O ESTADO DE S. PAULO - 14/10
A presidente da República surpreendeu quase todos ao afirmar, na semana passada, que estava vendo luz no fim do túnel. A metáfora absurda serviu de pretexto para ironias sobre a extensão do "túnel" e a verdadeira origem do foco de luz que teria sido vislumbrado pela presidente em meio à sua premonição. Comparações fáceis foram feitas com o novo túnel de base de São Gotardo, entre a Suíça e a Itália, e seus 57 quilômetros de extensão. Foi, também, recuperada a surradíssima menção à luz no fim do túnel como tendo origem em trem em sentido contrário na mesma via.
À medida que se agrava o quadro de ingovernabilidade do País, Dilma Rousseff vem sendo submetida a pressões brutais. Mereceria pena, não estivesse arrastando o Brasil para uma crise cada vez mais aguda, após memorável estelionato eleitoral. Está pagando o preço da vitória eleitoral com promessa de crescimento com inflação sob controle. A presidente é coadjuvante proeminente de Lula na obra de destruição das conquistas macroeconômicas herdadas pelo PT em 2003.
Há quase que unanimidade quanto às dificuldades de um cenário no qual a presidente resista às iniciativas de abreviação de seu mandato, tanto no Congresso Nacional quanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Simplesmente não há sangue para sangrar por mais de três anos. E difícil de imaginar mais de três anos de desgoverno.
Embora a crise que pode abreviar o seu mandato esteja se aproximando de um desenlace, seria totalmente equivocado qualquer otimismo quanto a cenários futuros.
O eventual impeachment ou cassação de chapa - submetidos, respectivamente, ao Congresso Nacional, com parecer de rejeição de contas pelo Tribunal de Contas da União; e ao TSE - poderá dar lugar a dois cenários bem diferentes. De um lado, apenas o impedimento da presidente; de outro, o impedimento da presidente e do vice-presidente, Michel Temer. A posição periclitante do deputado Eduardo Cunha, em meio à divulgação de detalhes de suas contas suíças, sugere que poderá adotar tática de maximização de danos e procurará arrastar a presidente ao impedimento pelo Congresso Nacional.
A alternativa Temer pode ser de interesse, é claro, do PMDB, de pequenos partidos da atual coalizão governista e, também, de segmentos descontentes do PSDB. Não há nenhum indício de que a preponderância do PMDB possa assegurar estabilidade política na transição para 2018.0 que circula como possível estratégia econômica de um governo Temer não parece ser mais do que versão atucanada de desenvolvimentismo, apenas com leve mudança de idéias fixas.
O impeachment duplo levaria a novas eleições presidenciais, nas quais não haverá incentivo para que os candidatos apresentem programas que retratem o que real mente pretendem fazer, caso eleitos. Promessa de prudência macroeconômica não ganha eleição. Em meio à crise,haverá incentivo à disseminação da mentira eleitoral, ao estilo Dilma Rousseff 2014. As votações de temas controvertidos relacionados ao ajuste fiscal revelaram um PSDB tão irresponsável quanto o PT na oposição a FHC. A racionalização da esquizofrenia como cálculo político retirou do partido sua legitimidade como defensor de políticas econômicas sensatas e prudentes.
Em todos os cenários, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal terão sua composição preservada. Ou seja, serão ainda evidentes as marcas da generalizada corrupção sistemática ou sistêmica que contaminou o processo político. Nunca antes neste país a corrupção afetou de forma tão significativa a composição do Congresso.
A principal crise que atinge o País é política. É essencial cortar o elo entre corrupção que afeta o aparelho de Estado e o sistema político. Sem a mobilização suprapartidária dos políticos que não estejam comprometidos com o fisiologismo que nos levou à crise, tal desafio se tomara uma missão impossível.
*DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO
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