sábado, outubro 13, 2012

Eleições - SÉRGIO TELLES


O Estado de S.Paulo - 13/10


À primeira vista, pode-se pensar que chegar ao poder e usufruir suas benesses sejam desejos universais compartilhados por todos. Freud não pensava assim. Para ele, a maioria das pessoas gosta de obedecer a ordens e poucos são os que querem a posição de liderança e exercer o mando. Uma explicação possível seria o desejo de reconstituir a situação infantil, na qual pais fortes e poderosos tomam as decisões, cuidam, protegem e amam os filhos num ambiente seguro por eles construído. A maioria ocupa inconscientemente o lugar de filhos indefesos. A minoria que gosta de mandar está identificada com os pais poderosos e, assim, não tem medo de assumir e exercer o poder.

Além de se apoiarem, é claro, num forte aparelho repressivo que garante pela violência a imposição de suas deliberações, os regimes totalitários e as ditaduras contam com a secreta anuência das massas alienadas nessa posição infantil, motivo pelo qual prazerosamente se deixam guiar pelo Führer (Hitler), pelo Paizinho (Stalin), por generais, aiatolás e outras figuras que ostentam de forma excessiva as insígnias paternas, ultrapassando os limites do grotesco, do caricato.

Por ter raízes inconscientes, esse desejo das massas permanece inalterado mesmo nas democracias, apenas se expressando de outra forma devido às fundamentais diferenças entre os regimes. Aqui, os "pais" não se impõem pela força bruta. Pelo contrário, são escolhidos pelas massas, que antes de fazê-lo são submetidas por eles a um cuidadoso processo de sedução.

Em nossos dias, a propaganda política adota as técnicas de vendas próprias da sociedade de consumo. Nas campanhas eleitorais, as propostas de governo passam a ter um peso relativo, pois o que importa são as sondagens de opinião pública. Através delas, os candidatos descobrem os desejos, as expectativas e fantasias do eleitorado e moldam suas imagens de modo a satisfazer tais anseios. Instala-se um circuito especular, no qual o eleitor termina por escolher uma figura fictícia criada por ele mesmo, uma construção imaginária, ideal.

Constatamos que o processo democrático não é regido exclusivamente pela suposta e desejada racionalidade, seus procedimentos são infiltrados pela irracionalidade dos desejos inconscientes. Como vimos, a própria disposição para participar ativamente nos processos democráticos esbarra no desejo infantil de obedecer e cumprir ordens, que vai condicionar também a escolha dos que vão ocupar o poder. A isso se acrescentam os engodos criados pela imagem dos candidatos plasmada pelas pesquisas de opinião. A fantasia inconsciente também pode comprometer a elaboração dos programas de governo e das leis a serem estabelecidas, afastando-os do razoável ou da realidade, com resultados danosos para todos.

A irracionalidade dos elementos inconscientes que permeia os processos democráticos é um problema que não deve ser negado, mas tampouco deve surpreender ou assustar. A irracionalidade é uma característica inerente do ser humano e pode se manifestar em todos os seus atos. É justamente tomando consciência dessa peculiaridade e analisando os fatores que a desencadeiam que podemos combatê-la com os recursos racionais que também dispomos. Somente assim teremos eleitores maduros e responsáveis, cientes de terem delegado temporariamente a seus representantes um poder do qual eles terão de prestar conta em um determinado momento, e não figuras paternas que irão assumir definitivamente a gestão da coisa pública.

É por reconhecer a democracia como a forma mais avançada de organização política já alcançada que se faz necessário defendê-la, aperfeiçoá-la, procurando sanar essas e demais dificuldades que a constranjam, visando a deixá-la mais forte e resistente contra seus inimigos.

Entre esses inimigos é necessário mencionar a plutocracia. Ela corrompe e perverte os procedimentos democráticos ao financiar representantes que defendem seus interesses, quase sempre contrários aos da sociedade como um todo.

Vejo-me pensando nas vicissitudes da democracia em meio do processo eleitoral de São Paulo, quando se arma uma espécie de batalha do Armagedon entre o PT e o PSDB, esses dois partidos que, por seu ideário, poderiam ter somado suas forças no fim da Ditadura, mas que, num típico episódio de narcisismo das pequenas diferenças, voltaram as costas um para o outro e se aliaram com o mais retrógrado e arcaico no panorama político do País.

A disputa pela Prefeitura adquire uma dimensão simbólica em função da histórica atuação do STF ao condenar os réus do mensalão. Perplexo, o PT se volta para a conquista de São Paulo como uma forma de resgatar um pouco de autoestima.

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