sexta-feira, dezembro 31, 2010

CLAUDIO SALES

A conta de luz e os sustos de fim de ano
Claudio Sales
O Estado de S. Paulo - 31/12/2010

Entra ano, sai ano, e a história se repete: iniciativas do governo federal ao apagar das luzes do ano que beneficiam poucos e prejudicam muitos - com base na sorrateira estratégia do "vamos aproveitar as festas de fim de ano para empurrar essa "medidinha provisória", esse "decretinho ou essa "resoluçãozinha" porque ninguém perceberá. E quando perceberem... já foi". As ameaças que podem se tornar reais nos últimos dias do ano têm impacto bilionário para os bolsos dos consumidores de eletricidade.

Tal desconfiança não é fruto de paranoias. No dia 20 de dezembro de 2007, por exemplo, diante da séria ameaça de racionamento - cenário que o governo nunca admitiu diante das câmeras, mas que recebeu muita atenção e muitas ações dos governantes para evitar o que seria um desastre político-eleitoral -, o Conselho Nacional de Política Energética emitiu a Resolução Normativa nº 8.

Essa resolução enterrou décadas de uma operação puramente técnica e econômica e deu poderes ao chamado Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico de decidir sobre o modo de operação das usinas que geram energia elétrica no Brasil. Tudo deveria acontecer em casos "extraordinários" e com o respaldo de estudos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Apoiado nessa resolução, de 2008 a 2010 o governo imputou ao consumidor de eletricidade um custo adicional de R$ 3 bilhões. E até hoje não se viu nenhum estudo do ONS que justificasse tais decisões bilionárias com base numa análise de custo-benefício. Confrontado, o governo apenas repete o mantra "qualquer custo é menor que o custo de um racionamento". Tal mantra não se alinha às práticas do mundo técnico, conforme documentado nas edições 7 e 8 do Programa Energia Transparente, disponível em www.acendebrasil.com.br, seção Estudos.

Olhando para as próximas ameaças, merece a prontidão dos consumidores a possível prorrogação do encargo (um entre os 23 tributos e 13 encargos que se escondem nas nossas contas de luz) chamado Reserva Global de Reversão (RGR). Criado em 1957 para cobrir indenizações a empresas - estatais ou privadas - em caso de reversões à União de concessões de energia elétrica, de acordo com a Lei nº 10.438/02, sua cobrança deve acabar neste dia 31 de dezembro.

Mas, apesar de a lei determinar o fim da RGR, já há sinais fortes de que o governo maquina sua prorrogação. A suspeita tem fundamento: o objetivo original deixou de existir, mas os recursos bilionários coletados foram sendo "redirecionados" ao longo dos anos para iniciativas como o subsídio para o consumidor de baixa renda, para fontes renováveis e para o Luz para Todos, programa cuja meta será cumprida em breve.

Os que justificarão sua manutenção dirão que ela é necessária para custear esses programas. Argumento falso. Há outros encargos na conta de luz com este fim, como o subsídio ao Programa de Incentivo a Fontes Alternativas e a Conta de Desenvolvimento Energético, que inclui desenvolvimento de fontes alternativas, universalização e subsídio a consumidores de baixa renda.

Nossos olhos também precisam ficar abertos para desvios absurdos da finalidade do encargo: no primeiro semestre o governo cogitou publicar medida provisória para aplicar os recursos da RGR numa operação de "salvamento" da Celg, estatal goiana que nas últimas décadas foi vítima de gestão temerária e que hoje enfrenta situação financeira precária.

Qual a nova desculpa para prorrogar uma rubrica que representou cerca de 1,5% da tarifa e que arrecadou R$ 1,6 bilhão em 2009? Qualquer redução tributária sobre o serviço essencial de eletricidade é bem-vinda porque a carga de impostos sobre a conta de luz é superior a 45%, enquanto a carga tributária média sobre a economia brasileira é de 35%.

O Governo Federal precisa respeitar a lei e manter o direito do consumidor de eletricidade de celebrar na noite de 31 de dezembro um raro episódio: a extinção de um imposto neste país que já deixou claro que não aceitará passivamente impostos e subsídios que custeiam ineficiências e privilégios

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