O GLOBO - 13/05
Segundo o Instituto Kellogg, para cada real aplicado nas campanhas, as doadoras obtêm R$ 8,50 em contratos públicos
A democracia não tem preço, mas as eleições brasileiras estão cada vez mais caras. O ciclo eleitoral completo para presidente, governadores, senadores, deputados, prefeitos e vereadores movimentou, nos últimos quatro anos, cerca de R$ 9,5 bilhões. A soma inclui as doações, o Fundo Partidário e a isenção fiscal às emissoras para a transmissão do horário eleitoral gratuito. As verbas oficiais não incluem a dinheirama que circula em malas, meias e cuecas. A título de comparação, somente o caixa 1 supera os R$ 8,1 bilhões previstos para as 45 obras de mobilidade urbana da Copa 2014.
Nos bilhões das últimas eleições municipais existem várias curiosidades. Entre elas, quais seriam os motivos que levaram um empresário a doar, como pessoa física, quase R$ 3 milhões a partidos políticos adversários, sendo R$ 1,9 milhão para o Diretório Nacional do PT e R$ 1 milhão para o Diretório Estadual do PSDB? Como explicar que 4.443 candidatos tenham feito autodoações superiores a 50% dos bens que declararam à Receita Federal?
Quanto às doações de pessoas jurídicas, a maioria dos ministros do STF já decidiu proibi-las, mas o julgamento ainda não foi concluído. Assim, em 2014, os empresários continuarão a dar as cartas. Até mesmo nos anos sem eleições, as empresas bancam generosamente alguns partidos, notadamente os governistas e aqueles com perspectivas de poder, chegando ao ponto de quase 100% das doações serem empresariais. Em 2013, por exemplo, o PT recebeu o total de R$ 79,8 milhões e o PSDB, R$ 20,4 milhões. Curiosamente, o PSB, do candidato Eduardo Campos, amealhou R$ 8,3 milhões, quantia surpreendente para uma agremiação com arrecadação zero em 2009 e 2011. Em resumo, de 2011 a 2013, o PT arrecadou quatro vezes mais do que o PSDB e quase 12 vezes mais do que o PSB. É uma união promíscua entre o capital e o trabalho.
As doações atendem ao princípio franciscano do “é dando que se recebe”. Conforme estudo do Instituto Kellogg, para cada real aplicado nas campanhas eleitorais, as empresas obtêm R$ 8,50 em contratos públicos. Além do excepcional retorno financeiro, os empresários colocam azeitonas nas próprias empadas, haja vista que dos 594 parlamentares, 273 são empresários (46%) e 160 compõem a bancada ruralista (27%), conforme dados do Departamento Intersindical de Assistência Parlamentar (Diap).
A cada eleição os custos sobem exponencialmente. Para eleger-se em 2010, cada deputado federal gastou, em média, R$ 1,1 milhão; os senadores, R$ 4,5 milhões; os governadores, R$ 23,1 milhões. Assim, mal tomam posse e os políticos já estão preocupados com verbas para a renovação do mandato. Parodiando Fernando Pessoa às avessas, tudo vale a pena se a doação não for pequena. Como consequência, de cada dez inquéritos sobre corrupção na Polícia Federal, seis envolvem questões eleitorais.
Diante desses fatos, o veto às doações das pessoas jurídicas resolverá apenas parte do problema. Sem o caixa empresarial, será imprescindível a fixação de limites que reduzam os custos das campanhas eleitorais, tal como previsto em lei desde 1965. A definição de um teto nacional e de tetos regionais — compatíveis com os PIBs estaduais e municipais — irá atenuar os efeitos do poder econômico. Tetos iguais para cargos e regiões, associados à transparência plena quanto às receitas e despesas, irão desidratar o caixa 2, pois os próprios candidatos estarão de olho nos adversários.
A retração dos recursos empresariais também poderá ser compensada com o melhor uso do Fundo Partidário e das isenções fiscais. Exemplo de desperdício são as propagandas políticas, repetidas seguidas vezes em horário nobre. Que dirá o pagamento de advogados com o Fundo para defesa de condenados dos partidos.
Enfim, a próxima eleição ainda não será a que desejamos. De positivo, a resolução do TSE que elimina as “doações ocultas” ao exigir nas prestações de contas os CPFs e os CNPJs dos doadores originais. No próximo governo, porém, quaisquer que sejam os eleitos, temas como os sistemas eleitorais, formas de financiamento, voto facultativo, reeleição, candidaturas avulsas, entre outros, precisam ser enfrentados, ainda que não exista consenso.
No momento em que 76,3% dos brasileiros não confiam no Congresso (segundo o Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo), só uma ampla reforma político-eleitoral renovará a relação dos cidadãos com seus representantes. Essa reconciliação, se houver, irá ampliar o financiamento privado individual e a participação dos brasileiros na vida política nacional. Dinheiro à parte, os eleitores somos nós.
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