na Resolução 72 do Senado Federal); 
2) Repactuação de juros e prazos das dívidas estaduais com a União (que está sujeita a modificação de cláusula da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que proporcionaria a oportunidade de sua atualização e de inclusão de cláusulas novas tais como o impedimento pelo prazo de 15 anos de criação de novos Estados e municípios); 
3) Criação de Fundo de Desenvolvimento Regional e de Equalização Tributária (para substituir as iniciativas inconstitucionais e individuais da guerra fiscal); 
4) Divisão dos royalties do pré-sal e dos tributos sobre atividades de mineração; 
5) Aprovação de lei complementar para definir nova fórmula de distribuição aos Estados de parcelas dos tributos federais através do Fundo de Participação dos Estados (FPE), de acordo com recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e previsto no parágrafo 2º do artigo 2º da Lei Complementar nº 62 de 28 de Dezembro de 1989; 
6) Solução fiscal e financeira para o estoque passado não liquidado ou compensado bem como para o fluxo futuro de créditos tributários de ICMS derivados da atividade de exportação (Lei Kandir). 
Se por um lado cada um destes relevantes temas é de alta repercussão econômica e social para o país, também são de alta complexidade técnica, jurídica e negocial, eventualmente inviáveis enquanto negociados individualmente como temas estanques e isolados. Portanto as negociações espontâneas e dispersas que surgem neste momento no âmbito do Poder Legislativo (Senado Federal) e do Poder Executivo (Casa Civil, Fazenda, e Confaz), correm o risco de precoce impasse e de eventual fracasso, como já assistimos em passado recente. 
Isto porque para cada um destes temas, a solução ótima para o país é definir entre os entes federados uma nova composição de ganhadores e perdedores na distribuição tributária. Em alguns casos a União poderá lançar mão de novos mecanismos distributivos aos Estados, tais como a repactuação da taxa de juros incidente sobre as dívidas públicas estaduais. Ou ainda agir como árbitro ou coordenador, respectivamente, nos casos da divisão dos royalties do pré-sal e da mineração, bem como ser protagonista da criação dos Fundos de Desenvolvimento Regional e de Equalização Tributária. 
É preciso ousar no momento e torna-se aconselhável, se não imperativo, que a União assuma com firmeza a coordenação conjunta destas negociações por meio de um ato da Presidência da República. Assim, cria-se uma comissão responsável exclusivamente para a negociação de um novo pacto federativo, a qual deveria ser presidida por um ministro extraordinário sem pasta, com finalidade específica e temporária de cumprimento desta patriótica tarefa, composta por membros representantes dos executivos federal e estaduais, do Poder Legislativo e da sociedade civil. Esta comissão deveria ter um prazo máximo de 12 meses para concluir as negociações e respectivas aprovações das leis complementares e ordinárias (em regime de urgência) no Legislativo, e poderia ser assessorado por grupos de trabalhos temáticos para cada um dos relevantes e complexos temas relacionados. 
Nesta negociação entre entes federativos poderiam ocorrer algumas eventuais compensações tributárias entre as partes envolvidas, desobstruindo impasses negociais, maximizando o poder de barganha da União, e permitindo a obtenção de soluções racionais e eficientes para o surgimento de um novo pacto federativo no país. Uma forma objetiva e corajosa de pôr em curso esta tarefa seria obtermos, ainda em 2011, a aprovação em plenário do Senado Federal da Resolução nº 72/10 que viria a estabelecer alíquota de ICMS interestadual reduzida de 12% para 4%, encerrando assim esta perversa guerra fiscal que vem minando a economia nacional há muitas décadas. 
Eliminando indesejáveis contingências fiscais e tributárias, inaceitáveis desequilíbrios regionais entre entes federativos e agravante insegurança jurídica entre Estados e contribuintes, estaremos, por meio da solução desse novo pacto federativo, lançando bases para o futuro e o harmônico crescimento do país. Caso contrário, tais impasses tributários continuarão desestimulando novos investimentos produtivos no Brasil e gerando clima de intranquilidade social e institucional para as gerações que virão a seguir. 
Roberto Giannetti da Fonseca é economista e empresário, presidente da Kaduna Consultoria, e diretor-titular de Relações Internacionais e de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). 

GOSTOSA


Aos jovens do presente - MARINA SILVA



FOLHA DE SP - 09/12/11
Na noite de 6 de dezembro, faltando 16 dias para o 23° aniversário da morte de Chico Mendes, o Senado aprovou o maior retrocesso na legislação ambiental brasileira. Representantes do ruralismo, como a senadora Kátia Abreu e os senadores Waldemir Moka, Jayme Campos e Ivo Cassol, faziam ruidosos elogios ao texto aprovado. Reverenciavam os relatores Jorge Viana e Luiz Henrique por terem deixado de fora os radicais ambientalistas. 
Naquele momento, vieram à memória dois importantes embates feitos por Chico Mendes: o da fazenda Bordon e o do seringal Cachoeira. 
Nessas ocasiões, com base no mesmo Código Florestal hoje fragilizado, Chico conseguiu a suspensão temporária do desmatamento, após batalha judicial. Mas não teve tempo de ver o nascimento da primeira reserva extrativista, que foi citada no Senado como se sua criação, para acontecer, não lhe tivesse custado a vida. 
Para proteger a floresta e defender seus direitos contra a sanha dos que matam e desmatam, tombaram também Wilson Pinheiro, Calado, Ivair Higino, irmã Dorothy Stang, José Claudio e sua mulher, Maria do Espírito Santo, só para rememorar alguns que, como os radicais ambientalistas, também foram deixados de fora pelos contemplados radicais ruralistas e seus novos aliados. 
Essas pessoas acreditavam ser o Código Florestal uma lei pela qual valia a pena perder prestígio e admiradores de conveniência e até mesmo arriscar a própria vida. 
Foi a um só tempo triste e interessante ouvir, contra os socioambientalistas, os mesmos argumentos que, durante anos, foram usados contra Chico e seus aliados, entre eles Jorge Viana: os de que as preocupações com o aumento do desmatamento, com a redução da proteção ambiental e com a anistia para desmatadores refletem apenas o medo da perda do discurso de vítima. 
Triste por ver a continuação de um passado que Chico acreditava que não mais existiria no século 21, quando, sonhando acordado para evitar os pesadelos da difícil realidade, escreveu sua melancólica carta aos jovens do futuro. 
Interessante por ver que a força dos seus ideais continuam atuais e revolucionárias, a ponto de atravessar o tempo e continuar falando até mesmo aos que a eles se opõem. 
Como disseram Oscar Cesarotto e Márcio Peter, qualquer doutrina original e revolucionária, depois de ser ferrenhamente contestada, vai aos poucos sendo integrada e aceita, até ser recoberta por noções e ideias anteriores que tudo fazem para neutralizá-la. 
Infelizmente é o que ocorre, pelo menos por enquanto. Mas isso não me impede de seguir acreditando que Dilma possa honrar o sonho de Chico e homenagear sua memória, vetando os artigos que afrontam sua luta em defesa da floresta e do desenvolvimento sustentável. 

