quarta-feira, outubro 14, 2015

Pedaladas, versão 2015 - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 14/10

Relatório mostra que prática condenada pelo TCU continuou a ser usada pelo governo neste ano, com ainda mais força que em 2014

Errar é humano; mas persistir no erro... Se alguém imaginasse que, após vir sendo advertida há meses pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as irregularidades detectadas na prestação de contas de 2014, a presidente Dilma Rousseff não se arriscaria a manter a mesma prática em 2015, teria errado na previsão. Sim, o governo federal continuou a pedalar repetidas vezes neste ano, segundo denunciou no início desta semana o Ministério Público de Contas. As pedaladas, de acordo com o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, somaram R$ 40 bilhões em recursos tomados ilegalmente do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica só no primeiro semestre de 2015 – ou seja, mais que em todo o ano passado.

As “pedaladas” consistem em não repassar às instituições financeiras estatais, dentro do prazo máximo de cinco dias, verbas que elas anteciparam para pagamento de obrigações do governo, tais como benefícios previdenciários e sociais. Na prática, trata-se de um empréstimo camuflado, mecanismo proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, utilizado abusivamente no ano passado, resultou, na semana passada, na aprovação unânime do relatório do TCU recomendando ao Congresso a rejeição das contas de 2014.

A repetição dos mesmos erros não se circunscreve apenas às “pedaladas” fiscais, mas também à edição de decretos abrindo créditos orçamentários suplementares sem comprovação de que não comprometeriam a meta fiscal. Segundo o Ministério Público do TCU, em 2015 já teriam sido baixados seis decretos neste sentido, ampliando gastos no valor global de R$ 2,5 bilhões (em 2014 totalizaram R$ 40 bilhões).

Para impedir a condenação pelas “pedaladas” de 2014, o governo recorreu ao cinismo do “todo mundo faz” para evitar a derrota no TCU. Como a explicação não funcionou, não surpreenderia se, para justificar as “pedaladas” de 2015, o governo resolvesse invocar as dificuldades que vem enfrentando para implementar o ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Tentativas de reequilibrar as finanças públicas mediante principalmente aumentos da carga tributária têm encontrado barreiras políticas – como ainda recentemente se deu com o bate-e-volta da pretensão de reinstituir a CPMF, contribuição que, diz o governo, teria duração de alguns anos e aliviaria o déficit previdenciário, um dos setores que impõem ao Tesouro as maiores sangrias. Mas quem disse que isso é pretexto para cometer ilegalidades?

Ao recorrer às “pedaladas” também em 2015, o governo mostra a desproporção entre a avidez com que se busca aumentar a arrecadação e o esforço para conter os gastos públicos. Medidas periféricas, como as que levaram a presidente a extirpar oito dos seus ministérios, nada representam senão uma pífia ação de marketing que acabou se convertendo numa desastrada tentativa política para conquistar setores do PMDB e recuperar a fidelidade da base no Congresso. Em suma, não aconteceu o tal “corte na carne” – isto é, uma redução drástica das despesas e do desperdício, como seria desejável.

Ao contrário, apesar de conhecer as restrições legais que a impediriam de “pedalar” e de “criar” dinheiro mediante decretos, e de saber também que o TCU já vinha havia meses advertindo o governo quanto às irregularidades, Dilma persiste teimosamente em fazer mais do mesmo. O espanto é ainda maior quando se recorda que tais atos constituem-se em poderosos combustíveis para os que pregam o impeachment da presidente – há, inclusive, a possibilidade de que as pedaladas de 2015 sejam acrescentadas aos pedidos de impedimento que aguardam avaliação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Neste caso, aqueles que defendem a impossibilidade de impeachment de Dilma por irregularidades cometidas no primeiro mandato, quando já estamos no segundo – argumentação, a nosso ver, desprovida de consistência –, ficariam em uma posição bem mais frágil.

Não vale o mantra do “eu não sabia” tão usado pelo seu predecessor, criador e mentor político, o ex-presidente Lula. Pior é saber e persistir.


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