Uma nova agenda de prioridades
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/07/10
Lula intui que uma alta na inflação provocará uma revolta nas camadas mais populares da sociedade
EM NOSSO último encontro manifestei minhas preocupações com a agenda de prioridades de um novo governo do PT. O programa da candidata oficial vai certamente manter o rumo definido pelo presidente Lula nestes seus últimos anos de mandato. Embora o documento registrado na Justiça Eleitoral apresente sinais contraditórios, na questão econômica podemos visualizar as linhas principais de um eventual governo Dilma.
Devem ser mantidas as linhas básicas da política macroeconômica de Lula. Uma gestão monetária voltada para o controle da inflação dentro dos limites do sistema de metas, a geração de superavit fiscal primário que estabilize a relação dívida/PIB e uma flutuação suja da taxa de câmbio. Em relação a esse tripé, a candidata já manifestou várias vezes seu compromisso.
Nosso presidente, homem extremamente pragmático, sabe que o sucesso de seu governo está diretamente ligado à estabilidade de preços. Intui que uma alta na inflação provocará uma revolta nas camadas mais populares da sociedade. E certamente passou essa lição para Dilma Rousseff.
Mas, além desse tripé de prioridades macroeconômicas, o que temos hoje é uma política econômica baseada nos valores dos economistas que sempre representaram o núcleo duro do pensamento econômico do PT. Lula manteve essa divisão em seu governo e o sucesso dos últimos anos certamente reforçou a confiança de Dilma nesse modelo.
Mas esse raciocínio futebolístico tão a gosto de nosso presidente -não se mexe em time que está ganhando- traz sempre um grande perigo. Ele vale apenas se o contorno em que se realiza uma determinada estratégia não mudar de forma importante ao longo do tempo.
A simples manutenção da estabilidade econômica nos últimos anos foi suficiente para que nossa economia crescesse a taxas elevadas porque várias mudanças microeconômicas positivas, criadas pela estabilidade, empurraram-na para a frente. Vejamos alguns exemplos.
A confiança na moeda permitiu uma expansão vigorosa do crédito a empresas e a indivíduos. Antes do arranque da economia em 2005 o crédito total representava pouco mais de 20% do PIB; hoje representa 45%. No passado recente tínhamos uma economia fechada e uma política de aumento real dos salários levava sempre a um aumento da inflação e dos juros; hoje, com o aumento expressivo das importações, podemos esperar pelo aumento da capacidade produtiva e uma maior oferta de bens industriais sem que a inflação apareça.
A taxa de desemprego em 2005 superava 10%, o que permitiu um aumento expressivo do emprego sem a elevação do custo da mão de obra; agora, com uma taxa de desemprego de 7%, essa folga é muito menor e, em certos setores de mão de obra mais especializada, já ocorrem gargalos importantes.
Também nos primeiros anos da lua de mel de Lula nossa infraestrutura econômica não estava tão congestionada. Hoje os gargalos nos setores de transporte, portos e aeroportos provocam aumentos de custo e quedas de eficiência na logística de movimentação da nossa produção e que podem nos levar a uma situação crítica no próximo governo.
As indicações que temos hoje nas palavras e ações do governo Lula são todas no sentido de que a necessidade de uma mudança de agenda não foi ainda devidamente entendida. Um exemplo claro disso é essa questão do trem-bala que tratei em nosso último encontro. Mas outras manifestações de prioridades do governo e de sua candidata provam esse descompasso entre realidade da economia e ações do governo.
Em matéria recente a mídia trouxe a informação de que o BNDES já desembolsou mais de R$ 16 bilhões para apoiar dois frigoríficos nacionais em sua expansão no exterior. O objetivo desse programa é o de criar multinacionais brasileiras para competir em outros mercados. Mas, no setor de frigoríficos, em um mundo dominado pela tecnologia? Apenas uma leitura errada do mundo em que vivemos pode explicar tanto esforço por nada.
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