O obeso quer ser magro no verão - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 09/12/11

Há custos e muitos riscos na obsessão de fazer o PIB crescer pelo menos 4% no ano que vem 

AS IDEIAS do governo a respeito do crescimento brasileiro em 2012 lembram um pouco a pessoa obesa que, duas semanas antes do verão, decide perder peso a fim de aparecer elegante na praia. Tende a dar errado.

A pessoa para de comer, altera seu metabolismo. Faz exercício demais, machuca músculos, ossos e tendões. Fica estressada. Entre o Carnaval e a Semana Santa, já volta a se empanturrar, fechando o ciclo da sanfona. Enfim, a gente conhece o caso.

O governo quer fazer o país crescer pelo menos 4% no ano que vem. Talvez 5%. Não é lá muito difícil dar uma inflada no crescimento no curto prazo -por um ano, quiçá dois. A depender da sorte, pode ser que os efeitos colaterais da sanfona do PIB nem sejam tão ruins.

No nosso presente caso, porém, vale a pena? Neste mundo que será de economia tumultuada até pelo menos o fim de 2012, para nem mencionar os nossos problemas domésticos?

O risco mais evidente, um tedioso porém inevitável lugar-comum, é a inflação. No curto prazo, bem curto, é até possível tolerar um pouco de inflação, a depender dos custos para reduzi-la de imediato e do que se faz nesse ínterim para sanar problemas de fundo -a inflação é sintoma.

Mas inflação mais alta causa justamente alguns danos colaterais que tanto tentamos evitar por outras vias. Exemplos.

Falamos tanto do câmbio, do real forte que prejudica vendas da indústria e a rentabilidade dos exportadores. A inflação, porém, claro, também encarece os produtos nacionais. Como dizem os economistas, piora a taxa de câmbio real.

Reclamamos tanto do custo da dívida pública, os pagamentos de juros. Mas mais e mais a dívida pública é indexada pela inflação (o governo vende mais títulos que pagam juros e que são corrigidos pelo IPCA). Os juros até caem, mas a inflação mais alta anula parte do efeito positivo.

Além disso, há o problema da incerteza. Vamos tomar logo medidas para turbinar o crescimento sem conhecer o tamanho da confusão no resto do mundo, Europa e China em particular? Pode-se causar danos à economia por excesso de esforço, sem colher benefícios.

Não, a receita não é a passividade, mas escolher o exercício certo. Baixar juros, sim. Esquentar a economia com mais gasto público, mais crédito de banco estatal e mais dívida pode não ser um bom regime.

O que pode dar errado? Inflação, como já se disse, piora nas contas externas (vamos consumir demais sem ter como vender mais), aumento da dívida pública, da inadimplência privada e, assim, dificuldades para retomar o crescimento no pós-crise. Pior, podemos ficar com os ônus sem os bônus, pois o tumulto mundial tende a tornar inócuo o esforço de crescimento adicional (digamos de 3% para 4,5%).

Em 2008 o governo se mexeu muito e deu certo? É. Mas não se pode repetir a dose como se as reações a 2008 não tivessem ocorrido, como se a intervenção agressiva do governo não tivesse resultado em alguns problemas também.

Uma dieta moderada em 2012 seria melhor. Um ano ruim não aumenta muito o risco de tumulto e dano social. Melhor se preparar para 2013. E pensar grande, a longo prazo. Em 2020.

Transposição abandonada - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S. Paulo - 09/12/11

O jogo de palavras com que o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, tentou negar a paralisação das obras de transposição do Rio São Francisco, que estavam em execução por empresas particulares, não esconde o fato de que na origem dos problemas mostrados pelo Estado (4/11) estão a pressa eleitoral e a incompetência gerencial do governo. Planejadas como cenário para a propaganda do governo Lula e, no ano passado, para a campanha eleitoral de Dilma Rousseff, as obras de transposição foram iniciadas sem que houvesse projetos adequados. Por isso tiveram de ser interrompidas para que fossem elaborados esses projetos, cuja execução exigirá a recontratação de diversos trechos. Para o ministro, porém, tudo não passa de uma simples "desaceleração".

O problema, porém, é bem mais grave. Os repórteres Eduardo Bresciani e Wilson Pedrosa percorreram trechos das obras durante três dias e constataram que elas estão se deteriorando. As estruturas de concreto dos canais, submetidas ao calor intenso e sem utilização, começam a estourar ou a rachar e há vergalhões de aço abandonados. Natural em qualquer construção interrompida, a deterioração pode ser mais rápida em obras como as da transposição do São Francisco, feitas para receber continuamente a carga de um grande volume de água e não para ficarem expostas diretamente às condições climáticas da região semiárida.

Em todo o trecho percorrido pela reportagem - com exceção da parte sob responsabilidade do Exército -, o que se constatou foi o abandono das obras. Entre os municípios pernambucanos de Betânia e Custódia, em um trecho de 500 metros do eixo leste, o concreto está quebrado e vários pedaços estão caídos sobre o leito do futuro canal. "As empresas abandonaram as obras e já começou a se perder o trabalho feito", disse o padre Sebastião Gonçalves, da diocese pernambucana de Floresta. "É um desperdício inexplicável."

