Valor Econômico - 14/08
Em meados de 2011, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, voltou estarrecido de uma reunião na Basileia, Suíça, com comandantes de outros bancos centrais. A mensagem era clara: as economias avançadas, depois de ligeira recuperação em 2010, estavam desaquecendo e reavivando riscos de disrupção como os que assombraram o mundo na crise de 2007/2008.
Tombini concluiu que o efeito daquele fenômeno sobre o mundo seria desinflacionário. Em 2011, o Brasil estava em meio a um processo de aceleração da inflação - nos 12 meses até julho, o IPCA atingira 6,87% e, em setembro, chegaria a 7,31%. Em reação a isso, o BC adotara medidas macroprudenciais para moderar a concessão de crédito e iniciara ciclo de aperto monetário.
Convicto de que a desaceleração mundial teria efeito negativo sobre os preços das commodities e a atividade econômica no Brasil, Tombini foi à presidente Dilma Rousseff. Na conversa, disse que o momento era difícil, mas criava uma oportunidade histórica para se reduzir a taxa de juros (Selic).
O presidente do BC sabia que sua tese se sustentava desde que não se cometesse o erro de 2009, quando, em meio à redução do juro e sabendo que a atividade já havia se recuperado do baque ocorrido durante a crise, o governo deu novos impulsos fiscais à economia, obrigando o Comitê de Política Monetária (Copom) a interromper o ciclo de alívio monetário. Por isso, no contato com Dilma, Tombini deixou claro que seria necessário cumprir a meta cheia de superávit primário das contas públicas em 2011 e 2012 (3,1% do PIB). Seria de bom grado, também, anunciar um reforço desse compromisso.
Assim foi feito: na véspera da reunião do Copom, no fim de agosto de 2011, o governo se comprometeu a aumentar em R$ 10 bilhões o esforço fiscal. A ideia era fortalecer a reputação da equipe econômica num momento crucial - o mercado, surpreso com a decisão do Copom, reagiu mal, como mostra a acentuada deterioração das expectativas ocorrida nas semanas seguintes.
Durante um ano, o BC cortou a Selic. Já perto do fim de 2011, entusiasmado com a medida, que desde a campanha eleitoral era uma bandeira política da presidente Dilma, o governo se sentiu à vontade para mudar outro aspecto "incômodo" da política econômica herdada dos governos FHC e Lula: o regime de câmbio flutuante.
O Ministério da Fazenda impôs, então, taxação sobre a entrada de capitais, com a alegação de que era preciso desestimular a entrada de capitais "especulativos", e forçou o BC a mudar o patamar da taxa de câmbio e a permitir uma desvalorização. Na prática, o câmbio voltou a ser administrado.
Num primeiro momento, o BC concordou com a ideia de que era preciso fazer algo, especialmente porque os bancos centrais da Europa e de outros países ricos, seguindo o rastro dos Estados Unidos, estavam expandindo a liquidez de forma inédita e provocando desequilíbrios nos mercados. Tombini se preocupava com o "tailwind" (vento de cauda), isto é, com os efeitos negativos que o excesso de liquidez poderia provocar - alta exagerada dos preços de commodities, formação de bolhas de crédito, etc.
O governo trabalhava com a ideia de que, com uma nova matriz macroeconômica, caracterizada por juro baixo e câmbio desvalorizado, os empresários retomariam os investimentos e a economia aceleraria o crescimento. Porém, à medida que, a cada trimestre, o IBGE informava que, em vez de avançar, a atividade estava recuando, o governo começou a entrar em modo pânico.
Em vez de repensar a estratégia, o Palácio do Planalto decidiu redobrar a aposta. Economistas próximos a Dilma passaram a clamar por juros ainda menores e câmbio mais depreciado. Seu diagnóstico: o que foi feito até então tinha sido insuficiente. Para reanimar a economia inerte, abandonou-se o compromisso de austeridade fiscal firmado com Tombini. Era preciso acelerar o PIB a qualquer custo, principalmente, por meio de desonerações tributárias seletivas. O propósito era estimular o consumo de produtos industriais.
A realidade se impôs: o PIB não acelerou, as contas públicas se deterioraram e a inflação manteve-se pressionada, mesmo após a superação dos choques de oferta ocorridos na segunda metade do ano passado. O pior: o setor empresarial perdeu a confiança na equipe econômica.
Sem respaldo da política fiscal e percebendo que seus colegas de governo planejavam usar o câmbio como válvula de escape, Tombini tomou duas decisões: a primeira foi mostrar ao governo que o câmbio depreciado estava elevando o IPCA no fim de 2012; a segunda foi avisar que, por causa da inflação, os tempos de juro real abaixo de 2% haviam terminado - mais precocemente do que ocorrera no ciclo de corte de juro de 2009.
A inflação está na casa dos 6% não é de agora, mas desde 2008 (apenas em 2009, por causa da recessão, caiu abaixo da meta). Já naquele ano, o BC, pressionado politicamente, teve dificuldade para combater a carestia. Dos 67 meses desde janeiro daquele ano, em 37 o IPCA esteve mais próximo de 5,5% do que de 4,5%. No período, a variação acumulada, para quem acha 6% um índice módico, foi de 36,07%. Em 2013, não caiu, em 12 meses, uma só vez abaixo de 6%.
Tudo isso, além da mudança no cenário mundial provocada pelos EUA, justifica o ímpeto recente do BC. É verdade que não há risco de descontrole inflacionário, mas o Copom entende que precisa agir agora para suavizar os efeitos da perda de valor do real em relação ao dólar. O BC não vai olhar para trás, o que significa que a queda do IPCA em julho não é um elemento a ser levado em conta pelo Comitê daqui em diante.
Outra mensagem relevante do BC: o real já andou bastante. A autoridade não quer deixar a moeda nacional se depreciar muito além do ponto em que já está (R$ 2,30). A prioridade desde abril é recuperar a confiança dos agentes econômicos por meio da redução do IPCA. O mercado tem dificuldade para aceitar isso, mas o BC não sinalizou nada diferente até agora.
A diretoria do Banco Central, por sua vez, sabe que a maioria dos participantes do mercado desconfia de seus propósitos e que, por essa razão, terá que comprar reputação com ações concretas. Sabe também que a desconfiança dos agentes em relação ao restante do governo torna mais árdua a sua tarefa.
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