O GLOBO - 28/10
A eleição presidencial mais parelha dos 125 anos de República deixa o país dividido entre os que produzem e pagam impostos e os beneficiários de programas sociais
A 21ª eleição presidencial direta ganha o merecido destaque nos 125 anos de história da República brasileira. O seu desfecho foi não só o mais parelho desde 1989, quando Collor venceu Lula, como de todos os tempos, com a vitória da candidata petista à reeleição, Dilma Rousseff, por apenas 3,2 pontos percentuais sobre o oposicionista tucano Aécio Neves, metade da já estreita margem observada em 89: 51,64% contra 48,36%, uma diferença, em grandes número, de 3 milhões de votos, equivalente a um eleitorado pouco maior que o da Paraíba. O desenho esboçado no primeiro turno, com a divisão do país em dois grandes blocos, recebeu traços mais fortes: grosso modo, o Norte-Nordeste perfilado ao PT, o Sudeste-Sul-Centro/Oeste com a oposição. Fica evidente que o país que produz e paga impostos — pesados, ressalte-se — deseja o PT longe do Planalto, enquanto aquele Brasil cuja população se beneficia dos lautos programas sociais — não só o Bolsa Família —, financiados pelos impostos, não quer mudanças em Brasília, por óbvias razões.
Este comportamento eleitoral previsível foi explorado pelo PT. A campanha de Aécio denunciou uma série de golpes baixos desfechados para aterrorizar beneficiários desses programas — considerando os dependentes, apenas o Bolsa Família congrega uma clientela de 50 milhões de pessoas, um quarto da população brasileira, muitos deles eleitores. Há registro de mensagens recebidas por bolsistas de que Aécio acabaria com o BF, o mesmo tendo ocorrido com participantes do Minha Casa Minha Vida. Quem teria acesso a esses cadastros a não ser gente do governo? A arma do terrorismo é peça de artilharia da marquetagem eleitoral já conhecida. Mas, desta vez, seu emprego teria aumentado de escala.
Partidos do governo, num país como o Brasil, de grandes desníveis sociais e regionais, costumam cavar trincheiras nas áreas mais pobres, por serem elas as mais dependentes de repasses de recursos públicos. Não é novidade. A ressalva está na demarcação de um forte sentimento antipetista no Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mais que em outros pleitos.
A avassaladora antipetização do Estado de São Paulo, o mais populoso e rico da Federação, leva mensagem que precisa ser decifrada pelo Planalto e partido. O mais otimista tucano não poderia esperar que um mineiro receberia 15,3 milhões de votos no estado, 64,3% do colégio eleitoral paulista, contra 35,6% confiados a Dilma. Foi dura a derrota do PT no estado em que nasceu, inclusive na região específica do ABC, na qual o movimento sindical dos metalúrgicos, na década de 70, gerou Lula e outras lideranças do partido e da CUT.
Em contrapartida, o mais pessimista tucano não imaginaria que Aécio perderia na própria Minas, no primeiro turno e no segundo. No primeiro, além de ficar atrás de Dilma, não conseguiu que seu candidato Pimenta da Veiga impedisse Fernando Pimentel (PT) de vencer a eleição para governador no primeiro turno. No segundo, o máximo que o tucano conseguiu foi reduzir danos, perder para Dilma por uma diferença menor (52,4% a 47,6%). O equívoco na escolha para disputar Minas de um político já desligado do Estado, uma demonstração de excesso de confiança, se somou à enorme e nada surpreendente vitória de Dilma no Nordeste e Norte para explicar a derrota de Aécio, na maior chance que a oposição teve de voltar ao Planalto desde a primeira vitória de Lula, em 2002.
Foi, portanto, com justificada alegria que Dilma, Lula e correligionários subiram ao palco, num hotel em Brasília, na noite de domingo, para comemorar a difícil vitória. O fato de Dilma e Lula estarem de branco, e uma bandeira do Brasil ficar exposta no púlpito, foi um símbolo positivo: os dois fizeram questão de não trajar o vermelho partidário, forma de sinalizar uma adequada preocupação em engavetar, pelo menos naquela hora, a paixão partidária. Que continue assim.
No primeiro discurso como candidata reeleita, a presidente reforçou a mensagem simbólica ao dar um importante aceno, mesmo sem admitir a divisão do país: “algumas vezes na história, os resultados apertados produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas. (...) Minhas primeiras palavras são de chamamento da base e da união. (...) Esta presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo."
O discurso, infelizmente, teve partes contraditórias, como se houvesse sido escrito por dois redatores diferentes. Esta parte da proposta de diálogo, e uma outra, em oposição ao entendimento, de defesa de uma reforma política por meio de plebiscito, já rejeitada pelo Congresso, no ano passado, quando a ideia foi gestada em frações nacional-populistas do PT, em meio às manifestações de junho, e levadas a Dilma.
Ora, se em 2013 a ameaça de inspiração chavista de escantear o Congresso por meio de uma consulta popular para viabilizar projetos petistas — eleição em lista fechada, financiamento público de campanha, etc — já não prosperou, na próxima legislatura é que não vingará mesmo. Afinal, no Congresso que assume em 2015, o PT continuará o maior partido da Câmara (70 deputados), porém com a supressão de 18 cadeiras. O PMDB, contra o plebiscito, perderá menos deputados — 66 contra 71 —, e ainda haverá um PSDB com 54 cadeiras, dez a mais que no Congresso que está em fim de legislatura. Isso sem considerar a forte bancada que a oposição terá no Senado, com a volta dos tucanos José Serra (SP) e Tasso Jereissatti (CE), que se juntam a Aloysio Nunes e Aécio, donos de ainda quatro anos de mandato, tendo o candidato derrotado por Dilma saído da eleição como forte líder das oposições. A melhor alternativa é negociar alterações tópicas e eficazes: cláusula de barreira e fim das coligações em eleições proporcionais.,
Erra Dilma ao anular seu aceno de diálogo com a reafirmação de uma proposta que crispará os ânimos a partir de 2015. Entende-se que ela, no domingo, precisava animar a militância. Mas exagerou. Em vez de semear conflitos, a presidente reeleita deve tratar de começar a desatar nós cegos que existem na economia — razão pela qual os mercados regiram ontem com mau humor aos mais quatro anos deste governo. Esta urgente lição de casa passa pela escolha de nomes para postos-chave da área econômica que mostre que a presidente não cometerá o erro fatal de dobrar a aposta numa política fracassada. Os sinais são gritantes: inflação engessada em torno do limite superior da meta (6,5%), estagnação na produção com inexoráveis reflexos no mercado de trabalho — um trunfo eleitoral que se esvai —, contas externas em sério desequilíbrio e contas públicas desalinhadas e em total descrédito.
Este quadro também foi denunciado pela metade do país que ficou na oposição. Faz parte da mensagem a ser entendida.
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