O Ministério da Integração Nacional reconhece que, dos 14 lotes em que a obra foi dividida, 6 estão parados. Não se trata de uma interrupção, segundo o ministro Fernando Bezerra. "Estamos vivenciando uma desaceleração no ritmo em consequência das dificuldades e dos problemas que enfrentamos pela contratação de projetos básicos que se revelaram frágeis quando da execução", disse ele ao Estado. "A obra já não cabia dentro dos contratos e muitas frentes não puderam ser abertas."

Em linguagem mais simples, isso quer dizer que a obra mais alardeada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - que ampliou a popularidade do ex-presidente Lula e garantiu boa parte dos votos com que a presidente Dilma Rousseff se elegeu -, uma das mais polêmicas dos últimos anos e uma das mais caras em andamento no País, começou a ser executada sem que houvesse projetos executivos adequados. Um governo só age desse modo por pressa, determinada por cálculos político-eleitorais, ou por incapacidade administrativa e técnica - ou pelas duas razões.

Ganhos políticos para o governo e sua então candidata certamente houve. No município de Floresta, por exemplo, em 2010 a candidata petista obteve 86,3% dos votos; em Cabrobó e Custódia, 90,7%; e em Betânia, 95,4%. No segundo turno, Dilma teve 75% dos votos válidos de Pernambuco, Estado onde começa o desvio do São Francisco.

Mas a pressa com que as obras foram contratadas já provocou revisões de seu custo total, agora orçado em R$ 6,8 bilhões (R$ 1,8 bilhão mais do que a previsão original). Segundo o governo, desse valor, R$ 3,8 bilhões já foram empenhados e R$ 2,7 bilhões, pagos.

É muito provável que, até o fim das obras, o custo seja novamente revisto. O próprio ministro Fernando Bezerra admitiu a necessidade de renegociação e recontratação de diversas frentes de trabalho. Além disso, haverá o custo de recuperação daquilo que se está perdendo com a suspensão das obras. Apesar da veemência do ministro, não é certo que as empresas arcarão com esse custo. Afinal, a "desaceleração", como diz o ministro, é de responsabilidade do governo, não das construtoras.

Uma epidemia de gente que incomoda - MARIA CRISTINA FERNANDES


Valor Econômico - 09/12/11


Interessado em escapar do exame de geografia, Antônio Carlos Malheiros aceitou de bate-pronto a proposta do professor de visitar uma favela na zona sul de São Paulo. Do relato dessa visita o professor colheria a nota. Aluno de uma escola de classe média alta, Malheiros tinha 13 anos quando se deparou com uma jovem da mesma idade, grávida de um dos irmãos numa casa fétida onde uma mãe se consumia por um câncer. Passou de ano. E nunca mais deixou de trabalhar com populações em situação de risco.

Hoje desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Malheiros já viu de tudo. Estudante de direito na USP, formou com colegas um grupo que dava assistência jurídica a favelados. Já advogado, passou a integrar a Comissão de Justiça e Paz e organizações não governamentais que contam histórias a crianças com Aids em hospitais públicos. Na magistratura, aproximou-se da Vara da Infância e Juventude.

Nesses 47 anos desde que pisou pela primeira vez numa favela, Malheiros diz que nunca viu uma situação tão limite quanto aquela em que vivem duas mil pessoas no pedaço do centro de São Paulo conhecido como cracolândia.

Numa distância de menos de cem metros é possível sair da Sala São Paulo, que abriga os melhores espetáculos musicais da cidade, e ingressar no que Malheiros compara a um campo de refugiados de país africano em guerra civil.

Há uma semana o desembargador fez a primeira audiência no local. Acompanhado de promotor de justiça e de defensor público, instalou-se numa casa cedida pela prefeitura e abriu os portões para jovens levados pelos religiosos que atuam na região. Foi a primeira de uma série de audiências, que devem se tornar rotina, para garantir vaga em hospitais públicos a quem quer se tratar e impedir internação compulsória sem laudo psiquiátrico que a recomende, como manda lei federal.

Diz que não vai permitir que São Paulo siga o exemplo do Rio, mas ainda não conseguiu um único centavo do governo do Estado para dar regularidade às audiências de rua.

Desde maio, o choque de ordem do prefeito do Rio, Eduardo Paes, determina que crianças e adolescentes sejam recolhidos compulsoriamente das cracolândias da cidade.

Os defensores da medida argumentam que um jovem viciado não tem discernimento para decidir sobre seu destino e que cabe ao poder público zelar por sua vida internando-o. A corrente a que se filia Malheiros defende que não há tratamento bem-sucedido se o viciado não quiser se tratar. E que o tratamento ambulatorial, aberto, com substituição gradativa de drogas pesadas por outras mais leves até a desintoxicação, como é praxe na maior parte dos países europeus, funciona melhor que a internação em hospitais fechados, modelo disseminado nos Estados Unidos.

Malheiros aplaudiu o programa de combate ao crack anunciado nesta semana pela presidente Dilma Rousseff, ainda que tema a orientação que cada prefeito dará à ampliação de vagas no SUS e em entidades privadas para o tratamento de usuários.

Relatório produzido pelo Conselho Federal de Psicologia com a vistoria em 68 instituições de internação para usuários de drogas, em 24 Estados, registrou casos de castigos, torturas, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, exigência inconstitucional de exames como o do HIV, desrespeito à orientação sexual e revista vexatória de familiares.

O melhor do plano, diz Malheiros, é a instalação de consultórios de rua em municípios com mais de 100 mil habitantes. É este, precisamente, o ponto que mais desagradou o lobby que quer facilitar a internação hospitalar involuntária de drogados. O deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) é um dos mais ativos parlamentares em defesa dessa compulsoriedade.

