FOLHA DE SP - 26/02/12
Senador não é eleito para legislar? Por que então o presidente da República o convida para ministro?
Pouca gente há de se lembrar de um personagem que, antigamente, habitava o livro de leitura no colégio e que se chamava João Pergunta. E, se assim se chamava, era porque vivia a perguntar sobre tudo o que via ou ouvia. Às vezes penso que sou um pouco como ele, já que estou sempre a questionar o que acontece em meu redor. E particularmente no campo político, uma vez que é ali que muita coisa de nossa vida se decide.
Como não sou especialista no assunto, posso às vezes formular perguntas tolas, cuja resposta todo mundo já sabe, menos eu. Mesmo assim, insisto, porque, se não o entendo, não fico quieto.
Uma dessas coisas é a insistência com que ultimamente se nomeiam parlamentares para a função de ministro. Sei muito bem que isso não é de agora, mas sei também que nunca se tornou tão frequente. Alguma razão deve haver, porque político não prega prego sem estopa. E tanto mais pelas implicações decorrentes disso.
Pense comigo: deputado, senador não é eleito para legislar? Por que então o presidente da República os convida para ministro? Desconfio haver algo de errado nisso.
Ou será que não? Vamos examinar: o Estado brasileiro é composto de três poderes que, para o bom funcionamento do regime democrático, são independentes uns dos outros. Se não me engano, o Congresso tem como uma de suas funções fiscalizar o Executivo, impedindo assim que o presidente da República desobedeça o que o Parlamento decidiu e a legislação prevê. Logo, a relação entre esses dois poderes, se deve ser harmoniosa, deve também preservar-lhes a autonomia.
Será que essa autonomia se mantém quando o presidente da República coopta deputados e senadores para compor seu ministério?
Estará, no mínimo, comprometida, uma vez que o ministro é um auxiliar subalterno do presidente da República, a quem deve obedecer. E então a coisa fica assim: elegemos o cara para a função de legislador -o que significa representar-nos na elaboração das leis, na defesa de nossos direitos de cidadão, e ele passar a servir ao poder. Não só não cumpre com a função para a qual o elegemos como passa a servir ao poder que deve ser fiscalizado por ele. Há algo de errado nisso ou sou eu que estou vendo chifre em cabeça de cavalo?
Não estou não, mesmo porque a coisa não fica aí. Na verdade, o presidente não o nomeia ministro por sua competência técnica, e sim por sua importância dentro do respectivo partido. Ou seja, ao fazê-lo, o presidente coopta não apenas o escolhido mas também o partido a que ele pertence. Disso resulta que, se por um lado, a relação autônoma entre os dois poderes se rompe, por outro lado e por isso mesmo, o ministério passa a ser um feudo do partido, que o usa conforme seus interesses político-eleitorais.
E como isso implica o desvio do dinheiro público para os cofres do partido, essa operação fraudulenta, para se efetuar, leva inevitavelmente ao envolvimento de outros personagens e instituições fajutas, como se viu recentemente nos escândalos de vários ministérios.
Mas a coisa não para aí. Como causa primeira de tudo isso, no caso do governo Lula, por exemplo, havia um projeto de poder pouco democrático, que está na origem mesma do PT. Como seu propósito era (e é) manter-se no poder indefinidamente, Lula evitou, em seu primeiro governo, aliar-se ao PMDB, que exigiria dele a partilha dos ministérios.
Como se sabe, está aí a origem do mensalão, que consistia em comprar com dinheiro os pequenos partidos, em vez de lhes dar cargos importantes no governo. Devido ao escândalo que resultou disso, Lula mudou de tática e passou a comprar os partidos de outro modo, oferecendo-lhes ministérios. Era o passo que faltava para que o governo petista se convertesse nessa espécie de neopopulismo, que rege hoje o país.
Essa cooptação de políticos visando a manutenção do poder teve como resultado um fenômeno até então inédito na vida política brasileira: a demissão, em apenas um ano, de sete ministros implicados em corrupção. O último deles entregou o cargo outro dia, e seu substituto -do mesmo partido, claro- também responde a processos na Justiça. Como se vê, ficha limpa, entre essa gente, é raridade.
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