segunda-feira, abril 01, 2013

Com inflação não se brinca - GUSTAVO LOYOLA

VALOR ECONÔMICO - 01/04

Em documentos escritos e em declarações de seu presidente, o Banco Central (BC) vem subindo o tom no que diz respeito aos riscos inflacionários. Na ata da reunião de março do Comitê de Política Monetária (Copom), por exemplo, o BC observou que a inflação está mostrando resistência à queda e chamou a atenção para a possibilidade de a taxa inflacionária estar se acomodando em patamar mais elevado. Em vista disso, a autoridade monetária passou a sinalizar mais claramente a possibilidade de elevar as taxas de juros no curto prazo.

Ocorre que, a despeito dos alertas e da preocupação do Banco Central, o restante do governo, sistematicamente subestimando os riscos inflacionários, vem tratando a questão apenas com ações localizadas de desoneração de preços, como se a inflação não fosse um fenômeno disseminado e explicado por um evidente desequilíbrio entre a oferta e a demanda agregada. Como a distinção entre inflação e uma mera mudança de preços relativos não escapa sequer a um primeiranista de economia, é de se supor que algo mais está por trás da obsessão do governo pela gestão pontual do IPCA, como recentemente mostrado na desoneração da cesta básica.

A questão parece residir na armadilha que o governo construiu para si mesmo ao erigir a queda das taxas de juros ao status de "grande realização da administração Dilma" e alçar a expansão do crédito por meio de operações subsidiadas como objetivo maior a ser perseguido no curtíssimo prazo pelos bancos oficiais. Com isso, criou-se uma situação de constrangimento para o Banco Central, pois uma elevação da taxa básica de juros - que necessariamente teria reflexos sobre as taxas das operações ativas dos bancos no segmento do crédito livre - poria em dúvida a credibilidade do discurso de queda dos juros alardeado por diversas autoridades do governo nos últimos meses.

Além disso, o desencadear prematuro da campanha para as eleições presidenciais de 2014 conduz a uma política econômica míope em que os objetivos de curtíssimo prazo prevalecem sobre considerações de médio e longo prazo. Em vista disso, busca-se evitar a todo custo uma restrição monetária que possa acarretar efeitos negativos sobre o mercado de trabalho e, com isso, prejudicar a popularidade do governo e da presidente junto aos eleitores.

Dessa maneira, resta ao governo insistir na veleidade de controlar a inflação com ações pontuais sobre determinados preços na economia, por meio de desonerações e controle dos preços administrados. Contudo, tal política tem pernas curtas, já que o fôlego das desonerações é limitado, sendo inevitável chegar-se a um momento em que o governo terá que lançar mão de expedientes de eficácia ainda mais duvidosa, como é o caso dos acordos de preços (normalmente turbinados por concessões tributárias ou creditícias); manipulação das alíquotas dos impostos de importação e exportação, etc. Cria-se uma verdadeira marcha da insensatez, com o governo intervindo cada vez mais na economia, utilizando de instrumentos cada vez mais grotescos.

Parece que nada se apreendeu com o desastre inflacionário que atingiu o Brasil por mais de três décadas e que não foi evitado por políticas assemelhadas às hoje adotadas pelo governo Dilma. Nas décadas de 1970 e 1980, fomos pródigos no uso de mecanismos de controle de preços, seja explicitamente por meio de repartições especializadas como os famigerados CIP e SUNAB. O zelo dos burocratas que trabalharam nesses órgãos, obviamente, não foi suficiente para deter a aceleração contínua dos preços, somente contida com o Plano Real, em 1994. Daí, ser difícil extrair racionalidade econômica na predileção do governo atual por uma política de gerenciamento dos índices de preços, ao invés do uso dos tradicionais e mais eficazes instrumentos de controle da demanda agregada.

Nesse contexto, a situação enfrentada no momento pelo Banco Central está longe de ser trivial. É certo que ainda há tempo para se restaurar a racionalidade na política econômica e evitar que a inflação suba de patamar e turbine ainda mais os mecanismos de indexação que nunca deixaram de estar completamente ausentes da economia brasileira. Porém, o Banco Central estará sozinho nessa empreitada, considerando a instância cada vez mais expansionista da política fiscal e a insistência na política de subsídios creditícios por parte do BNDES à custa de abundantes recursos do Tesouro. Por outro lado, a falta de blindagem legal para a diretoria do Banco Central complica ainda mais as coisas, pois a autonomia da instituição fica totalmente dependente da vontade da presidente da República.

Apesar disso, o BC não pode fugir de sua obrigação como autoridade monetária. Cabe a ele, mais do que a qualquer outro órgão da administração federal, chamar a atenção para os riscos da leniência com a inflação e agir com presteza para evitar que o mal se alastre. Há nos próximos meses uma janela de oportunidade para uma correção de rumos que provavelmente estará ausente em 2014. Sendo assim, espera-se que o BC passe das palavras à ação e traga, com isso, algum grau de racionalidade à política macroeconômica. A inflação precisa ser atacada com vigor e com armas adequadas para evitar que ocorram danos ainda maiores ao crescimento econômico. 

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