Se os consultórios de rua agradaram a linha dos que temem o recolhimento de usuários, a afirmação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de que o Brasil vive uma epidemia de crack lhes causou apreensão. Um tratamento epidêmico implica num atendimento em massa. E não se massifica o atendimento ao usuário de droga tendo que pedir autorização judicial para cada internação que se pretenda fazer.

Foi o temor dessa massificação que levou a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, a negar que o país vivesse uma epidemia de crack. O fato de apenas seis meses depois ter sido desmentida pelo ministro apenas confirma o embate de visões que hoje predomina não apenas na sociedade sobre o tema, mas no próprio governo.

A proximidade das eleições municipais e de eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada favorece a que se limpe as ruas dessa gente que incomoda. Nos Jogos Pan-Americanos do Rio o governo federal lançou um programa para financiar o albergamento de crianças e adolescentes de rua com duração limitada ao período do evento.

Na campanha municipal os proponentes de medidas higienistas terão na ascensão da classe C mais um estímulo ao discurso quem-prospera-quer-ordem.

Em São Paulo, apesar de acompanhar um debate cada vez mais intenso sobre o recolhimento compulsório de usuários, Malheiros diz que a medida efetivamente ainda não foi posta em curso.

Muitas noites o desembargador tira o terno e a gravata, põe a camisa para fora da calça e deixa o fórum em direção ao quadrilátero de ruas do centro de São Paulo infestado pelo crack. A principal delas chama-se Helvétia. Na suíça paulistana as janelas dos prédios comerciais abandonados são fechadas com tijolos para evitar invasões. Mas os noias quebram as paredes e lá se instalam.

Malheiros sente-se culpado pela cracolândia, mas sabe que é cada vez mais difícil coletivizar a culpa. Talvez seja natural que quem paga impostos se veja no direito de ver a cidade livre dos noias, mas não está claro se o eleitor se importa em saber como isso pode ser feito. A partir desse debate, que tende a ganhar força com a proximidade da campanha, se poderá concluir se a utopia coletiva que restou é a cidade limpa para seu usufruto.

Crise sistêmica - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 09/12/11


O que a Europa está vivendo é crise sistêmica. Nesse quadro, tudo pode se precipitar. Basta um evento: a quebra de um banco, um país não conseguir rolar sua dívida, e pode haver pânico no mercado. “A floresta já pegou fogo”, disse Armínio Fraga. Nesse clima é que estão reunidos hoje os chefes de Estado dos países que há quase 13 anos decidiram viver a aventura de uma moeda única.

— Já há uma crise sistêmica que reúne ao mesmo tempo uma enorme dificuldade de os bancos se financiarem e uma crise da dívida pública dos países membros. A Itália está com cada vez mais dificuldades de captar e a um custo muito grande. As opções estão se estreitando — diz Fraga.

Nas últimas horas os governantes têm feito declarações fortes. O presidente Nicolas Sarkozy criou uma data fatal ao dizer que não haverá segunda chance para o euro além da reunião de hoje. A chanceler Angela Merkel admitiu que o euro perdeu credibilidade.

A situação não é ainda de colapso, acha a economista Monica de Bolle, mas ela também usa a expressão “crise sistêmica”. A mesma que usa o economista José Julio Senna.

A expressão define aquilo que os países tentam evitar a todo custo. Os EUA fizeram o que fizeram após a quebra do Lehman Brothers, despejaram trilhões no mercado, para evitar exatamente a crise sistêmica. A diferença é que agora há poucas saídas.

— Provavelmente, o que acontecerá na reunião de cúpula da União Europeia é o anúncio de um Maastricht 2.0, ou seja, o mesmo compromisso de respeitar limites de déficit público e dívida pública que ninguém respeitou, nem os grandes países — afirma Armínio.

Segundo Monica, a crise já atravessou o Atlântico:

— Os bancos americanos já foram contaminados pela exposição que têm ao sistema financeiro europeu. O custo de captação subiu muito. O financiamento ao comércio externo caiu muito, que em grande parte é feito pelos europeus. A queda dessas linhas é comparável ao que vimos em 2008. Está afetando inclusive crédito para o Brasil. O sistema interbancário europeu está travado. Os bancos não emprestam uns aos outros. O que o BCE fez hoje foi aumentar a linha de financiamento para três anos. Era um ano. Antes da crise de 2008, era de três meses.

José Julio Senna disse que no mercado muita gente acha que há apenas uma “crise de confiança”, mas o problema é mais profundo. Ele também usa a mesma expressão “crise sistêmica”, que define a situação em que o problema não é isolado e contamina outras instituições e países. Se o problema estivesse apenas nos bancos, como em 2008, seria até mais fácil pensar em engenharias financeiras salvadoras, mas os governos estão também encrencados. A crise é fiscal e bancária ao mesmo tempo.

— Se há um superendividamento há também um excesso de empréstimos concedidos, por isso é inevitável uma reestruturação de dívidas. Não podemos descartar o cenário de reestruturação de dívidas de um bom número de países. Há alguns meses, achávamos que a Itália era solvente, hoje acreditamos que ela não é — diz.

Armínio explica que a Europa perdeu tempo demais e tudo foi se agravando. Eles têm a dificuldade extra de não serem um país, mas sim uma soma de países.

— O Brasil viveu essa crise de insolvência dos estados e isso foi resolvido com uma longa e difícil renegociação com a União, mas era um mesmo país. Na Europa, a Alemanha tinha que virar credora de todos: nem ela quer, nem os outros querem. Pode-se imaginar uma saída como uma Europa mais restrita, em que alguns países deixem a união monetária, o problema é que a Itália faz parte do núcleo restrito que teria que ficar — explica Armínio.

A aflição da hora está nas manchetes e editoriais dos grandes jornais econômicos, das redes de notícias dos Estados Unidos e Europa, nas palavras dos entrevistados e comentaristas. Todos estão fazendo a contagem regressiva para o fim da reunião de hoje, como se quem não conseguiu em meses encontrar uma saída para esta crise fosse conseguir em 24 horas.

