Jovens super-heróis numa cabana
NICHOLAS D. KRISTOF |
O Globo - 27/04/2010 |
Por que a África é pobre? É um legado da exploração colonial? Doenças tropicais e parasitas? Ou os mamíferos africanos, como a zebra e o elefante, eram difíceis de domesticar e utilizar na agricultura? Há verdade em cada uma dessas explicações. Mas uma visita ao Zimbábue destaca talvez a principal razão: má governança. O regime tirânico, incompetente e corrupto do presidente Robert Mugabe transformou um dos países mais avançados da África em ruínas. Numa vila a menos de um dia de viagem de carro de Victoria Falls, topei com uma cabana que, a meu ver, capturou o desgosto do país — e também sua resiliência e esperança. As únicas pessoas que vivem na cabana são cinco crianças, órfãs de duas famílias. As crianças, de 8 a 17 anos, mudaram-se para ali em conjunto depois que os pais morreram de Aids e outras causas. O líder da casa é o garoto mais velho, Abel, alto, sempre com um riso forçado. Ele está no comando desde que tinha 15 anos. Houve um tempo em que as duas famílias refletiam a relativa prosperidade do Zimbábue. Uma das mães era uma mulher de negócios que viajava com regularidade ao exterior. Um painel solar que ele trouxe da Zâmbia repousa no quintal. Um dos pais era um técnico de futebol que pôs no filho o nome de Diego Maradona. Diego pode ter herdado algo do talento do pai, mas não tem bola nem chuteiras — na verdade, nenhum calçado. E aqui, como na maior parte do Zimbábue, um sistema de escolas e clínicas que chegaram a impressionar entrou em colapso, da mesma forma que o turismo, produção agrícola e a própria economia. A cabana se enche de vida a cada manhã quando Abel se levanta às quatro horas e inicia, descalço, um percurso de 12,5 quilômetros até a escola secundária mais próxima. Ele não tem relógio e calcula o tempo pelo Sol, sabendo que levará três horas para chegar à escola. Abel e as outras crianças não têm dinheiro para pagar taxas escolares ou comprar notebooks. Mas os professores deixam que eles compareçam às aulas porque são estudantes brilhantes, que tiram as melhores notas. São como um lembrete que o talento é universal, embora oportunidades não sejam. Depois que Abel vai para a escola, a responsabilidade recai sobre Diego Maradona, de 11 anos. Ele acorda os três mais novos, alimenta-os com mingau frio de com farinha de milho que sobrou do jantar do dia anterior e vai junto com eles à escola primária distante alguns quilômetros. Quando Diego e os mais novos voltam, à tarde, eles recolhem galhos, buscam água, cuidam das galinhas e às vezes procuram plantas selvagens, mas comestíveis. Abel retorna por volta das 19h e cozinha mais mingau de milho para o jantar. Ele dá ordens e afeto, cuida dos mais novos quando estão doentes, conforta-os quando sentem saudades dos pais, castiga-os quando fazem besteira, ajuda-os com os deveres de casa, pede comida aos vizinhos, conserta o teto de palha quando dá goteiras e dirige a casa com ternura e eficiência. O objetivo de Abel é terminar o curso secundário e se tornar policial, porque o trabalho permitirá ganhar um salário regular para sustentar seus irmãos. Ele não sabe como pagará as taxas necessárias para se graduar. Perguntei a Abel quais são seus sonhos. “Uma bicicleta”, disse. Com ela poderia voltar mais rapidamente da escola para casa e cuidar melhor de sua casa. “A vida era muito melhor quando eu era mais jovem”, ele disse, um tanto melancolicamente. “Pelo que meus pais me contavam, a vida era muito melhor quando o país era dirigido por brancos. Havia muito mais comida e roupas, e você conseguia comprar coisas.” Mas Abel insistiu ter confiança em que a vida poderia melhorar novamente. Ocidentais às vezes pensam que o problema da África é falta de iniciativa ou de trabalho duro. Ninguém poderia pensar nisso depois de conversar com Abel e Diego Maradona — ou tantos outros zimbabuanos que demonstram uma resiliência e coragem que me deixaram inspirado. Encontrei super-heróis zimbabuanos como Abel na semana em que fiz, subrepticiamente, reportagens no país. (Mugabe manda prender jornalistas, então pareceu-me melhor não tornar minha presença conhecida.) Pais sacrificam refeições para manter seus filhos em escolas miseráveis (um professor me mostrou seus dois únicos livros-texto para uma classe de 50 alunos). E um número crescente de zimbabuanos enfrenta crocodilos, o risco de se afogar e violência para entrar na África do Sul em busca de trabalho. A tragédia do Zimbábue não é seu povo, mas seu líder. Da mesma forma, o problema da África tem sido, sobretudo, de liderança. É sintomático que a maior história de sucesso da África, Botswana, é adjacente a um de seus grandes fracassos, o Zimbábue. A diferença é que, durante décadas, Botswana tem sido administrado honesta e excepcionalmente bem, e o Zimbábue, pilhado. |
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