Estava estranho aquele Lula logo atrás de Dilma Rousseff enquanto ela discursava para a militância petista. Ausente, cofiava o bigode, alisava a barba, enxugava o rosto e raramente olhava para ela. Aplaudiu poucas vezes e apressou-se com as palmas quando percebeu que Dilma concluiria. Era um momento penoso, fazia um calor de rachar e sua camisa estava ensopada, mas Lula é um profissional de palanque. Um simples gesto teria cortado esse constrangimento explícito.
A rainha de copas saiu do baralho, mas o rei de paus está na mesa. Gilberto Carvalho, assessor e confidente de Lula durante os dois mandatos em que governou o país, informou: “Ele vai continuar a luta. Vai andar pelo Brasil todo” buscando uma “unidade de ação” contra o governo de Temer.
Lula promete “percorrer o Brasil” desde 2014, quando começou a Lava-Jato. Promete, mas não vai. Já se foi o tempo em que percorreria o Brasil de ônibus juntando multidões e simpatia. Seus últimos percursos deram-se em jatinhos de amigos. Admita-se que ele de fato tente formar uma frente oposicionista ao governo Temer.
Com 13 anos de poder, o comissariado petista tem conhecimentos para fazer oposição parlamentar, tanto a construtiva como a destrutiva. (Tem também um arquivo superior ao do juiz Sérgio Moro, mas deixa pra lá.)
Contudo, no universo político de Lula aparece outro tipo de oposição. Em fevereiro do ano passado, ele avisou: “Quero paz e democracia, mas também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”. (A ver se João Pedro Stédile tem exércitos sem verbas oficiais.) Poderia ser um arroubo de palanque, mas os grampos que captaram suas conversas telefônicas informam que, na noite de 9 de março passado, Lula contou ao presidente da CUT: “Hoje eu disse para os senadores que eu não quero incendiar o país! Eu sou a única pessoa que poderia incendiar este país... Eu não quero fazer como Nero, sabe? Não quero! Sou um homem de paz, tenho família”.
Lula sempre manipulou habilmente o radicalismo alheio. Não é à toa que estão na cadeia grandes empresários, o tesoureiro do PT e José Dirceu, chefe de sua Casa Civil. Todos foram para lá levados pela cobiça, nenhum por delitos decorrentes do radicalismo político.
O imaginário petista parece estar esperando um passo em falso de Temer. Discursando dentro do Planalto, Dilma especulou sobre a conduta de “um governo que não terá a legitimidade para propor e implementar soluções para os desafios do Brasil, um governo que pode se ver tentado a reprimir os que protestam contra ele”. Pouco depois, falando à militância, repetiu a praga.
Assim, são duas as cartas manipuladas. Lula com a ameaça do incêndio e Dilma com o verbo “reprimir”. Se as coisas continuarem no campo da retórica, tudo bem. Desde 2013, o povo vai à rua, o Brasil mudou com muito pouca violência. Além disso, no Brasil de hoje há um professor de Direito Constitucional na Presidência e outro, Alexandre de Moraes, no Ministério da Justiça. Tanto Temer como Moraes são também ex-secretários de Segurança de São Paulo. Moraes mostrou-se um chefe de polícia enérgico nos atos e apocalíptico nas palavras.
Referindo-se a desordeiros que bloquearam estradas, disse que “eles agiram como atos de guerrilha”.
Comparar quem bloqueia rua a guerrilheiro é uma manipulação semelhante à classificação dos assassinos de um marinheiro inglês que visitava o Rio como militantes da causa democrática, combatendo a ditadura do século passado.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota notável. Ele sabia que o PT devia deixar o Palácio e decidiu apoiar integralmente o governo de Michel Temer. Só não sabe por quê.
BRINCADEIRA
Em 1961, numa crise pior que a atual, Tancredo Neves tornou-se primeiro-ministro do governo de João Goulart e escolheu os seguintes ministros: Indústria e Comércio: Ulysses Guimarães. Trabalho: Franco Montoro. Fazenda: Walther Moreira Salles. Relações Exteriores: San Tiago Dantas. Não adiantou nada, mas todo o Ministério de Temer cabe na biografia de qualquer um deles e ainda sobra espaço.
INDICADOR
O economista Mansueto Almeida deverá ser o próximo secretário do Tesouro. Se for e se ficar até o fim do governo, terá sido uma escolha indicativa da boa qualidade dos propósitos de Temer.
Ele diplomou-se em políticas públicas pelo Massachusetts Institute of Technology.
Até aí, é pouco. Vale o que disse a sua professora Judith Tendler: “Um aluno como ele é um presente dos céus”.
(No início da sessão de fogos de artifício da caravana de Temer, apareceu o nome do professor Ricardo Paes de Barros para coordenar a área social. Sumiu, pois tem currículo mas não tem partido.)
MADAME NATASHA
Madame Natasha apoia o governo Temer porque ele teve a audácia de usar uma mesóclise no seu primeiro discurso:
“... Sê-lo-ia pela minha formação democrática...”.
Enfiar o pronome no meio do verbo exige competência e é um recurso elegante.
Natasha admira o presidente Jânio Quadros porque ele gostava de mesóclises. A mais famosa, talvez apócrifa, explicava seu prazer pelo uísque:
“Bebo-o porque é líquido. Se fosse sólido comê-lo-ia”.
AS VIVANDEIRAS ALVOROÇARAM-SE
Desde que foi criado, o Ministério da Defesa foi ocupado com suavidade por três civis. Os sábios da caravana de Temer conseguiram duas proezas.
O advogado Antonio Mariz de Oliveira foi convidado e recusou o cargo. Depois, apontaram o deputado Newton Cardoso Jr., filho do ex-governador mineiro de estrondosas lembranças. Seu nome saiu da roda depois que apareceu a temível referência ao descontentamento de chefes militares. Nomeou-se o deputado Raul Jungmann.
Deixando-se de lado as qualificações que a equipe de Temer viu em Newton Cardoso Jr., a memória nacional pede que se repita a frase dita pelo marechal Castello Branco em 1964, quando deparou-se com a desordem militar que engolfaria seu governo:
“Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar”.
Na anarquia militar do século passado, um dia levaram a um oficial o texto de um manifesto de coronéis contra o governo Vargas. Ele não assinou, pois era “indisciplina”. Meses depois levaram-lhe outro, dando solidariedade ao ministro da Guerra. Também não assinou: “Chefe não pode receber solidariedade de subordinado”.
Chamava-se Ernesto Geisel e em 1977 restabeleceu a autoridade da Presidência da República sobre os quartéis.
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