sábado, julho 14, 2012

Um homem de sorte - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 14/07


O vereador paulistano Wadih Mutran (PP-SP) não é o primeiro político, nem provavelmente será o último, a ter uma dívida de gratidão com a Loteria Federal.

Há coisa de 20 anos, quando eclodiu o escândalo dos anões do Orçamento, o deputado federal João Alves, do antigo PFL da Bahia, desafiava a lei das probabilidades quando explicava o aumento do seu patrimônio pela circunstância de ter sido premiado várias vezes nos sorteios oficiais.

Como ter tanta sorte assim? É que apostava muito; seria um jogador compulsivo. Mas quem aposta muito tende a perder muito também. A menos de um especial favorecimento dos deuses, casos de enriquecimento desse tipo continuam a suscitar a desconfiança de qualquer pessoa de bom-senso.

Não importa: numa nova improbabilidade, surge agora outro político beneficiado pela sorte.

O vereador Mutran duplicou seu patrimônio durante o último mandato. Foi a recompensa, justificou, para anos de apostas compulsivas. Quem sabe os cofres públicos ainda lhe devam uma indenização pelo tanto que já despendeu na compra de bilhetes sem sucesso...

Trata-se, em definitivo, de um político que confia na própria fortuna. Um dos aliados de Mutran na Câmara Municipal afirmou desconhecer o lance de sorte de seu colega: "Tomara que tenha ganho, né?". Sem dúvida.

O comprovante do prêmio, entretanto, já sumiu. Mesmo que Mutran tenha sido sincero, e é forçoso conceder-lhe o benefício da dúvida, o prêmio não explica seu enriquecimento inteiramente.

Há de confiar, sobretudo, na credulidade do eleitor. Como em tantas outras situações, a repercussão de casos duvidosos envolvendo políticos parece efetuar-se numa esfera da opinião pública que tem poucos pontos de contato com a realidade clientelista que fundamenta as atividades do poder.

Só por preconceito se pode restringir a noção de currais eleitorais a alguma região isolada do Brasil rural. O clientelismo urbano tradicional, e essa mais recente forma de arrebanhamento de votos que nasce das concessões de rádio e TV, correm por vias impermeáveis aos indícios de fisiologismo.

Outro bilhete premiado -o de sua recondução à vereança- dependerá, como sempre, do apoio, da indiferença ou da desinformação dos eleitores paulistanos.

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