— Não há solução mágica, todas vão demorar muito tempo. Há caminhos, mas eles perderam muito tempo, achando, talvez por arrogância, que por serem europeus não aconteceria com eles o que aconteceu com outras regiões, como a nossa, por exemplo — diz Armínio.

O futuro do euro nunca foi tão incerto. Propostas novas surgem a cada momento, e sobrevivem até serem abatidas por alguma declaração. Ora é o BCE que financiará a todos, ora é um empréstimo do BCE ao FMI para o Fundo emprestar aos governos, ora é a junção de fundos para criar uma “bazuca” financeira, ora um aprofundamento da união fiscal.

— Qualquer que seja a solução, será longa, demorada e complicada. Os países europeus têm que fazer ajustes para reduzir seus déficits, como nós fizemos aqui. Mas a região cresce pouco e os países já têm uma carga tributária alta. A floresta já pegou fogo e, neste momento, há fuga do sistema bancário e dúvida sobre a capacidade de pagamento dos países — afirma Armínio.

Hoje será um longo dia, ao fim do qual a Europa terá que ter alguma resposta para o mundo e, principalmente, para si mesma.

09/12 DIA MUNDIAL DE COMBATE À CORRUPÇÃO


O diploma e o faro - LUIZ GARCIA


O GLOBO - 09/12/11
Faço coro com a opinião do jornal contra a proposta de emenda constitucional que restabelece a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão.

É briga antiga: as empresas jornalísticas insistem no direito de ter em suas redações pessoas com formação em outras profissões - ou mesmo sem curso universitário algum.

Essa posição não significa, o que é óbvio, um desprezo pelas escolas de jornalismo. Muitas delas formam excelentes profissionais, outras nem tanto - o que obviamente é verdade em todos os cursos. Seja como for, é importante ficar bem claro que o diploma universitário sempre ajuda o jovem profissional a conseguir lugar numa redação. Principalmente se ele estudou numa universidade de boa reputação.

Mas não se pode esquecer: em casos não raros, a falta do diploma de curso superior não impede que jovens focas - apelido tradicional dos que se iniciam na profissão - venham a ser excelentes jornalistas.

É claro que a passagem pela faculdade pode ajudar muito. Mas sem garantia: há cursos bons e ruins, como acontece em qualquer profissão. E não é ilógico imaginar que, com o diploma obrigatório, haverá incentivo para a proliferação de faculdades de baixo nível.

Há uma pergunta que merece atenção: por que as empresas jornalísticas, praticamente sem exceção, são contra o diploma obrigatório? Certamente não é por interesse financeiro: os salários dependem da qualidade do trabalho, como acontece em qualquer empresa interessada em prosperar. E os lucros dependem da qualidade do produto.

O diploma de curso superior tem importância nas redações. Elas têm a obrigação, alguns falariam em ousadia, de contar e explicar ao leitor tudo que acontece na cidade e no mundo. Uma equipe que não tenha uma boa quantidade de profissionais com formação universitária - ou com todo mundo com o mesmo diploma - estará sempre em desvantagem na corrida pela fidelidade do leitor.

Temos a ousadia de falar de tudo que acontece, e precisamos de especialistas em tudo, ou quase tudo.

Isso inclui especialidades que não se aprendem em universidade alguma. Como o faro por notícias, algo que ninguém sabe explicar direito, mas podem acreditar: existe mesmo.

Podres poderes - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 09/12/11
Assim como expectativa de direito é direito, em política, expectativa de poder é poder. Enquadra-se nesse caso a consultoria do (ainda) ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, que após sair da prefeitura, em 2009, até dezembro de 2010 atuou privadamente, arrecadando milhões de reais, enquanto era candidato ao Senado pelo PT e um dos principais coordenadores da campanha da então candidata petista, Dilma Rousseff.

Note-se que Pimentel saiu formalmente da consultoria apenas em dezembro, depois que Dilma já havia sido eleita Presidente da República, o que demonstra que ele fazia negócios privados quando já estava claro que ele seria parte importante de um futuro governo petista. Da mesma maneira que Palocci, que só fechou sua consultoria depois de Dilma eleita.

Já na campanha, ao enfrentar a primeira crise séria, a candidata Dilma indicou o grau de sua relação pessoal e política com Pimentel: envolvido em denúncias de formação de um dossiê contra o candidato tucano José Serra, e em meio a uma briga interna petista onde até grampos telefônicos foram feitos e computadores roubados, Pimentel manteve sua influência intacta junto à candidata.

O fato de ser o político mais ligado pessoalmente a Dilma fazia dele, aos olhos de todos, um potencial ministro importante de um futuro governo, o que deveria impedi-lo de fazer trabalhos para grupos privados e instituições que tivessem interesses seja na prefeitura de Belo Horizonte, onde deixara subordinados e associados, seja no governo federal.

Essa mesma proximidade com a presidente, de quem foi "companheiro de armas" na fase de guerrilha a que se dedicaram, é o que faz com que, nos meios políticos, seja considerada quase uma impossibilidade a demissão de Pimentel, dando a dimensão de sua "expectativa de poder".

Em vez de melhorar, só piora a situação o pedido de demissão de Otílio Prado, ex-sócio do ministro na P21 Consultoria e Projetos, que continuava como assessor especial do prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, cargo que ocupava desde o início do governo.

Se, como alega, não havia incompatibilidade entre suas funções no governo e a assessoria que deu para empresas que tinham contratos com a prefeitura, por que então pediu demissão?

Além disso, o caso do (ainda) ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, vai se complicando a cada dia, porque agora há uma empresa de refrigerante do Nordeste que diz que não pagou uma consultoria que ele insiste em relacionar como tendo sido feita.

O que acrescenta às denúncias, além do conflito de interesses e suspeita de tráfico de influência, outro grau de gravidade, com indícios de lavagem de dinheiro. Ontem, porém, a ETA negou o que dissera na véspera.

Outro caso nebuloso é a venda subfaturada de um terreno em Belo Horizonte, registrada em um cartório de outra cidade "por questões de comodidade".

