quinta-feira, outubro 27, 2011

VINICIUS TORRES FREIRE - Mentiras sinceras interessam


Mentiras sinceras interessam
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 27/10/11

TALVEZ A MANEIRA menos imprecisa de prever o que vão fazer os líderes políticos europeus a respeito da quizumba financeira continental seja trocar o sinal do que eles diziam faz, digamos, uns seis meses.
Agora, afirmam que não haverá dinheiro público para recapitalizar bancos ameaçados de quebra pelo calote "organizado" da Grécia. Logo, é razoável supor que, daqui ao primeiro trimestre de 2012, bancos ou parte deles serão estatizados.
Não se trata de exagero de sarcasmo. Basta reler o que disse a elite político-econômica da eurozona desde 2009, quando ficou evidente que a Grécia adernava.
Todas as decisões tomadas de modo atropelado a fim de evitar catástrofe iminente consistiram de medidas negadas e renegadas pela Comissão Europeia, pela Alemanha e pelo Banco Central Europeu.
A conversa fiada começou ainda no final de 2009: a Grécia não precisaria de "ajuda". Houve "ajuda".
Quando se admitiu abertamente que a Grécia quebrara, lá por abril de 2010, dizia-se que uns € 40 bilhões e arrocho fiscal dariam conta do recado. Não deram, claro. A conta pode chegar ao trilhão.
Quando se notou o tamanho do rombo, lá por maio, com os urubus do mercado já bicando o cadáver grego e dando rasantes sobre Portugal, dizia-se que o BCE não compraria papéis da dívida pública dos países periféricos nem socorreria bancos por baixo do pano. No mesmo mês de maio, o BCE teve de comparecer e, na prática, ajudar bancos a financiar indiretamente parte da dívida pública.
O resto é história mais recente. O pacote de maio de 2010 durou até maio de 2011. Então se tornou um fundo de cobertura de calotes e assemelhados, o presente fundo de estabilização, de € 440 bilhões, que também já nasceu com insuficiência financeira aguda.
Pouco antes disso, a cúpula europeia declarava que a hipótese de calote grego era inegociável: não haveria renegociação de prazos ou valores da dívida, nada. Semanas depois, haveria a "renegociação voluntária": os bancos que assim o desejassem poderiam alongar seus empréstimos à Grécia.
Na verdade, os bancos já sentiam fazia tempo o cheiro de queimado e, então, achavam que um calotezinho na forma de alongamento de prazos talvez resolvesse o enrosco.
Era tudo besteira, como se viu. Passou-se a admitir um calote de uns 20%, em julho deste ano. Agora, discute-se a perda para os bancos credores será de 50% a 60%.
Enfim, a liderança política europeia, Alemanha e BCE em particular, aceitou fazer tudo o que deveria ter implementado muito antes, mas jurava de pés juntos que não faria. Nesse ínterim, a inação e as bazófias ajudaram a deprimir a economia mundial, sem que nenhum problema financeiro ou econômico europeu fosse resolvido.
Agora, discutem o tamanho do rombo e quem vai assumi-lo. As ações de bancos europeus estão desvalorizadíssimas. Se tiverem de recapitalizar-se a esse preço, os atuais acionistas tomarão tundas monumentais (vão perder participação). Resistem, pois, ao calote de 60%. E querem ajuda estatal. A novela ganhou uma nova trama.
Por fim, nada disso vai impedir que boa parte da eurozona fique estagnada ainda por cinco anos. Com risco de mais tumulto social.

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