O Estado de S.Paulo - 13/01
O superávit da balança comercial brasileira em 2013 foi de apenas US$ 2,5 bilhões. Não fossem as distorções causadas pelas operações da Petrobrás, o País teria registrado seu primeiro déficit comercial em 13 anos. Já o déficit em conta corrente, que inclui também as contas de serviços, deve ter fechado o ano em US$ 80 bilhões (3,6% do PIB). O pior é que esses péssimos resultados nas contas externas ocorreram num ano em que o crescimento do PIB não deve ter alcançado minguados 2,5%, a inflação de preços livres superou o teto da meta de 6,5% (os administrados, como se sabe, estão virtualmente congelados) e houve expressiva deterioração das contas públicas.
Com esse legado macroeconômico, o Brasil em 2014 dependerá, crucialmente, não só de suas ações, mas também do bom desempenho das economias desenvolvidas e, evidentemente, também da China. Quanto maior for o diferencial (positivo) entre o crescimento médio dessas economias e o da brasileira, maior será o ajuste das nossas contas externas, sem pressões exageradas e desestabilizadoras sobre a taxa de câmbio.
Vejamos, então, as perspectivas para a economia global em 2014.
A China não deverá concorrer, na margem, para a elevação do crescimento mundial. Um cenário que me parece relativamente otimista é que a segunda economia do mundo cresça em torno de 7% e que as complexas reformas para o reequilíbrio macroeconômico do país se desenvolvam sem sobressaltos, o que, obviamente, não está garantido.
A zona do euro, sem ter resolvido seus intrincados problemas estruturais, que tornam sua economia pouco eficiente, continuará apresentando desempenho pífio. Segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a região crescerá 1% em 2014, após provável queda de 0,4% em 2013. Mas mesmo essa moderada recuperação se dará de forma extremamente desigual entre os Estados-membros, com a manutenção de taxas de desemprego insuportavelmente elevadas nos países periféricos. Portanto, não se podem descartar novas tensões econômicas e políticas na região.
O Japão desenvolve um arrojado programa de expansão monetária que já logrou depreciar o iene em mais de 30% nos últimos 12 meses, dando impulso ao setor exportador e reduzindo o risco de deflação. No lado oposto, no entanto, deverá apertar as contas públicas, com queda de dispêndio e aumento de tributos sobre as vendas, o que poderá debilitar ainda mais o já frágil consumo doméstico. Nada de brilhante, portanto, se deve esperar da terceira economia do mundo, cujo crescimento em 2014 não deve superar pífio 1%.
Todas as esperanças se concentram na economia norte-americana. De fato, 2013 mostrou números animadores, principalmente no final do ano. A taxa de desemprego caiu de 7,8%, no final de 2012, para 7%, atualmente. Nos últimos 12 meses, os preços dos imóveis subiram quase 15%, enquanto o principal índice de ações do país (S&P 500) valorizou-se cerca de 30%. No terceiro trimestre do ano passado, o PIB cresceu à taxa anual de 4,1% sobre o trimestre anterior. Para 2014, a maior parte dos analistas espera que o crescimento econômico supere a marca de 3%.
Mas não há consenso quanto à sustentabilidade desse crescimento. Sem contar os pessimistas contumazes, há analistas de peso que enxergam com preocupação o futuro da economia estadunidense. Entre eles, merece destaque a opinião do ex-secretário do Tesouro, o renomado economista Lawrence Summers, que crê em queda estrutural da demanda interna por consumo e investimento.
Summers não acredita que a política monetária de juro zero atualmente praticada pelo banco central (Fed) seja eficiente e propõe o aumento do dispêndio público para ocupar a grande capacidade ociosa atualmente existente, concentrando os gastos em áreas que aumentem a produtividade da economia, tais como infraestrutura e educação. Mas o governo americano, em boa parte graças à força do Partido Republicano no Congresso, vem fazendo exatamente o contrário, ou seja, impondo ao país um duro e quiçá prematuro aperto fiscal.
Enquanto otimistas e pessimistas em relação ao crescimento econômico norte-americano se digladiam, o pior dos mundos para o Brasil é se ambos tiverem um pouco de razão. Explique-se: a política de juro zero poderia estar provocando valorização artificial no preço dos ativos e, portanto, gerando estímulos apenas temporários ao crescimento. Mas isso já seria suficiente para o mercado promover elevação ainda maior nos juros longos (títulos do Tesouro de prazo de dez anos), que já subiram de 1,5% ao ano, em maio do ano passado, para 3% ao ano, no momento em que este artigo estava sendo redigido.
Em tal cenário, aqui mencionado como uma possibilidade real, embora não como uma previsão, nossa economia sofreria as consequências negativas da alta dos juros americanos (fuga de capitais, depreciação cambial, aumento da inflação e dos juros internos, queda da atividade, etc.), mas não colheria os frutos decorrentes da retomada do crescimento naquele país, dado que, por hipótese, esta seria apenas temporária.
Essas incertezas da economia internacional não deverão se dissipar com facilidade ao longo de 2014, o que torna imperativa a correção de rumo da política econômica brasileira, especialmente na área fiscal. O superávit primário (resultado antes do abatimento dos juros) do setor público consolidado deverá cair, neste ano, para pouco mais de 1% do PIB, e isso fará com que o déficit nominal, medido pelo aumento da dívida pública líquida, suba dos atuais 3,5% do PIB para 4,6% do PIB no final de 2014.
Diante de tais números e na falta de uma sinalização firme (por meio de lei) de um ajuste fiscal de longo prazo, o rebaixamento da nota do Brasil por pelo menos uma das agências internacionais classificadoras de risco seria inevitável. A partir daí o mercado começaria a contagem regressiva para a perda do grau de investimento. Se isso ocorrer em ambiente de alta volatilidade internacional, as consequências para a economia brasileira podem ser desastrosas.
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