domingo, junho 13, 2010

MANOEL CARLOS


Namorados

MANOEL CARLOS
REVISTA VEJA-RJ


–Para mim, a melhor fase de uma história de amor é a do namoro. Chego a sonhar com uma vida amorosa em que eu passasse de um namoro para outro, sem ter de viver os lances que normalmente se seguem a esse período, e que terminam, fatalmente, no casamento.

Essa afirmação foi feita pelo Nestor, no encontro casual que tivemos no bar Severino, da Livraria Argumento, pautado por um tinto chileno e nacos de grana padano.

— Uma vida assim dispensaria as separações traumáticas, os divórcios custosos e todos os contratempos e desprazeres que acompanham as relações estáveis — completou o Nestor.

Não contestei, já que a conversa era amena e os pontos de vista do Nestor me eram familiares, mas perguntei:

— E pensa em continuar dando um filho a cada namorada?

— Que filhos? — retrucou o Nestor, a expressão de surpresa, como se perguntasse sobre marcianos ou trogloditas.

— Ué — continuei —, você consegue pensar numa vida amorosa e feliz sem pensar nos filhos?

O Nestor deu um amplo sorriso, baixou a voz, já que estávamos rodeados de mulheres, que ocupavam praticamente todo o salão, e prosseguiu:

— Vida amorosa com harmonia, em clima de permanente namoro, não apenas dispensa os filhos como só é possível alcançar sem eles. Você conhece a minha opinião sobre o assunto: “Sejam felizes até que os filhos os separem”. Foram eles, e mais a maldita rotina da vida em comum, que quase me levaram à falência com os três divórcios.


Faço um parêntese para contar que o assunto do namoro não surgiu do nada entre nós dois, mas porque eu me lembrei de que estávamos às vésperas do Dia dos Namorados. Quanto ao meu amigo, posso radiografá-lo em poucas palavras: tem 51 anos, casou-se três vezes e — como já contei acima — tem três filhos, um com cada uma de suas mulheres. Depois do terceiro divórcio, passou ao namoro constante.

— Deixa eu lhe contar um namoro inesquecível entre os muitos que tive e tenho — falou ele. E contou:

— Uma vez, há uns vinte anos mais ou menos, numa ponte aérea Rio-São Paulo, o avião entrou numa área de turbulência. Uma bela comissária, que até então eu nem sequer havia notado, sentou-se, apressadamente, na poltrona vazia ao meu lado, o que a impediu de cair no corredor. E ela, que estava ali para acalmar a todos, teve medo, tremeu da cabeça aos pés, e segurou a minha mão.

Reconheci que era uma cena emocionante uma comissária com medo segurando a mão de um passageiro. Ele continuou:

— Juro que desejei que aquela turbulência não acabasse nunca e até lamentei que a viagem fosse tão curta. Quando o voo se normalizou, ela me olhou com carinho e gratidão, sem nada dizer. Trocamos os números dos nossos telefones e já no dia seguinte iniciamos um namoro que durou mais de um ano e foi a suprema felicidade da minha vida.

— Nossa! — exclamei. — E por que acabou?

— Ah, acabou porque ela teve de entregar o apartamento em que vivia e me pediu para ficar morando comigo até que alugasse outro. Bem, com isso, em menos de um mês, o namoro foi para o vinagre, virou casamento. E os casamentos acabam, ao contrário dos namoros, que podem durar para sempre.

Eu ia contestar, dizer que isso não era uma regra geral, mas o nosso papo foi interrompido pela Virginia, a atual namorada do Nestor, que chegou esbaforida, queixando-se do trânsito, e morta de sede.

Aproveitei para me despedir e fui ao Shopping Leblon, onde entrei numa loja e comprei meu presente para a Bety, minha mulher, ou melhor: minha namorada. Um namoro que já dura 33 anos e nos deu dois filhos que nos orgulham. Espero que o Nestor ainda encontre, como eu encontrei, uma namorada para a vida toda.

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