O ESTADÃO - 17/04
Se não há dúvidas de que o setor elétrico do País vive um de seus momentos mais intensos, há total divergência nas análises sobre seu presente e futuro. Algumas, muito negativas, focam mais nos efeitos colaterais das recentes mudanças no setor, agravados pela situação dos reservatórios das hidrelétricas, do que em seus resultados permanentes. Outras análises, natural e inevitavelmente, têm a marca de pressões políticas e econômicas.
Nesse contexto, é importante olhar para a metade meio cheia do copo - ou, por analogia, dos reservatórios - e reconhecer o avanço histórico que tivemos em questões estruturais e conceituais. E, com isso, aperfeiçoar o que for necessário e perseverar na direção positiva apontada, como a desoneração da energia do custo de políticas públicas, o aperfeiçoamento de seu sinal de preço e o tratamento das concessões em favor dos consumidores.
Um caso particular que exemplifica o momento é a discussão sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que é um pilar de sustentação da confiança de investidores, agentes e consumidores. Também aqui há os saudosistas de um passado que não viveram e os que, focados no copo meio vazio, não percebem um processo que tem, no somatório de seus passos, fortalecido a agência. Confirmando essa tendência estão as revisões tarifárias das distribuidoras de energia, que vêm promovendo ganhos estruturais e permanentes para os consumidores. Mas, ao mesmo tempo, esses processos reconhecem as condições de cada empresa e situações em que é preciso preservar o interesse das concessionárias - afastando teses de que poderia haver uma agenda oculta de redução das tarifas como um fim em si mesma.
Outro ponto especialmente emblemático foi uma recente decisão sobre alterar ou não a sazonalização de garantias físicas (direito de venda de cada gerador associado à capacidade de produção de energia), tema que passou quase despercebido da sociedade em geral em razão de sua monumental complexidade. Nesse caso, a Aneel decidiu pelo reconhecimento dos prazos impostos pela Lei n.º 12.783, de 2013. Ou seja, manteve a aplicação das regras e reafirmou sua independência, mesmo quando os resultados, olhados, talvez, de forma pontual, possam desgostar a alguns. Com isso, a agência se provou justamente naquilo que é a essência de sua atuação: promover a estabilidade das regras e proteger o setor da tentação de intervenções continuadas a partir de julgamentos subjetivos e raciocínios fáceis, mas sem respaldo regulatório.
Nos passos que levaram à decisão final, ficou evidente a importância dos processos decisórios da Aneel: públicos, com manifestações dos interessados, posicionamentos técnicos da procuradoria e superintendências do regulador e debate transparente de ideias com respeito às visões diferentes, em reuniões tão abertas que são transmitidas ao vivo pela internet.
Reconhecer os avanços da Aneel e perseverar no seu fortalecimento é um raro ponto de convergência de um setor marcado por destrutiva dispersão e desarticulação de interesses. E é prioridade, particularmente quando toda a sua diretoria pode ser integralmente substituída em pouco mais de um ano. É preciso preservar um quadro de diretores que reúna a diversidade de vivências, visões e conhecimentos necessários e assegurar-lhes que possam atuar com independência e condições atrativas de trabalho, inclusive remuneratórias.
O setor precisa reconhecer que a energia passou a ter como foco a competitividade do País, e não os problemas de sua cadeia produtiva. A convergência em torno do fortalecimento da agência deve ser a base da discussão dos aperfeiçoamentos necessários. Sob o ponto de vista da grande indústria, essa agenda precisa produzir resultados mais fortes que reflitam uma política de promoção da competitividade, o que inclui a continuidade do processo de desoneração e o acesso - hoje negado - dos grandes consumidores à energia das concessões que vencem e à expansão competitiva do parque gerador brasileiro.
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