domingo, novembro 28, 2010

SUELY CALDAS

BC - autonomia pra valer?
SUELY CALDAS 
O Estado de S.Paulo - 28/11/10

Anunciada sua indicação para a presidência do Banco Central (BC), o economista Alexandre Tombini contou ter ouvido da presidente eleita que em relação ao BC "não há meia autonomia, mas autonomia total". Se há sinceridade na afirmação, o próximo passo de Dilma Rousseff deveria ser enviar ao Congresso projeto oficializando a autonomia operacional em lei. É caminho certeiro para tentar reduzir o juro real para 2%, como quer Dilma.

Com isso ela eliminaria dúvidas e suspeitas sobre a firme disposição de seu governo de não ceder a pressões políticas e não interferir em juros e outras decisões técnicas do BC. Ao mesmo tempo, esvaziaria munição de especuladores ávidos por propagar essas dúvidas, forçar oscilações no mercado financeiro e ganhar dinheiro fácil com o sobe e desce das cotações que tanto prejudica o desempenho econômico e atrasa a queda dos juros. As vantagens da autonomia em lei são inúmeras e quem mais ganha é a população.

É certo que a autonomia informal, respeitada por FHC e por Lula, teve o mérito de manter a inflação controlada e a economia estável durante os dois governos. Mas também gerou outro mérito: 16 anos de convivência de governantes, políticos, agentes do mercado e a população com um BC autônomo comprovaram ser o caminho certo e tornaram a ideia madura. Hoje o País está prontinho para dar o próximo passo de assegurar em lei a autonomia que Dilma Rousseff diz ser necessária.

E não só ela. Em 2002, na primeira campanha eleitoral vitoriosa de Lula, o economista Guido Mantega, hoje ministro da Fazenda, disse-me ser favorável a um modelo de independência para o BC ainda mais radical - o que vigora para o Federal Reserve, dos EUA, que define sozinho suas metas para a economia sem consultar o presidente da República. É certo que, no cargo de ministro, Mantega deu escorregões sérios, falou demais e tentou interferir em juros e câmbio. É certo, também, que tem recorrido a exercícios mágicos de maquiagem de números que tendem ao descrédito e desmoralização da contabilidade do governo (o mais recente é expurgar alimentos e combustíveis da inflação).

Mas, se a presidente quer ser respeitada, recuperar a seriedade em seu governo e evitar o caminho argentino de índices desmoralizados e desprezados, então que mostre coerência e prove que juras de "autonomia total" não são palavras soltas jogadas no ar para acalmar o mercado em momentos difíceis. Ninguém mais se deixa enganar com isso, muito menos os senhores especuladores do mercado financeiro.

Agora mesmo, no episódio de substituição na presidência do BC, o mercado futuro de juros foi abalado por boatos de perda de autonomia, enfraquecimento da diretoria do banco, interferência de Dilma na definição da taxa Selic, etc. O mercado só se acalmou depois de confirmado o nome de Tombini e de ele afirmar ter garantias da presidente de que o BC atuará com autonomia, sem interferência política. Foi mais uma entre tantas outras dúvidas que o mercado gosta de explorar. Em março, simultâneo ao País viver um repique inflacionário e Henrique Meirelles avaliar se sairia ou não candidato na eleição, o Copom decidiu não elevar a Selic. Foi o suficiente para surgirem suspeitas de que a decisão teria motivações políticas.

Mesmo em situações em que prevaleça o critério técnico, mas coincidam com desejos e pressões de políticos, logo há a suspeita de interferência. O problema é que, enquanto não houver uma lei assegurando autonomia ao BC e protegendo seus diretores de retaliações políticas, sempre haverá dúvidas do setor privado. E a maior delas - se o governo cede ou não à tentação de sacrificar a inflação no médio prazo para maximizar o crescimento no curto prazo - os últimos oito anos mostraram se encaixar bem nos perfis de Dilma e Mantega.

O custo pago pela população é alto, porque o BC vai sempre precisar aumentar juros além do necessário para provar ao mercado que não aceita pressões e cumpre sua missão de controlar a inflação. E juro alto é péssimo para o investimento, o crescimento e o emprego.

JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO

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