Não estão claras as relações do ex-prefeito com o empresário que vendeu o terreno, que tinha interesses em obras na prefeitura de Belo Horizonte e está respondendo a processo.

A defesa que fez dele o presidente do PT, Rui Falcão, seu adversário na disputa de poder dentro do comitê da campanha presidencial em 2010, dá a dimensão da visão autoritária do partido.

Pela sua história de vida, Pimentel está "acima de qualquer suspeita", disse Falcão. Quando seus grupos brigaram pelo controle do comitê de campanha, Rui Falcão não tinha essa opinião sobre Pimentel, tanto que o acusou de estar por trás de um suposto esquema de grampos telefônicos dentro do próprio comitê.

Ora, numa democracia não há ninguém que não tenha que se explicar por seus atos, mesmo que tenha um passado virtuoso.

Por esses azares da política, Palocci e Pimentel, que se enfrentaram na disputa pelo controle da campanha, depois de instalados no ministério do novo governo viram-se às voltas com as mesmas acusações.

Palocci caiu devido a explicações inconvincentes sobre sua consultoria, cuja relação de clientes jamais apareceu. Por sua vez, o (ainda) ministro Fernando Pimentel teve reveladas algumas das empresas que o contrataram, e isso só fez piorar sua situação.

Já o (ainda) ministro das Cidades, Mário Negromonte, entrou com seu depoimento no Senado para o rol dos patéticos, que tinha até o momento no ex-ministro Carlos Lupi sua melhor expressão ao afirmar que só sairia à bala do ministério.

Negromonte, por sua vez, disse que comeu muita "carne de bode" e que já passou da idade de mentir, como se para isso houvesse limitação etária.

Na sua fala, negou irregularidades em obras de transportes ligadas à pasta em Cuiabá, cidade-sede da Copa de 2014. Ao querer transferir para seus assessores diretos a culpa por eventuais malversações do dinheiro público, ele, em termos locais, pareceu tão desconectado da realidade quanto o presidente da Siria, Bashar al-Assad, que declarou a um canal de televisão dos Estados Unidos que não era responsável pela repressão aos opositores, atribuindo a brutalidade às suas forças de segurança.

Os dois, na prática, abrem mão de suas prerrogativas para tentar se afastar das responsabilidades dos cargos que ocupam e dos atos que praticaram ou foram praticados em seus nomes.

Negromonte é uma espécie de zumbi no ministério, pois não tem prestígio nem dentro do seu partido, o PP, nem no governo. Mantém-se no cargo mais pela inércia política, à espera da presumida reforma ministerial, e seu partido já negocia outros nomes, sob a indicação do senador Francisco Dornelles, para substituí-lo quando chegar a hora.

Fica no cargo pela sua irrelevância política.

Pimentel repete descuidos petistas - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 09/12/11

Consultorias prestadas pelo ministro Fernando Pimentel, em 2009 e 2010, quando não ocupava cargo público, forçaram, por inevitável, comparação entre seu caso e o de Antônio Palocci, chefe da Casa Civil que mal pôde assumir de fato o posto no Ministério de Dilma Rousseff, pois foi obrigado a se afastar do governo devido a explicações não fornecidas por ele também sobre consultorias.

Em ambas as histórias não há, em si, ilegalidades na prestação dos serviços. Um, formalmente na vida privada, tinha todo o direito de buscar o sustento; o outro, mesmo com mandato de deputado federal, não atropelou barreiras legais ao fazer este tipo de trabalho.

O quadro fica menos simples quando se entra em nuances. Recolher os devidos impostos cobrados sobre as notas fiscais emitidas não resolve a questão. Palocci foi forçado a sair porque optou por manter a lista de clientes em segredo, algo natural e aceitável em consultorias normais, mas não se o consultor é uma pessoa influente no partido no poder, ex-ministro poderoso e que recebeu pagamentos de clientes durante a campanha política da presidente, da qual era coordenador. E a caixa registradora da firma de Palocci funcionou mesmo quando Dilma já ganhara o pleito, e ele era o virtual chefe da Casa Civil do novo governo. Não havia alternativa a não ser a despedida do governo.

Pimentel também não era um consultor qualquer, como têm revelado reportagens do GLOBO. Ex-prefeito de Belo Horizonte, parte-chave na montagem de uma frente plural com a participação do PSDB de Aécio Neves, Fernando Pimentel se manteve influente na capital mineira com a vitória de Marcio Lacerda (PSB), candidato da frente, na sua sucessão. A ponto de Otílio Prado, exonerado do cargo de assessor pelo prefeito Pimentel, a horas do fim do mandato, ter sido renomeado no mesmo posto pelo prefeito Lacerda. Prado era sócio do atual ministro na P-21 Consultoria e Projetos Ltda.

De Palocci não se conheceram os clientes. De Pimentel sabe-se bem mais, e o quadro não o favorece, porque há indícios da prática de lobby junto à prefeitura, bem como de coleta de dinheiro "não contabilizado" para caixa dois político-partidário.

Não o ajuda o fato de ter prestado consultorias, por exemplo, para a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), quando sempre foi notória sua ligação pessoal com a ainda ministra Dilma Rousseff, já cotada para receber o "dedazzo" de Lula. Robson Andrade, presidente da Fiemg, o cliente, explicou que os serviços de Pimentel foram contratados para preparar projetos a fim de serem apresentados também ao governo federal. Hoje, Andrade é presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O caso de Fernando Pimentel não pode ser incluído na safra de escândalos em que uma miríade de ONGs foi usada para roubar dinheiro público. Ou colocado no mesmo plano dos balcões de negociatas, abertos por partidos em ministérios para superfaturar compra de bens e serviços pelo governo, e embolsar a diferença.

O problema do ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior se encaminha para ser enquadrado no escaninho dos desvios de conduta observados entre quadros do PT. Não será o primeiro curto-circuito causado em hostes petistas devido à proximidade descuidada entre política e negócios.

