A crise política e econômica em que o Brasil está mergulhado não caracteriza uma situação estável. Ou seja, do jeito que está não ficará por muito tempo. Ou a presidente Dilma Rousseff toma medidas drásticas na área fiscal e sai das cordas ou a deterioração de expectativas pode conduzir a economia brasileira para um desastre.
Estamos num círculo vicioso. A percepção do fracasso do ajuste fiscal eleva o risco soberano, que, por sua vez, provoca depreciação do real e, consequentemente, aumenta a inflação esperada. Com isso, os juros de mercado sobem, tornam mais caro o financiamento da dívida pública (mesmo que o Banco Central não aumente a taxa básica, a Selic) e o risco soberano volta a crescer. Assim, fecha-se o círculo: risco, câmbio, inflação, juros, risco...
Se o círculo não for quebrado, o crescimento da inflação será inevitável. Ao mesmo tempo, a deterioração da confiança paralisa investimentos, derruba o consumo, leva os bancos a contraírem o crédito e, portanto, aprofunda a recessão.
Em situações como esta, as políticas monetária e cambial perdem a efi- cácia. De nada adiantaria o Banco Central subir a taxa básica de juro para tentar conter a depreciação cambial e a inflação. Estamos em plena dominância fiscal, ou seja, na situação em que o aumento dos juros, ao piorar a situação fiscal, aumenta mais do que proporcionalmente o risco soberano, fazendo com que a taxa de juro livre de risco caia, ao invés de subir. Isso provoca mais depreciação cambial, o que realimenta o círculo vicioso sobre o qual falamos.
São descabidas, também, as sugestões para que o Banco Central venda dólares das reservas cambiais. Argumenta-se que, com isso, não só se conteria a depreciação do real, comotambém se melhoraria a situação fiscal pela redução do custo de carregamento das reservas. A proposta é ingênua. A elevação da taxa de câmbio equivale à febre de um paciente que está com uma infecção bacteriana. É o sinal de que o organismo não está bem. Vender dólares, sem mudar o regime fiscal, é o mesmo que conter a febre com antitérmicos, banhos frios, etc., e, assim, silenciar o sinal, mas não administrar antibióticos potentes para curar a infecção. É um artificialismo que, ao reduzir a taxa de câmbio, chamará mais compradores e tornará o organismo econômico ainda mais debilitado.
Ajuste fiscal. Na verdade, não está havendo ajuste fiscal algum, mas apenas uma contenção orçamentária impossível de ser mantida ao longo do tempo. As propostas enviadas ao Congresso, além de não combaterem as causas da deterioração das contas públicas, se aprovadas, apenas garantiriam que o superávit primário chegasse, em 2016, a 0,7% do PIB. Se assumirmos a hipótese otimista e irrealista de que nos dois anos seguintes esse superávit alcance 1,2% e 2,0% do PIB, dado o cenário de recessão e a projeção de juros com que trabalhamos, a dívida pública bruta atingiria 75% do PIB, em 2017 e 2018. Era de 53%, no fim de 2013. Tal deterioração já seria suficiente para o Brasil perder o grau de investimento nas duas outras agências relevantes classificadoras de risco, a Moody’s e a Fitch.
Mas a situação real é muito pior. O pacote fiscal enviado ao Congresso tem bai- xíssima chance de ser aprovado, pelo menos na sua integridade. Foi mal elaborado, mexeu com muitos interesses simultaneamente, irritou o Congresso ao propor a utilização das emendas parlamentares para bancar compromissos já constantes do Orçamento e, por fim, propôs a recriação, mediante emenda constitucional, de umtributo de péssima qualidade, que semanas antes havia sido veementemente rechaçado por lideranças empresariais e políticas, qual seja, a fami- gerada CPMF.
A reforma ministerial anunciada na sexta-feira pode ter reduzido as chances de impeachment da presidente, mas não aumentou a probabilidade de aprovação das medidas fiscais. Mesmo a proteção do mandato presidencial não é definitiva. Pode fraquejar, a depender da evolução das condições econômicas e sociais do País, da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) e, também, da Operação Lava Jato. São visíveis na reforma a mão pesada de Lula e o crescimento de sua influência sobre a presidente. O problema é que o ex-presidente tem se colocado publicamente contra o ajuste fiscal que, a duras penas, o ministro Joaquim Levy tenta levar à frente.
Necessidade de agir. Enquanto as propostas do “ajuste fiscal” tramitam aos trancos e barrancos no Congresso e medidas da pauta-bomba são aprovadas, o que se vê é a presidente encurralada, submissa aos caciques do PMDB e, agora, mais claramente, a Lula. Nesse quadro, a recessão se agrava, o mercado se deteriora e pioram as expectativas de inflação. A situação requer que Dilma saia do imobilismo e comece a governar.
Nossa proposta é que, sem recuar das medidas que tramitam no Congresso, o governo lance mão de aumentos de tributos e cortes adicionais de gastos que não necessitam de aprovação legislativa. Por exemplo, a elevação da Cide sobre a gasolina tipo A do atual R$ 0,10 para R$ 0,60; e o aumento das alíquotas do IOF de 50% sobre os níveis atuais e também de 50% das alíquotas do IPI sobre produtos importados possibilitariam arrecadação adicional de cerca de R$ 44,3 bilhões, em 12 meses (R$ 9,6 bilhões para Estados e municípios e R$ 34,7 bilhões para a União), sem considerar a receita adicional do ICMS decorrente da provável elevação do preço do etanol. Concomitantemente, mais cortes de gastos, inclusive no PAC e em alguns programas sociais.
São medidas amargas, com efeitos colaterais adversos, mas a situação é de emergência. No incêndio, não se olha a qualidade da água utilizada para apagar o fogo. Feito isso, o Executivo encaminharia ao Congresso propostas de reformas estruturais, como a da Previdência, por exemplo. Dificilmente teria sucesso nessa última questão, mas a presidente sairia das cordas e mostraria que ainda tem condições de governar.
A situação atual não pode perdurar. A presidente Dilma Rousseff precisa agir, ou, se não quiser ou não puder, deveria renunciar.
Resta ao governo lançar mão de medidas amargas. Mas, no incêndio, não se vê a qualidade da água que vai apagar o fogo
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