REVISTA VEJA
Na verdade, esse esquisito arranjo institucional gerava uma despesa pública oculta, a qual, grosso modo, decorria da diferença entre as duas taxas de juros, a dos títulos federais e a dos empréstimos. O gasto implícito nessas operações era coberto por novas emissões de títulos do Tesouro, numa espécie de rosca sem fim. Tratava-se, pois, de um orçamento paralelo, que permitia a expansão indefinida da despesa e da dívida, sem o conhecimento do Congresso e da sociedade. Acontece que esse processo subterrâneo manifestava seus efeitos na elevação do endividamento federal, na má alocação dos recursos e nas pressões inflacionárias.
Sob distintas formas, esse arranjo funcionou desde os tempos do Brasil colônia. Suas origens remontam ao absolutísmo português, que sobreviveu por muito tempo à onda de reformas iniciadas na Europa no século XVII, as quais puseram fim ao arbítrio em questões orçamentárias. O poder de dispor sobre a despesa pública foi transferido ao Parlamento, um passo fundamental na longa caminhada rumo à moderna democracia. O rei não podia mais gastar a seu talante nem declarar guerra — que exige o aumento de gastos — sem prévia autorização legislativa. Mais tarde, o orçamento viria a ser o mecanismo básico de planejamento das ações do estado e da promoção do desenvolvimento econômico e social.
Por força talvez das tradições herdadas da metrópole, o valor econômico, social e político do orçamento não se enraizou na sociedade brasileira. É amplamente aceita a ideia equivocada de que o orçamento é autorizativo. Salvo as despesas obrigatórias, admite-se que o Executivo pode não cumprir partes da lei orçamentária. Neste momento de crise, a Europa é exemplo a ser observado: os cortes de despesas associados a programas de austeridade fiscal foram previamente aprovados pelos parlamentos, inclusive o de Portugal.
A partir de 1986, o Brasil começou a adotar saudáveis princípios orçamentários. Extinguiu-se o orçamento monetário, o que pôs fim ao suprimento automático de recursos do Tesouro ao Banco do Brasil e ao Banco Central. Criou-se a Secretaria do Tesouro Nacional, que assumiu a gestão da dívida e do orçamento federais. A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) fixou regras para o controle da despesa e do endividamento da União. Subsídios e subvenções, explícitos ou implícitos, deveriam constar do orçamento aprovado pelo Congresso. Esse ciclo modernizante ainda precisa ser complementado com a reforma do antiquado processo de elaboração e controle do orçamento (Lei n° 4320, de 1964), o que está em discussão no Senado.
Os governos do PT deram marcha a ré nessa trajetória. Passaram a suprir o BNDES de recursos via medidas provisórias que ampliam a dívida pública, como no passado. Têm contado, para tanto, com a omissão do Congresso, que renuncia às prerrogativas no processo orçamentário e chancela essa conduta. Como nos tempos antigos, o Tesouro transfere os recursos a taxas de juros inferiores às que paga aos detentores dos respectivos títulos. Recentemente, a manobra foi estendida ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Tal qual nas trevas do passado, o processo ressuscitado gera duas disfunções: (1) burocratas realizam gastos sem autorização legislativa; e (2) os subsídios implícitos nessas transações não constam do orçamento. Sem o registro dos respectivos gastos e sem transparência, dribla-se a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Essa involução institucional precisa ser contida. Com a palavra, o Congresso e o TCU.
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