Constituintes togados
FELIPE INÁCIO ZANCHET MAGALHÃES e HUGO SARUBBI CYSNEIROS DE OLIVEIRA
O Globo - 16/05/2011
A união estável entre pessoas do mesmo sexo
Muito se tem falado na mídia sobre o julgamento do STF que resultou na criação de novomodelo de entidade familiar,a união estável homoafetiva. Éprevisível enatural que expressiva parcela da opinião pública tenha abordado ofato sob a ótica da universalização dos direitos fundamentais e da consolidação do exercício da cidadania em favor de uma coletividade que se julgava não contemplada por prerrogativas já fixadas em favor das três únicas espécies de família reconhecidas pela legislação.
Mesmo cientes de que corremos o risco de sermos tachados de medievais, insistimos em invocar conhecida máxima: os fins não justificam os meios. Até o julgamento, aConstituição fixava (como ainda fixa) três tipos de entidade familiar: o casamento entre homem e mulher, a união estável entre homem e mulher e as formadas por um ascendente e seus descendentes.
O STF julgou pela inconstitucionalidade da norma do Código Civil epela sua interpretação “conforme” a Constituição, para reconhecer uma quarta espécie de entidade familiar , formada por pessoas de mesmo sexo. Ao criar uma quarta espécie de família, em explícito desacordo com o texto constitucional e contra a vontade dos constituintes de 1988, o STF—em análise unilateral do conceito de família, função constitucional que não lhe competia exercer —substituiu a função do Congresso. Suprimiu, assim, odebate do tema da necessária exposição ao crivo da vontade popular , ignorando o mister dos representantes eleitos e mandatários do poder que da sociedade provém. A justificativa de validação dos direitos de uma minoria tampouco comporta exceção à regra acima, vez que não há outra forma de se exercer a atividade legiferante constitucional, a não ser com o protagonismo exclusivo do Legislativo. A comparação feita pelos demandantes com a construção jurisprudencial da Suprema Corte americana em relação aos direitos dos afro-americanos é inadequada por várias razões, sendo suficiente lembrar que
aquela técnica legislativa constitucional é distinta da nossa por razões históricas. Sobre o mesmo tema, o Conselho Constitucional Francês reconheceu que a declaração dos direitos do homem da Revolução Francesa, ao usar os termos homem e mulher , não fere a Constituição, não é discriminatória, nem atenta contra princípios fundamentais.
Apesar da unanimidade no STF, o tema não é pacífico. A decisão do Supremo deve ser evidentemente cumprida, mas deve nos levar a uma profunda reflexão junto à sociedade acerca
dos critérios utilizados pelos ministros. A posição do tribunal constitui aparente sintoma de grave crise pela qual passam os poderes da República, que vêm dando sinais de confusão
entre suas respectivas atribuições, por meio da qual as funções, por meio da qual as funções de julgar , legislar e executar parecem ter se desvencilhado de seus reais legitimados. Por fim, uma breve e respeitosa consideração sobreovoto do ministrorelator , Ayres Britto, que, ao elaborar suas razões, o fez de maneira primorosa, com alusão a textos de Nietzsche, Sartre, Chico Xavier eCaetano Veloso. Talvez aMPB, na voz de Tim Maia, nos reserve uma letra que melhor retrata nossa realidade constitucional positivada: “Vale tudo! Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher . O resto vale!”
FELIPE INÁCIO ZANCHET MAGALHÃES e HUGO SARUBBI CYSNEIROS DE OLIVEIRA são advogados e representaram a CNBB no julgamento do STF.
Muito se tem falado na mídia sobre o julgamento do STF que resultou na criação de novomodelo de entidade familiar,a união estável homoafetiva. Éprevisível enatural que expressiva parcela da opinião pública tenha abordado ofato sob a ótica da universalização dos direitos fundamentais e da consolidação do exercício da cidadania em favor de uma coletividade que se julgava não contemplada por prerrogativas já fixadas em favor das três únicas espécies de família reconhecidas pela legislação.
Mesmo cientes de que corremos o risco de sermos tachados de medievais, insistimos em invocar conhecida máxima: os fins não justificam os meios. Até o julgamento, aConstituição fixava (como ainda fixa) três tipos de entidade familiar: o casamento entre homem e mulher, a união estável entre homem e mulher e as formadas por um ascendente e seus descendentes.
O STF julgou pela inconstitucionalidade da norma do Código Civil epela sua interpretação “conforme” a Constituição, para reconhecer uma quarta espécie de entidade familiar , formada por pessoas de mesmo sexo. Ao criar uma quarta espécie de família, em explícito desacordo com o texto constitucional e contra a vontade dos constituintes de 1988, o STF—em análise unilateral do conceito de família, função constitucional que não lhe competia exercer —substituiu a função do Congresso. Suprimiu, assim, odebate do tema da necessária exposição ao crivo da vontade popular , ignorando o mister dos representantes eleitos e mandatários do poder que da sociedade provém. A justificativa de validação dos direitos de uma minoria tampouco comporta exceção à regra acima, vez que não há outra forma de se exercer a atividade legiferante constitucional, a não ser com o protagonismo exclusivo do Legislativo. A comparação feita pelos demandantes com a construção jurisprudencial da Suprema Corte americana em relação aos direitos dos afro-americanos é inadequada por várias razões, sendo suficiente lembrar que
aquela técnica legislativa constitucional é distinta da nossa por razões históricas. Sobre o mesmo tema, o Conselho Constitucional Francês reconheceu que a declaração dos direitos do homem da Revolução Francesa, ao usar os termos homem e mulher , não fere a Constituição, não é discriminatória, nem atenta contra princípios fundamentais.
Apesar da unanimidade no STF, o tema não é pacífico. A decisão do Supremo deve ser evidentemente cumprida, mas deve nos levar a uma profunda reflexão junto à sociedade acerca
dos critérios utilizados pelos ministros. A posição do tribunal constitui aparente sintoma de grave crise pela qual passam os poderes da República, que vêm dando sinais de confusão
entre suas respectivas atribuições, por meio da qual as funções, por meio da qual as funções de julgar , legislar e executar parecem ter se desvencilhado de seus reais legitimados. Por fim, uma breve e respeitosa consideração sobreovoto do ministrorelator , Ayres Britto, que, ao elaborar suas razões, o fez de maneira primorosa, com alusão a textos de Nietzsche, Sartre, Chico Xavier eCaetano Veloso. Talvez aMPB, na voz de Tim Maia, nos reserve uma letra que melhor retrata nossa realidade constitucional positivada: “Vale tudo! Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher . O resto vale!”
FELIPE INÁCIO ZANCHET MAGALHÃES e HUGO SARUBBI CYSNEIROS DE OLIVEIRA são advogados e representaram a CNBB no julgamento do STF.
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