quarta-feira, julho 13, 2011

PEDRO DA MOTTA VEIGA e SANDRA POLÓNIA RIOS - Seis meses de política externa sob Dilma

Seis meses de política externa sob Dilma
PEDRO DA MOTTA VEIGA e SANDRA POLÓNIA RIOS
O Estado de S.Paulo - 13/07/11

As principais heranças deixadas pelos dois governos Lula para sua sucessora foram a projeção adquirida pelo Brasil nos foros econômicos multilaterais e o condicionamento da estratégia econômica externa a objetivos propriamente políticos.

As diferenças entre as histórias e personalidades dos presidentes Lula e Dilma Rousseff - e os impactos dessas diferenças sobre as percepções externas em relação aos dois - parecem suficientes para explicar o padrão de administração da herança de Lula, adotado pela nova presidente, no que se refere à projeção internacional alcançada pelo Brasil.

Passados seis meses da posse da presidente, parece claro que a dimensão política da estratégia externa do Brasil perdeu força e que há uma volta da prioridade concedida tradicionalmente no Brasil à dimensão econômica da política externa.

Na realidade, a mudança no cenário doméstico que está por trás da política externa já vinha se desenhando desde o final do governo Lula 2. Aos poucos, o quadro favorável que combinava crescimento impressionante das exportações de commodities com expansão da produção industrial voltada para a demanda doméstica começa a se deteriorar com a apreciação cambial e a forte expansão das importações originárias da China.

A margem de liberdade de que a política externa desfrutou sob Lula refletia, em grande medida, o dinamismo da demanda internacional por commodities, mas também a posição confortável, no mercado interno, dos setores industriais que competem com importações. A erosão dessa combinação, que "faz água" pelo lado dos setores import-competing, traz as preocupações domésticas e volta ao centro da agenda de política externa, agora centrada na dimensão econômica.

Em sua nova função, a política comercial passou a conferir prioridade ao tema da proteção dos setores que competem com importações no mercado doméstico.

O mais recente exemplo foi o discurso de Dilma Rousseff na reunião semestral de presidentes do Mercosul, em junho de 2011. A presidente sinalizou com clareza a mudança de tom na política econômica externa do Brasil, ao propor que os países do bloco possam aumentar tarifas para enfrentar as importações do resto do mundo, num cenário em que os países desenvolvidos crescem pouco e o dinamismo das economias do Mercosul faria destas alvos privilegiados dos esforços de exportação daqueles países.

É plausível supor que essas mesmas preocupações também moldarão a nova política industrial, que será anunciada nos próximos meses, traduzindo-se em medidas de incentivo para investimentos que cumpram com requisitos de conteúdo nacional.

Neste novo cenário, a política externa tende a funcionar estreitamente subordinada à agenda doméstica de resposta às ameaças de "desindustrialização". De um lado, novas regras internacionais percebidas como restrições à margem de liberdade no manejo das políticas econômicas são rejeitadas pelos policy makers (caso da proposta, formulada por países desenvolvidos, no G-20, de regular o uso de controles de capital), posição que aproxima o Brasil dos demais Brics. De outro lado, novas regras de política industrial e comercial tendem a testar o alcance de regras multilaterais de comércio relacionadas, sobretudo, a investimentos (medidas comerciais relacionadas a investimentos - Trims, no acrônimo em inglês).

A crise econômica de 2008 e a competição dos produtos chineses no mercado doméstico de todos os setores industriais - que se intensificou em 2010 - apresentam ao Brasil os custos de sua crescente integração à economia internacional. Até então, o Brasil tivera contato apenas com os benefícios da globalização. O enfrentamento dessa questão pautará a agenda externa do governo Dilma mais além dos seus primeiros seis meses.

DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)

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