domingo, junho 13, 2010

BRASIL S/A

Negócio bilionário
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 13/06/10

Capitalização da Petrobras já está aprovada, será recorde no mundo e vai implicar muitos desafios


O reforço de capital para a Petrobras montar a infraestrutura que trará do fundo do mar o petróleo do pré-sal será o grande destaque do noticiário econômico das próximas semanas. A capitalização, que poderá chegar a R$ 150 bilhões, será recorde em termos mundiais.

A autorização foi aprovada pelo Senado sem mudanças do projeto de lei já votado na Câmara, e irá à sanção do presidente Lula. É algo que ele deverá usar em favor da candidatura de Dilma Rousseff. Por ora, só deverá haver espaço para a grandiosidade do evento.

Muito técnicos, os detalhes e sequelas da operação deverão passar despercebidos ao eleitor. A primeira polêmica será a própria forma de capitalização. Segundo a lei aprovada, a Petrobras recebeu sem licitação o direito de exploração de uma das áreas do pré-sal, na Bacia de Santos, até o limite de 5 bilhões de barris.

Trata-se, agora, de arbitrar o preço do barril e o de seu custo de extração. A lei não o fixou. Preço e custo serão definidos entre o governo e a Petrobras, balizados por consultorias internacionais. Se for alto, a sociedade ganha, mas pode não atrair o investidor.

Uma vez definidos tais valores, o petróleo extraído será vendido a preços de mercado, e a Petrobras ressarcirá a União, abatidos os custos e a margem operacional. Mas a União é também o maior acionista da Petrobras por meio do Tesouro. Como será a subscrição das ações que ela vai emitir para que não se dilua o controle do Estado?

E deverá ser mais, pois a intenção do governo é aumentar a fatia do Estado na empresa. O Tesouro emitirá títulos de dívida em valor equivalente ao da valoração dos 5 bilhões de barris. As operações serão simultâneas. Com os papéis, o Tesouro integraliza o que cabe ao Estado no aumento de capital e fecha a engenharia financeira.

Na prática, os papéis serão leiloados no mercado financeiro como todos os títulos do Tesouro, virando dinheiro sonante no caixa da Petrobras. É esse capital, mais o que virá dos acionistas privados que se interessarem em manter a sua participação na empresa, que vai bancar o investimento em plataformas de exploração, oleodutos, plantas de gás, navios petroleiros e três a quatro refinarias.

A diretriz à Petrobras, ordenada por Lula, é que o petróleo do pré-sal seja vendido sob a forma de derivados, não bruto, como é o que ocorre normalmente, para agregar valor às exportações. Dará certo se o mercado quiser, e só pelos países sem capacidade de refino.

Pré-sal será salgado
Tal questão, como tantas outras provocadas pela mudança do marco exploratório do petróleo aprovado pelo Congresso, fica para outra análise. Ao menos, para depois que a Petrobras aprove o seu plano de negócios de 2010 a 2014. Essa conta exigirá dinheiro grosso.

Os investimentos estão avaliados entre US$ 200 bilhões e US$ 220 bilhões, financiados pelo aumento de capital, com limites de R$ 60 bilhões em ações ordinárias e R$ 90 bilhões em preferenciais.

Nas especulações dos analistas, a capitalização deve ser da ordem de R$ 110 bilhões, pouco menos que o aumento total autorizado. As outras fontes de financiamento virão de dívidas, parte pelo BNDES, e, principalmente, da geração própria de caixa da Petrobras.

Nem tudo sairá do chão
A expectativa é que todo o processo esteja concluído até o fim de agosto, permitindo a Lula e a Dilma anunciá-lo durante a campanha. O novo governo poderá rever os investimentos. Já se especula que uma das novas refinarias poderá não sair do papel. Se Dilma se eleger, o plano básico tem mais chances de ser mantido sem revisões.

Com mais um a dois anos, no entanto, o investimento no pré-sal se tornará irreversível. Aí restará torcer para que o preço do barril de petróleo não venha abaixo de US$ 40, patamar considerado mínimo para a viabilidade financeira do pré-sal, pelos próximos 20 anos.

O ônus antes do bônus
No curto prazo, o aumento de capital da Petrobras implica muitos desafios. O maior deles será a entrada dos dólares dos acionistas estrangeiros da Petrobras. O Banco Central terá de enxugá-los para evitar a valorização do real e, assim, o colapso das exportações.

A dívida bruta vai crescer, embora não haja impacto para a dívida líquida. Mas o mercado começa a se incomodar com tal jogo contábil — em que o Tesouro se endivida para reforçar o BNDES, capitalizar a Petrobras e esterilizar os aportes que chegarão de fora.

Não é improvável que a operação concorra com outras aplicações, levando-as à desvalorização. E ainda que o aumento de renda pelos investimentos no pré-sal leve o BC a pisar ainda mais nos juros.

Riscos não discutidos
O estranho ao projeto, ao modelo regulatório e à viabilidade do pré-sal é que não tenha havido a discussão sobre os riscos para a empreitada. A Petrobras os conhece, até porque é peça obrigatória nas negociações com os bancos. Os parlamentares, porém, votaram o que não entendem nem se esforçaram em entender, salvo uns poucos.

O risco é o de alguma tecnologia que ameace o domínio do petróleo sobre o modo de produção, sobretudo em transportes, que respondem por 70% de sua demanda no mundo. As montadoras começam a pôr ficha no carro elétrico. Nos EUA, está avançada a pesquisa para baterias de longa duração e recarga rápida. A tecnologia existe. Não há é a regulação que incentive a substituição do petróleo. O que pode vir não está claro, mas há mais que burburinhos nessa direção.

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