sexta-feira, março 16, 2012

Um BC na mão e uma ideia na cabeça - CLAUDIA SAFATLE


Valor Econômico - 16/03/12


Numa transparência jamais vista, o Comitê de Política Monetária (Copom) escreveu na ata da sua última reunião, divulgada ontem, que vislumbra um cenário onde a taxa Selic se desloca para patamares ligeiramente acima dos mínimos históricos (8,75%) e se estabiliza nesse patamar. Não marcou valor da taxa nem prazo, mas ficou claro para os interessados que a Selic cairá para 9% na próxima reunião do comitê, nos dias 17 e 18 de abril, com um corte de mais 0,75 ponto percentual. E pode permanecer em 9% ao ano por algum tempo. O piso de 8,75% ao ano durou de 22 de julho de 2009 a 28 de abril de 2010.

Com isso, o Copom mais uma vez inovou e surpreendeu: foi claríssimo no seu objetivo e mais conservador do que o mercado supunha. Não fixou exatamente um piso para a Selic, mas disse "vou até aqui e paro por um tempo". O mercado, sem maiores informações no comunicado da reunião do dia 7 de março e descrente dos compromissos do Banco Central com a meta de inflação, havia extrapolado a queda dos juros. A taxa mínima para negócios com vencimento em janeiro de 2013 chegou a 8,62% no dia 9. Ontem, subiu para 8,93%. As mensagens da ata pretenderam colocar ordem nas expectativas.

Com a economia fraca desde meados de 2011 - situação que persiste no primeiro trimestre deste ano - e as projeções de um crescimento bastante moderado - em torno de 3% - para este ano, o orçamento para desbastar os juros ficou amplo: 350 pontos desde a Selic de 12,5% de julho de 2011, se se confirmar mais uma queda de 0,75 ponto percentual.

Fontes oficiais citam projeções de crescimento anualizado de 2,6% ao fim do primeiro trimestre e de 3,1% no ano, em linha com alguns prognósticos de bancos estrangeiros para o Brasil. Mas há um esforço do restante do governo para chegar ao segundo semestre com expansão, na margem, de 5%. Isso permitiria acomodar o Produto Interno Bruto (PIB) em 4,5% no próximo ano.

Nesse aspecto, os parágrafos 29 e 30 da ata são elucidativos e consolidam a visão de que são as questões domésticas e não somente as incertezas externas que movem o Copom. Neles o comitê reitera que a desaceleração da economia foi maior do que se antecipava; que houve postergação de uma solução definitiva para a crise financeira europeia e que o processo de desalavancagem dos bancos e famílias prosseguirá; e acrescenta que aumentaram os sinais favoráveis para a queda da inflação, dado que os índices de preços estão vindo aquém do esperado.

Passa a considerar, também, a possibilidade de uma convergência mais célere do IPCA para o centro da meta. "O Comitê nota também que, no cenário central com que trabalha, a taxa de inflação posiciona-se em torno da meta em 2012, e são decrescentes os riscos à concretização de um cenário em que a inflação convirja tempestivamente para o valor central da meta".

Mas, numa avaliação que se contrapõe à manutenção dos juros por um longo período estáveis em 9%, a ata diz que para 2013 tanto no cenário de referência quanto no de mercado, as projeções de inflação estão acima da meta.

Para 2013, "a projeção de inflação se elevou no cenário de referência e se mostra relativamente estável no de mercado, nos dois casos posicionada acima do valor central da meta". Por enquanto, o Copom está olhando 2012 e não fixou prazo para a estabilidade da taxa Selic. Os modelos são o retrato de uma realidade dinâmica e, portanto, os prognósticos para 2013 também podem melhorar. E é bom lembrar, nesse caso, que se a inflação ameaçar subir, o Banco Central tem todo o arsenal de medidas macroprudenciais, já testado e aprovado, para acionar.

A ata deixa explícito, ainda, que os dois votos contrários à aceleração da queda para 0,75 ponto percentual dos juros na última reunião não significaram uma divergência em relação ao orçamento de corte. O desacordo foi em torno da sua redistribuição temporal. Os dois diretores votaram pela manutenção do cronograma original, que seria, portanto, de três cortes de 0,50.

Ao mesmo tempo que o mercado decifrava a ata do Copom, o Ministério da Fazenda discutia, ontem, com setores da indústria a ampliação da desoneração da folha de salários. O ministro Guido Mantega esteve com representantes da indústria têxtil, de móveis, aeroespacial e autopeças, para conversar sobre a redução da alíquota do imposto sobre faturamento em decisão a ser tomada até o fim deste mês. Hoje a alíquota para os poucos setores abarcados pela medida é de 1,5 a 2% e deve cair para 1%. Os empresários disseram ao ministro que isso aliado a uma taxa de câmbio de R$ 1,80 vai fazer toda diferença para a competitividade da indústria.

Os incentivos fiscais acenados pelo ministro a um segmento da economia que está estagnado pode trazer algum reforço para o nível de atividade este ano. O que se pretende, no governo, é fazer com que os empresários retomem seus projetos de investimentos e que este passe a ter maior peso no crescimento econômico, atualmente muito dependente sobretudo no consumo das famílias.

Não há risco, avaliam os economistas oficiais, de um acúmulo de medidas pró crescimento com efeito no segundo semestre que possam representar novos riscos inflacionários.

Se a atividade econômica se move devagar e abaixo do produto potencial ainda hoje, é legítimo supor que o aperto monetário do início do ano passado foi mais intenso do que foi então percebido. Os juros começaram a cair em agosto do e parte das medidas macroprudenciais foram desativadas no fim de 2011, mas a economia ainda não reagiu provavelmente por essa razão. Talvez a forma adequada de se olhar o Copom não seja pelo rótulo de" dovish" ou "hawkish" em relação aos Copom do passado mais recente, mas sim "diferente".

Houve uma conjunção dos astros domésticos e externos que está permitindo ao Banco Central lidar com a questão dos juros de forma aparentemente ousada, mas ontem na ata ficou claro que é uma ousadia com limites.

Os banco centrais do mundo estão mesmo diferentes.

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