quarta-feira, fevereiro 20, 2013

O destino e a Funai - KÁTIA ABREU

GAZETA DO POVO - PR - 20/02

Na tragédia grega, o destino se abatia sobre os seres humanos de uma forma inexorável. Eles ficavam à mercê de “forças superiores” que fugiam a seu controle. Os mortais da Grécia Antiga sofriam sem nada poder fazer. Na tragédia do Brasil moderno, as personagens são reais. Agricultores do Paraná e do Mato Grosso do Sul estão à mercê de invasões indígenas sobre as quais também não possuem controle algum. E nada podem fazer.

As invasões se abatem sobre comunidades rurais, obedecendo a um trágico script traçado pela Funai e pelo Ministério Público Federal. As leis do país param de valer subitamente, embora a ação desses órgãos se revista de uma aparente legalidade. Aqui, a tragédia é fruto de uma decisão travestida de destino, arrasando a vida de milhares de agricultores brasileiros.

Propriedades produtivas nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no Paraná; e Iguatemi, Itaporã, Paranhos, Tacuru, Coronel Sapucaia e Ambaí, no Mato Grosso do Sul, são alvos de invasões indígenas. Delas participam, inclusive, paraguaios, deixando toda a região em completa insegurança.

Tais invasões contam com o apoio da Funai, que passa por cima das leis. Se as obedecesse, seguiria o acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) que regulamentou as condicionantes do julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol.

O país vive uma clara anomalia legal. O STF estabeleceu que um território, para ser considerado indígena, deve ter como referência temporal a presença efetiva de índios quando da promulgação da Constituição de 1988, salvo casos excepcionais de nulidade flagrante. A Advocacia-Geral da União (AGU) regulamentou essas disposições do STF em 2012, baixando a Portaria 303. Mas logo recuou e revogou seu próprio ato. Cedeu às pressões de sempre da Funai, do Conselho Indigenista Missionário, do Ministério Público Federal e de ONGs nacionais e internacionais.

O vácuo jurídico criado faz com que a Funai se sinta livre para dar continuidade a seus processos de identificação e demarcação em todo o país. Para ela, é como se o STF jamais tivesse se manifestado sobre o assunto. E o destino dos produtores rurais fica refém de escolhas ideológicas, muitas vezes inconstitucionais.

A Funai exerce, a um só tempo, funções dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Opera como legislador, ao editar portarias e instruções normativas. Cumpre a função de Executivo, procedendo à identificação e à demarcação, com a ajuda de antropólogos que não fazem trabalho científico, mas defendem uma causa. Por fim, exerce o papel de Judiciário, julgando os recursos administrativos impetrados por empreendedores rurais ou prefeituras.

O resultado dessa conduta anômala é que ninguém que recorre à Funai, na tentativa de que ela revise um de seus atos, pode, em sã expectativa, supor que isso seja possível. Qualquer recurso à entidade é um jogo de cartas marcadas, onde se sabe, de antemão, quem serão os ganhadores e os perdedores. Tal como na tragédia grega, a arbitrariedade é cabal.

As terras contestadas no Paraná e no Mato Grosso do Sul possuem títulos de propriedade reconhecidos, alguns datando de 100 e 150 anos. Seus proprietários não podem sofrer um destino trágico. Não, sobretudo, quando a tragédia é produto de uma opção da Funai, de não seguir o ordenamento pátrio.


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