sexta-feira, novembro 25, 2011

Dólar pode frustar meta de inflação - FERNANDO TRAVAGLINI



 Valor Econômico - 25/11/2011

O dólar fechou novamente em alta ontem, de quase 2%, cotado a R$ 1,892. No mês, a moeda acumula valorização de 11% e já devolveu toda perda de outubro, ficando bem próxima da máxima do ano (no dia 22 de setembro fechou a R$ 1,895). A permanecer nesse patamar por um período mais longo, como parece ser o caso, dada a interminável crise europeia e a queda nos preços das commodities, a inflação dificilmente permanecerá dentro da meta estipulada pelo governo neste ano, segundo especialistas.

Como se sabe, o objetivo do Banco Central é entregar a inflação em 4,5%, com uma tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo - podendo chegar, portanto, a 6,5%. O mercado acreditava, até sexta-feira, que o IPCA encerraria dezembro em 6,48%. Mas a atual puxada do dólar, que já poderia até ser chamada de "overshooting" - o segundo em um intervalo de apenas três meses -, certamente terá impacto nos preços domésticos.

"A elevação do câmbio nos últimos dias não chega a assustar, mas a persistência de um patamar mínimo de R$ 1,80 próximo do Natal poderá ser o determinante para a inflação estourar o limite superior de 6,5% do regime de metas de inflação", diz Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora.

Segundo ele, a contaminação do câmbio na inflação brasileira gira em torno de 3%, em um período de pelo menos seis meses. Se a cotação média ficar em torno de R$ 1,75, por exemplo, o IPCA ganharia algo na casa de 0,09 ponto percentual - considerando as previsões anteriores para a moeda americana. O nível é pequeno, mas suficiente para levar o indicador a estourar o teto.

E a cotação de fato caminha para esse nível médio. O câmbio dos primeiros oito meses do ano, até agosto, foi de R$ 1,62, em média. A partir daí, houve a alta acentuada de setembro, agora seguida por outra valorização rápida da moeda americana. A média dos últimos três meses já está ao redor de R$ 1,77.

Ontem foi um dia de pouca liquidez no mercado de câmbio, devido ao feriado americano de Ação de Graças, e qualquer movimentação mais expressiva tem o poder de mexer fortemente com a cotação. E foi o que ocorreu, segundo operadores.

A procura por proteção cambial de empresas e bancos aumentou nos últimos dias, à medida que a tendência de alta se mostra mais persistente. Houve ainda certa saída de recursos por parte de investidores, em meio ao aumento da aversão ao risco mundial.

O resultado foi uma demanda relativamente elevada, em dia de fraca oferta, o que puxa o preço da moeda para cima, diz José Carlos Amado, operador de câmbio da Renascença Corretora. Ele lembra que quando a divisa chegou a cotação semelhante em setembro, o BC deu as caras no mercado, oferecendo liquidez para quem precisava de hedge no mercado futuro. "A crise na Europa, os juros em queda, tudo favorece a apreciação do dólar", diz. "Não dá para apostar no real."

O dólar em alta é mais um componente do complicado cenário para a reunião do Copom da próxima semana. As especulações em torno do encontro estão bastante elevadas. Ao contrário do encontro anterior, voltou a ocorrer a famosa divisão entre economistas e tesoureiros. Os primeiros continuam apostando em queda de 0,5 ponto percentual, enquanto os operadores só têm uma dúvida: redução de 0,75 ou de 1 ponto.

Na dúvida, apostam nas duas chances. A movimentação no mercado de opções de juros reflete essa tendência. Nesse tipo de operação, o aplicador paga um prêmio pequeno acreditando em corte de juros superior a 0,5 ponto. Caso o corte seja de 0,75 ganha um pouco. Se for de 1 ponto, ganha ainda mais. Se o BC mantiver o "ajuste moderado", perde apenas o prêmio.

Com inflação ou sem inflação, com discurso ou sem discurso da autoridade monetária (teoricamente em período de silêncio pré-Copom), o mercado está mesmo preocupado é com o PIB. Os operadores acreditam que é isso que move a política monetária do governo Dilma Rousseff. E a piora na Europa, com reflexos na China, deu a receita para uma desaceleração mais forte da atividade, já em andamento. E a reação, como a própria presidente afirmou ontem, em Brasília, passa pela política monetária.

A consequência foi uma queda ainda mais acentuada ontem dos contratos de juros futuros negociados na BM&F - que sinalizam a expectativa dos agentes para os próximos passos do BC, onde o corte de pelo menos 0,75 é dado como certo.

Via juros ou via opção, fica clara a euforia do mercado. Ninguém quer ficar para trás, como ocorreu em agosto, quando apenas alguns apostaram em corte mais acentuado. Isso, evidentemente, tem acelerado as apostas em uma atuação mais "dovish" do BC. A senha definitiva pode vir dos discursos do presidente da autoridade monetária, Alexandre Tombini.

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