JAPA GOSTOSA


Caixa de pandora - RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP 09/12/11


Mesmo com a temperatura do caso Fernando Pimentel em elevação, o governo tem olhos para uma outra encrenca explosiva: o litígio entre PT e PMDB na Caixa Econômica Federal. O primeiro choque opôs o petista Jorge Hereda, presidente, e o vice Geddel Vieira Lima (Pessoa Jurídica), a propósito da venda da folha de pagamento da Bahia à CEF. No segundo, o vice Fábio Cleto (Loterias) se recusou a apoiar iniciativa que visa impedir o uso de recursos do FGTS em empreendimentos comerciais relacionados à Copa e à Olimpíada.

Hereda resolveu tocar a vida passando ao largo de Geddel e Cleto. O PMDB já foi se queixar no Planalto.

Pode vir quente Em meio a esse clima de faca nos dentes, Hereda e os vices Marcio Percival (Finanças) e Marcio Vasconcelos (Ativos de Terceiros) estão "convidados" a ir à Câmara na próxima terça-feira explicar o caso PanAmericano.

#paloccifeelings Do senador Walter Pinheiro (PT-BA), sobre a possibilidade de seu correligionário Fernando Pimentel ter de ir ao Congresso falar sobre suas atividades de consultor: "Ele vai terminar vindo. É natural. Tudo que é ministro veio. Depois da DRU, vamos tratar disso".

Zzzzzz... Álvaro Dias (PSDB-PR) foi o único oposicionista a comparecer ontem ao depoimento do desgastado ministro Mário Negromonte (Cidades), que foi ao Senado responder sobre o passivo de sua pasta. Quanto alguém perguntou ao tucano por onde andavam os colegas, ele brincou: "Não sei, acho que estão com sono..."

Cenários 1 Depois de tantas ameaças e tensões veladas, a Secretaria de Relações Institucionais chegou ontem ao Senado com dois cálculos para a DRU: o primeiro, mais conservador, previa a aprovação com 54 votos. O segundo, que acabou se confirmando, com 59.

Cenários 2 De um veterano do Senado, ao examinar o placar: "O 'Diário Oficial' será gordo em dezembro".

Tchau, Pateta Sérgio de Souza (PMDB-PR), suplente que herdou a vaga de Gleisi Hoffmann no Senado, estava na Disney até quarta. Quando o governo percebeu que a DRU iria mesmo a voto, determinou sua volta às pressas.

All right Quem liga para o "Viva Voz", serviço telefônico de orientação sobre drogas do Ministério da Justiça, ouve, enquanto espera atendimento, a canção "Don't Worry", de Bob Marley, que foi usuário declarado e apologista da maconha.

Reprise Expressão-chave do programa de TV petista levado ao ar ontem, "mobilize" foi também o slogan escolhido por José Serra para sua ofensiva de propaganda na internet na campanha presidencial de 2010.

Touchscreen Alegando alto custo da operação, o PSDB paulistano descartou usar urnas do TRE nas prévias, que serão oficialmente marcadas para 4 de março em reunião na próxima terça-feira. Como opção para computar os votos de até 20 mil filiados, o partido estuda montar cabines com tablets, por onde trafegariam os dados, criptografados.

Bem me quer Segundo pesquisa da Controlar, 81% dos que fazem a inspeção veicular estão satisfeitos com o trabalho da empresa, alvo de investigação do Ministério Público que aflige a gestão de Gilberto Kassab (PSD).

Mal me quer O levantamento revela que 81% dos usuários só se submetem à triagem por imposição legal.

com LETÍCIA SANDER e FÁBIO ZAMBELI

TIROTEIO

"Na propaganda de TV, o PT cita a 'Primavera Árabe' como símbolo dos novos tempos de democracia. Só faltou mostrar Gaddaffi, ícone da ditadura sangrenta e amigo de Lula."

DO LÍDER DO PSDB NA CÂMARA, DUARTE NOGUEIRA (SP), sobre o fato de o PT ter usado, em programa exibido ontem, imagens dos protestos no Cairo como exemplo de mobilizações populares bem-sucedidas, "pulando" o caso da Líbia.

CONTRAPONTO

Cheias de amor

Tão logo encerrada a votação da DRU em primeiro turno no Senado, Ideli Salvatti surgiu toda animada no plenário, onde contava aos quatro cantos:
-Eu relatei o placar para a presidente, e ela me perguntou três vezes: 59 votos? 59 votos? 59 votos?
A ministra das Relações Institucionais disse ter encerrado rapidinho a conversa com a chefe, a quem explicou:
-Desculpe. Estou indo lá no plenário dar uns beijos.
E Dilma para ela:
-Beije todos por mim!

Linha em carretel - DORA KRAMER


O Estado de S. Paulo - 09/12/11


O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior chega ao fim da semana mais enrolado do que quando começou a se explicar sobre suas atividades como consultor no período entre o fim da gestão como prefeito de Belo Horizonte e a eleição de Dilma Rousseff.

Sobre o caso Fernando Pimentel incidem basicamente duas dúvidas: se houve tráfico de influência e qual a natureza precisa dos serviços prestados em consultoria.

Até agora nenhuma delas foi dirimida. Ao contrário: quanto mais o tempo passa, quanto mais se fala, mais aparecem novos aspectos, mais se complica a situação do ministro que à primeira vista não parecia assim tão complicada.

Hoje, a avaliação no governo e nos partidos aliados é a de que o cenário da fragilização de Pimentel está irremediavelmente posto. Alvo da desconfiança de ter sido favorecido e de ter favorecido empresários, perdeu as cordas vocais para atuar como interlocutor desse setor.

O fato de o governo ter orientado sua base parlamentar a rejeitar convocação do ministro para falar na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara não ajudou a desanuviar o ambiente.

Aqui, de novo, deu-se o oposto: alimentou-se a impressão de que o caso de Pimentel guarda desconfortável semelhança com o de Antônio Palocci.

O então chefe da Casa Civil resistiu por 23 dias sem informar o nome dos clientes, sendo protegido de todas as formas pela base governista. O titular do Desenvolvimento disse logo de início quem eram alguns de seus clientes, mas a julgar pelos detalhes que vão sendo revelados ao ritmo de conta-gotas, contou da missa menos da metade.

