Ao eleitor o desempate
DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 26/09/10
Não é verdade que o Supremo Tribunal Federal não tenha decidido coisa alguma e que a sessão de quinta-feira não tenha servido para nada, como rezaram as primeiras análises.
Houve avanços, o que torna produtivas aquelas longuíssimas horas. Maior ganho de todos: a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional. Portanto, acabou o sonho acalentado por muita gente (na política) de ver a lei morrer na praia do STF.
A questão que ficou é se será aplicada nesta ou só a partir da próxima eleição. Mas, se a gente pensar direito, bem ou mal a Lei da Ficha Limpa já entrou em vigor porque produziu efeitos: o mais imediato, a renúncia de Joaquim Roriz à candidatura para o governo do Distrito Federal.
Precavido, tinha preparado tudo para a eventualidade e lançou a mulher em seu lugar. Como já havia perdido a dianteira nas pesquisas justamente por causa das impugnações na Justiça Eleitoral (regional e nacional) e a repercussão do caso, o mais provável é que esse arranjo familiar não alcance êxito eleitoral.
Ora, para quem no início da campanha esteve com a vida ganha mesmo tendo renunciado ao mandato para não perdê-lo sob acusação de corrupção, foi uma perda e tanto.
E assim alguns outros que se afastaram "voluntariamente" só por causa da existência da lei e mais aqueles que perderão votos e não conseguirão se eleger. Alguns chegarão até o Congresso, mas serão em menor quantidade e terão na testa o carimbo de ficha-suja.
O resultado de 5 a 5 deixou um aroma de frustração no ar. De um lado, os que torciam pela aplicabilidade já da lei com a ideia equivocada de que o tribunal foi "conservador". De outro, os que consideraram que os magistrados fizeram figuração para a opinião pública, deixando de lado o que de fato se julgava ali, o cumprimento da Constituição.
A divisão ao meio mostra como há argumentos consistentes de um lado e de outro. Os especialistas debaterão à larga o assunto. Há um aspecto, porém, que ficou ressaltado naquela sessão e que requer muita atenção: o Brasil está querendo que o Supremo Tribunal Federal resolva todos os problemas que os demais setores não se dispõem a resolver.
O Congresso teve muito tempo para aprovar a lei um ano antes da eleição, a polícia deixa solto quem deveria prender, a Justiça é lenta e falha, e a sociedade quando se mostra disposta dar seu precioso voto a tiriricas e companhia não faz a sua parte.
Se quiser, pode começar daqui a uma semana, resolvendo o empate do Supremo nas urnas.
Tabajara. A questão de ordem levantada pelo presidente do Supremo durante o exame da validade da Lei da Ficha Limpa torna lícita a suspeita de que a mudança de redação feita na última hora no Senado tinha endereço certo: a contestação, e possível derrubada, no Judiciário.
Na visão do ministro Cezar Peluso o erro de origem - mudar o texto sem mandá-lo de volta para a Câmara - tornaria a lei inválida e, portanto, o assunto mereceria ao menos ser discutido.
Se os advogados de Joaquim Roriz tivessem contestado a imperfeição do processo legislativo, a discussão poderia ter prosperado.
No meio jurídico há certeza de que a mudança de redação foi proposital.
Em boa parte do meio político havia confiança na derrubada da lei. Desse ponto de vista deu tudo errado.
Os limites. Para o PT aprender que nem todo mundo se vale dos instrumentos a disposição só para ganhar uma parada: os presidentes do Supremo podem votar duas vezes em caso de empate, mas nunca usaram do expediente.
Usina. Erenice Guerra é uma fonte inesgotável de escândalos. Lembra José Sarney na crise de 2009 no Senado. Com a diferença de que não era ano eleitoral e Sarney pôde contar com a divina proteção presidencial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário