domingo, novembro 28, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

Uma história banal de inflação
VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/10


Alta de preços deve seguir até o início de 2011; governo deveria aproveitar o ano para gastar "maldades"


DUROU MAIS ou menos até setembro a história de que a inflação safra de 2010 era passageira. Em agosto, a inflação acumulada em 12 meses voltara à meta, de 4,5%. Parecia então que poderia ser verdade o argumento de que o repique dos preços no primeiro trimestre do ano seria transitório, tocado por uma alta casual dos alimentos. Poderia ser verdade, mas parece que não é.
Em outubro, o IPCA acumulado em 12 meses foi a 5,2%. Em si mesmo, apesar de acima da meta, o número não diz grande coisa. Uma breve olhada em suas entranhas abertas em outubro, porém, não propicia bons augúrios. O índice de inflação dos produtos ditos "não comercializáveis" foi a 7,1% (sempre no acumulado em 12 meses).
Os "não comercializáveis" são aqueles produtos cujos preços em geral não são influenciados pelo comércio exterior (bens que não são exportáveis ou cujos preços não estão sujeitos à influência direta de bens importáveis). Por exemplo, serviços como educação ou cortes de cabelo. A inflação dos "comercializáveis", que ia pela casa dos 3% em agosto, em outubro foi a 4,7%.
A inflação dos serviços subiu para 7,2% em outubro. Alimentos, a 7,5%. Despesas pessoais, a 7%.
Em suma, o que parece ocorrer é uma história banal. Os preços de "não comercializáveis" sobem devido ao aumento da renda, ao desemprego baixo e cadente e ao estoque de crédito subindo a 20% ao ano. Os preços de bens sujeitos à concorrência internacional e à pressão baixista do câmbio estão mais ou menos sob controle -o país importa cada vez mais, o deficit externo é crescente. Mas a "ajuda" do câmbio na contenção da inflação agora deve ser cada vez menor. O real não deve ficar muito mais forte, se ficar.
A inflação medida pelos núcleos também está estourada -nessas medidas, são expurgados alguns preços que se comportam de maneira exagerada e/ou apresentam variações casuais ou sazonais.
As medidas de utilização da capacidade ociosa da indústria também estão apertadas. O maior salto no uso da capacidade produtiva da indústria ocorreu justamente em alimentos. Alguns setores estão no limite: papel e papelão, material de construção e minerais não metálicos. Como o consumidor está animado, com renda e crédito, está mais fácil repassar aumentos.
O caldo da inflação ainda deve engrossar até o fim do primeiro trimestre de 2011. Trata-se de um período de remarcação de preços, de repasses de custos dos aumentos de salários das categorias que conseguiram aumentos no terço final deste ano e de reajustes fortes de despesas como educação.
De quebra, há o risco de aumento dos preços dos combustíveis, a depender de quão grande será o problema da entressafra do álcool. Ou seja, há um estoque de riscos para a inflação bastante para incomodar o Banco Central e atiçar os povos dos mercados até pelo menos meados de 2011.
O estrago parece mais ou menos feito. A não ser devido a milagres em preços voláteis (alimentos, combustíveis) ou paradas fortes na economia mundial, os juros vão subir.
A nova equipe econômica do governo Dilma Rousseff poderia aproveitar esse 2011 algo mais problemático para fazer "o mal" de uma vez só, cortando gastos públicos com gosto, arrumando a casa e, de quebra, criando condições para derrubar as taxas de juros em 2012.

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