quinta-feira, janeiro 17, 2013

No fio d´água - ARMANDO GUEDES


O GLOBO - 17/01

Em dezembro, a água retida nos reservatórios das usinas hidrelétricas localizadas na região Sudeste/Centro-Oeste foi estimada em 29% do volume máximo armazenável, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico. Isso representa o nível mais baixo verificado para o mês desde 2000, ano que antecedeu os apagões que assolaram grande parte do país.

Segundo o governo, em 2001 os reservatórios cheios seriam capazes de atender a demanda total do sistema, ou seja, sem a necessidade de nenhuma geração adicional, por pouco mais de seis meses. Já para 2013, estima-se que esse período encurtará para cerca de cinco meses.

O aproveitamento hidrelétrico tradicional na matriz elétrica brasileira foi construído para operar com reservatórios de acumulação, cuja função é compensar a redução do volume dos rios nos períodos de seca para permitir a regularização da geração de energia ao longo do ano. Esse equilíbrio é importante porque confere maior segurança e previsibilidade ao sistema, além de reservar às usinas termelétricas um papel complementar no atendimento da demanda de energia.

De fato, a construção de hidrelétricas, em especial as com grandes reservatórios, provoca impactos ambientais tais como a alteração de ecossistemas e o remanejamento de comunidades. Em consequência, essas usinas se tornaram alvo de forte controvérsia, a qual tem influenciado a decisão do governo de construir quase que exclusivamente usinas com menor área alagada e, portanto, menor capacidade de regularização. Conhecidas como usinas "a fio d´água", elas firmam menos energia na matriz - o que implica no maior acionamento complementar de termelétricas nos meses de estiagem, ou no período úmido se seus reservatórios estiverem em níveis de risco, como é o caso atual.

Uma das consequências da maior geração térmica é o aumento da emissão de gases de efeito estufa: a geração térmica a gás natural emite, em média, cerca de 88 vezes mais CO2 equivalente por MWh ao longo de seu ciclo de operação do que a geração hídrica. Outro efeito a ser considerado é o aumento do custo da eletricidade: a energia de termelétricas a gás natural contratada no último leilão foi, em média, 13% mais cara do que a energia da hidrelétrica de São Roque, por exemplo, a última usina contratada a operar com reservatório de acumulação.

A escolha de estruturar a expansão da matriz elétrica em hidrelétricas a fio d´água trará, portanto, maiores custos a toda a sociedade já no curto prazo. A esses serão ainda somados os inevitáveis custos oriundos da decisão do Estado de repassar aos consumidores os riscos hidrológicos referentes às hidrelétricas que tiveram seus contratos de concessão prorrogados de acordo com a Medida Provisória nº 579. Dessa forma, cabe atentar para a possibilidade de os impactos da desejada redução do elevado custo da energia elétrica, anunciada em setembro, serem corroídos ao longo dos próximos anos.

Conclui-se pela necessidade de que licitações de usinas com grandes reservatórios sejam discutidas sem tabus e de forma ampla. As escolhas que estamos fazendo hoje implicarão maiores custos amanhã. Cabe discutir com a sociedade se ela estará preparada para pagá-los.

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