segunda-feira, março 12, 2012

Comendo sementes - GEORGE VIDOR


O GLOBO - 12/03/12

Ao menos no Ocidente, são poucos os exemplos de economias que crescem aceleradamente com inflação baixa e sem forte dependência de capitais vindos de fora. Culturalmente somos mais voltados para o curto prazo (pois o futuro a Deus pertence), talvez porque a vida fosse breve por essas terras. Porém, quem não planta não colhe. Se não investimos no presente, não conseguimos produzir mais amanhã.

Em síntese esse é o dilema atual da economia brasileira. O país precisa crescer rápido, para oferecer mais e melhores empregos, pagar salários estimulantes, gerar e distribuir bons lucros, valorizar patrimônio, possibilitar remuneradores aluguéis e ganhos financeiros. Mas esse crescimento geralmente é limitado pela dificuldade de se oferecer bens e serviços nas quantidades e nas condições adequadas para suprir a expansão de demanda no mercado interno. E para a economia não ser completamente dependente de financiamentos externos, parte da oferta precisa ser direcionada necessariamente às exportações (em tese, um excedente de produção, não absorvido pelo mercado interno), pois é uma das principais formas de se assegurar uma receita própria em outras moedas conversíveis, sem a qual não existirá garantia para o conjunto das operações comerciais e financeiras com o resto do mundo.

Oferta e demanda dificilmente caminham juntas. O equilíbrio só existe em modelos teóricos. Nem as economias superplanificadas alcançaram esse objetivo. As economias não são de todo previsíveis e não conseguem subsistir por muito tempo no isolamento, fechadas. Estão sujeitas a mudanças causadas pela instabilidade no comportamento dos agentes econômicos (produtores, consumidores, investidores, poupadores), e por fatores que escapam a qualquer controle, como os decorrentes das forças da natureza: enxurradas, terremotos, maremotos, secas, vendavais, cheias, avalanches, pragas, queimadas.

Um país como o Brasil, que tem muito por fazer, precisa correr contra o tempo. Uma das características de uma economia não desenvolvida é que parte ainda significativa da população não tem renda suficiente para viver de maneira digna. Então, na prática, acabamos "comendo" parte das sementes que deveriam ser "plantadas" para proporcionar aumentos de produção, de modo a proporcionar excedentes e mais sementes para ampliar o "plantio", criando um ciclo de crescimento autossustentável.

O Brasil precisou derrubar a inflação para avançar nesse ciclo. Com o real, o investimento voltou a crescer progressivamente, chegando à proporção aproximada de um quinto do que se produz (20%), bem menos que os necessários 25%. Parte dessa diferença deveria vir do setor público, especialmente quando se trata da infraestrutura que vem à frente da demanda, abrindo caminho ao desenvolvimento. Não é uma questão insolúvel, pois existe a perspectiva de eliminação do déficit público num prazo relativamente curto, de três a quatro anos. Até lá, a economia brasileira terá de caminhar em velocidade moderada, acelerando só em alguns momentos, para logo em seguida reduzir a marcha.

Joias são bens supérfluos, embora de uso milenar. No museu de Ancara, capital da Turquia, onde estão expostos adornos da antiga Anatólia, alguns de cinco mil anos antes de Cristo, chama a atenção como o desenho das peças se parece com brincos, colares, pulseiras, anéis vistos nas mulheres em pleno século XXI. Mas como ninguém morre - a não ser de tristeza - se não possuir joias, elas são fortemente taxadas. É assim no planeta inteiro. No entanto, o que inviabiliza a produção não é o imposto elevado, mas a estrutura tributária inadequada, como vem acontecendo no Brasil. O país agora exporta pedras preciosas brutas, e as importa já lapidadas, da Índia ou da China, geralmente. Não temos mais uma indústria de lapidação em grande escala. A Cindam, de Petrópolis, que chegou a ter dois mil funcionários, deixou de produzir. Por sua vez, o ouro das mineradoras é 100% exportado, porque a forma de tributação desestimula a venda ao mercado interno. Desse modo, o metal presente nas joias brasileiras é quase todo proveniente de garimpos. Custa mais caro, o que atrai a informalidade para o setor.

Mesmo sendo o segundo mercado de joias e bijuterias do Brasil, a indústria no Rio caiu para a terceira posição nesse segmento. O governo estadual tentou ajudar, mudando a tributação do ICMS, mas os impostos federais oneram as matérias-primas e travam a produção local. Os fabricantes de joias pagam cerca de R$ 100 mil e não contam com crédito para financiá-lo a custos razoáveis. O setor ainda emprega cerca de 310 mil pessoas no Brasil, dos quais estima-se que 80 mil no Estado do Rio.

Investimentos em infraestrutura de transportes, mineração, petróleo e gás, energia elétrica, construção naval voltaram a dar impulso às empresas de projetos de engenharia, ainda que restem poucas de capital nacional, como é o caso da Progen, com sede em São Paulo, que é a maior delas. Mesmo assim, é a terceira no ranking nacional, detendo 6% do mercado, o que equivale a um faturamento de R$ 400 milhões anuais. Contratos de exclusividade com a Vale respondem por cerca de 60% da receita da empresa, vindo a seguir o de petróleo e gás, com 20%. A empresa surgiu há 25 anos, reúne hoje 2.600 empregados (com salário médio de R$ 10 mil) e é comandada por um executivo de 31 anos, Eduardo Barella, filho do fundador. A Progen comprou duas empresas no Rio (uma especializada em projetos portuários e outra em mobilidade urbana). Com isso, espera dobrar o faturamento até 2013.

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