A rima e a interrogação
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 07/08/11
Divergência total de estilos entre Amorim e Jobim tem peso grande no resultado da escolha de Dilma
DE JOBIM A Amorim, Dilma Rousseff buscou, com a rima paralela à do poeta Drummond, a solução que faltava para coadjuvar o Itamaraty nas novas concepções da relação do Brasil com o vasto mundo. Tudo o que se diga agora sobre o acerto, e portanto o resultado, dessa pretendida solução será chute no escuro.
Como tendência, a escolha é muito coerente com vários de seus objetivos mais importantes. O que só algum tempo dirá se será suficiente para dar a escolha como certa, mesmo considerando a escassez de alternativas no país em que falta competência até para bater pênalti.
A divergência total de estilos e de maneiras pessoais, entre Celso Amorim e Nelson Jobim, tem um peso grande para o resultado da escolha de Dilma Rousseff.
A comunhão militar na América do Sul é um item essencial na concepção brasileira de preparo desses países para o futuro a que estão expostos. O conceito externo de Amorim, com apoio de sua experiência inclusive no próprio projeto, é um instrumento valioso. Em contraste com a reserva suscitada pela arrogância imperativa de Jobim, que provocou sinais de ser interpretada como manifestação de planos dominadores do Brasil na vizinhança.
Em sentido mais amplo, Amorim foi fundamental, fazendo a voz de uma corrente brilhante do Itamaraty, para a inovadora política externa que projetou o Brasil como interlocutor do primeiro nível na política internacional.
Isso lhe confere uma qualificação especial, em vista do componente militar do alto jogo internacional, para dar aos militares brasileiros uma contribuição rica ao seu entendimento e definição técnica nas questões externas. Ainda não houve como saber se Jobim, com seu centralismo personalista, cumpriu alguma parte desse papel. Mesmo em caso positivo, não poderia chegar nem perto do potencial de contribuição de Amorim nesse quesito.
Um dos problemas que pegam de surpresa todo ministro é encontrar a medida conveniente de sua exposição, nem tão contido que pareça deslocado na pasta nem tão propenso a expor-se que se cerque de imagem e restrições onerosas.
Amorim não encontrou a medida apropriada quando ministro das Relações Exteriores. Ou, talvez mais correto, ultrapassou-a, e não pouco, na euforia do Brasil reconhecido como integrante ("player", dizem para aparentar-se entendidos) de mesas decisórias de questões mundiais.
A isso se deve a pronta divulgação de que a escolha de Amorim "repercutiu mal entre os militares". Essas notícias começaram a sair antes mesmo que houvesse tempo sequer para sondar um mínimo de repercussão, em número sem representatividade. Nessas coisas, aliás, o jornalismo brasileiro está muito afiado. Para aceitar como decentes informações e comentários sobre a real repercussão, há que esperar por fatos. E fatos não apenas provenientes dos militares que na aposentadoria se transformam em agitadores, os guerrilheiros do pijama.
Mas é certo que Jobim vai fazer falta. Nada do que anunciou com empáfia incomparável se efetivou, entre inovações no transporte aéreo (não conseguiu nem a tal poltrona de avião em que caiba) e a compra dos caças franceses Rafale, marcada por ele para datas que se superaram em vão, incontáveis, até Dilma Rousseff dizer "chega!".
O Jobim com capacete de bombeiro, com farda de soldado, com boina de ranger; o Jobim "descobrindo" para a Câmara o gravador dos improvados grampos no telefone de Gilmar Mendes, mas expondo apenas o que se constatou ser um anúncio na internet, de um aparelho incapaz das gravações; esse Jobim histriônico vai fazer falta, caso não encontre logo, como se espera, um lugar bem visível e bem audível.
Desprovido de autocrítica, Jobim andava ainda pela casa dos 50 quando achou que já justificava a produção de sua autobiografia. Não a editou, se a concluiu, dado o efeito da sua orgulhosa informação de que nela revelaria a introdução sigilosa, no original da futura Constituição quando o revisava, de uma parte de sua estrita autoria.
Ficou-se sem saber de outras revelações interessantes, mas é possível que a informação sobre a autobiografia explique seu apreço pela frase do xará Nelson Rodrigues, a respeito de "idiotas" e "modéstia". E o mesmo, ainda, quanto à também adotada e reproduzida frase de Borges, sobre os que "escrevem para o esquecimento".
A queda de Jobim não se deve, porém, às suas peculiaridades. Veio da forma como as expõe, e que melhor se definem por expressões algo antigas, de uso doméstico: "fulano é mal-educado, sicrano não tem educação", coisas assim. Hoje grosseiras, deve-se substituí-las. Por exemplo: "em se tratando de modos educados, Jobim é muito fraquinho".
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