Virou rotina
ALON FEURWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 28/10/11
Se os organizadores do Enem garantirem que o sol vai nascer amanhã, a exemplo de todos os dias, haverá quem, com razão, reserve-se o direito de desconfiar, preferindo esperar para ver se o astro-rei vai dar mesmo as caras como de costume
A crise no Ministério do Esporte, afinal concluída com a nomeação do novo ministro, serviu também para o governo passar em relativa segurança por mais um caso de trapalhada no Exame Nacional do Ensino Médio. Desta vez foi o vazamento de questões idênticas às da prova, para os alunos de um colégio do Ceará.
Ficou em segundo plano no noticiário. Um pouco pelo cansaço. Qualquer curso de jornalismo, em faculdade ou na vida prática, ensina logo nas primeiras lições: o que se repete sempre e vira rotina acaba deixando de ser notícia. Ou pelo menos passa a ser notícia sem tanta importância assim.
É o caso do Enem. Já houve tempo em que a balbúrdia no exame provocava comoção. Hoje em dia, produz apenas bocejos e reações burocráticas. Mesmo que o dano atinja milhões de estudantes, suas famílias e escolas.
O Ministério da Educação tomou providências localizadas, tópicas, mas o razoável seria a completa anulação da prova. Pois haverá agora uma assimetria inevitável, entre quem precisa fazer um novo exame e quem não. As mesmas vagas no ensino superior serão disputadas por meio de diferentes provas.
O MEC poderá argumentar que o nível de dificuldade da “substitutiva” será igual, mas não tem como garantir que vai ser mesmo exatamente igual. E se a disputa pela vaga decidir-se no detalhe, como costuma acontecer nos cursos mais procurados, haverá os beneficiados e os prejudicados pela lambança e pela tentativa de remediá-la sem maiores prejuízos políticos.
Sem contar que o MEC não tem como assegurar que outras pessoas, além dos alunos daquele colégio específico, não tiveram acesso às questões. Pois é natural que estudantes tenham curiosidade de conhecer o conteúdo estudado pelos colegas.
Na teoria, não era possível sair do pré-teste com o caderno de questões. Mas, convenhamos, nesta altura do campeonato os organizadores do Enem estão sem nenhuma moral para assegurar qualquer coisa no âmbito da responsabilidade deles.
Pois se garantirem que o sol vai nascer amanhã, a exemplo de todos os dias, haverá quem, com razão, se julgue no direito de desconfiar, preferindo esperar para ver se o astro-rei vai dar mesmo as caras como de costume.
Ministros têm caído por acusações de corrupção, e pelo menos mais um perdeu a cadeira quando a língua trabalhou numa frequência maior que o cérebro. Mas o que não se vê neste governo, infelizmente, é uma autoridade ser cobrada por incompetência.
Ao contrário, inclusive, do muito propalado sobre o estilo gerencial da presidente da República. Que supostamente seria adepta das cobranças implacáveis. Duríssimas. Não parece estar acontecendo no caso do MEC.
Talvez porque a própria presidente esteja na contagem regressiva. E seria compreensível. Como o titular está nos planos do PT para a disputa da principal prefeitura do país, será necessário esperar pacientemente pelo prazo de desincompatibilização. Ou talvez menos, se o partido ou o ministro considerarem conveniente sair antes.
Um caso típico de blindagem partidária sem nenhuma consideração ao interesse público.
Felizmente
A Grécia, a União Europeia e os credores parecem ter chegado a um acordo para a redução da dívida grega a um patamar em que ela possa ser servida. O que na linguagem especializada significa que o credor poderá pagá-lá, juros e principal, sem quebrar.
Ou seja, os bancos vão ter de engolir o prejuízo, algo bem razoável. Pois, afinal, emprestaram para os gregos porque quiseram.
Que lancem a perda como perda. É do jogo. Ou deveria ser, no capitalismo. Felizmente a Grécia não é o Brasil. Onde a conta já estaria espetada no bolso do contribuinte.
Em nome, claro, da necessidade imperiosa de cumprir contratos a qualquer custo.
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