Se é verdade que desde o primeiro momento a presidente recomendou ao amigo transparência absoluta, não foi atendida.

Pego no exercício da meia-verdade, Fernando Pimentel deu início ao processo de sangramento. Sobre o destino dele existem duas versões. A mais fraca delas reza que estaria a salvo pelo fato de ser muito próximo à presidente, um nome - dos únicos, talvez o único - bancado por ela na composição do ministério.

A mais forte estima que exatamente por ser amigo de Dilma é que Pimentel tomará a iniciativa de sair tão logo chegue à conclusão de que já não dispõe de credenciais políticas e administrativas para continuar no cargo.

Não se deixaria crucificar por muito tempo em público porque, diferentemente de alguém como Carlos Lupi, tem uma reputação a zelar. Tem o que perder ficando além do aconselhável para si e para a própria presidente.

Nesse caso, a proximidade com Dilma funcionaria contra e não a favor da permanência.

Na encolha. Chama atenção nas hostes governistas e oposicionistas o silêncio do senador Aécio Neves sobre a crise ética que assola o governo e põe a presidente da República na contingência de se livrar de ministros praticamente à razão de um por mês, se considerarmos que a série foi aberta em maio por Antônio Palocci.

Em relação a Fernando Pimentel a explicação estaria na relação política que os dois construíram quando eram, respectivamente, prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais.

Mas, para quem no início da legislatura apresentou-se em discurso no Senado como o principal líder da oposição, a ausência de Aécio no embate - notadamente da tribuna que em tese serviria para dar densidade à postulação da candidatura a presidente em 2014 - causa estranheza.

Paralisante. Diagnóstico de ex-ministro, integrante do governo Lula: a paralisia da máquina administrativa deve-se às sucessivas crises nos ministérios, mas deve-se principalmente ao temperamento da presidente Dilma Rousseff, que inibe a atuação dos ministros.

Na Esplanada é geral o medo de falar e visível o temor de agir para não desagradar à chefia.

No Twitter. @sandrovaia: "E que tal um controle social das consultorias petistas?".

Crise, improvisação e lobby - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK


O Globo - 09/12/11

O crescimento zero no terceiro trimestre não deixa dúvida sobre a rapidez da desaceleração da economia. A questão agora é se o governo saberá enfrentar a adversidade sem perder de vista objetivos de longo prazo, sem cair no ativismo improvisado e sem deixar que a reação da política econômica fique ao sabor de interesses especiais que, a cada dia, parecem ganhar mais força em Brasília.

Na discussão sobre as causas da rápida desaceleração do crescimento, muita atenção tem sido dada à queda do consumo. Mas é bom não esquecer a retração do investimento. Para justificar a guinada brusca da política monetária anunciada há alguns meses, o Banco Central teve de carregar nas cores do agravamento do quadro econômico mundial. Especialmente no que diz respeito à rapidez da deterioração que deveria ser esperada. A insistência do BC no aviso de que, dessa vez, não se tratava de simples "marolinha", e, sim, de um maremoto, e de que o perigo era iminente, parece ter provocado parada súbita no investimento privado, além de forte desestímulo a decisões mais ousadas de consumo. Não tivesse tal alarme sido acionado só no fim de agosto, os efeitos sobre o nível de atividade do terceiro trimestre teriam sido ainda mais fortes do que foram.

O impacto da retração do investimento privado foi agravado pela queda, em paralelo, do investimento público. Por razões completamente distintas. O governo jamais teve intenção de cortar investimentos em 2011. Sempre deixou isso mais do que claro. Mas, na esteira da interminável onda de escândalos dos últimos meses, viu-se obrigado a desmantelar as cadeias de comando que acionavam o investimento público em vários ministérios. E, como até hoje não conseguiu remontá-las, vai investir este ano muito menos do que havia programado. E bem menos do que foi investido no ano passado.

Na verdade, a gestão do investimento público na esfera federal é hoje um dos pontos mais vulneráveis do governo. Sobre isso, mais eficaz que 10 mil palavras é a foto do canal de transposição do Rio São Francisco, inacabado e já em ruínas, publicada no Estadão de domingo passado. É difícil imaginar retrato mais contundente do desleixo e do desperdício que têm marcado a gestão de programas de investimento público no país. Quem não viu a foto, pode vê-la em www.estadao.com.br/e/transposicao

Para enfrentar a desaceleração do crescimento, o melhor que o governo poderia fazer seria restaurar tão rapidamente quanto possível sua capacidade de investimento e, ao mesmo tempo, criar condições propícias para a recuperação do investimento privado. O problema é que o governo poderá ficar tentado a simplesmente insistir em novas medidas específicas de incentivo ao consumo.

É preciso ter em mente que o cálculo político do Planalto se tornou bem mais adverso. O horizonte encurtou. Lá se foi o primeiro ano do mandato. E, com ele, a expectativa de que, em alguma medida, a prosperidade de 2010 poderia ser reproduzida em 2011. Tudo indica que o crescimento do PIB mal chegará a 3%. A inflação permanece bem acima da meta. E no mês que vem uma economia estagnada terá de absorver um reajuste do salário mínimo de mais de 14%. As perspectivas da economia mundial não são nada promissoras. E a complexa coalizão governista já começa a reposicionar forças para, em menos de dez meses, disputar eleições municipais.

Não será surpreendente se, nesse quadro, a reação da política econômica à crise for marcada pelo ativismo improvisado e imediatista, ao sabor de lobbies de todo tipo. É o mínimo que se pode concluir quando se vê que, em vez de privilegiar medidas horizontais e bem concebidas de estímulo à demanda, o governo se permitiu incluir no pacote anunciado na semana passada algo tão particularista como, por exemplo, a desoneração de eletrodomésticos da linha branca. É por isso que, dia a dia, cresce o número de empresas que constatam que o melhor uso que seus executivos podem dar ao tempo é tomar um avião para Brasília, e tentar extrair favores especiais do governo.